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sexta-feira, janeiro 17, 2014

PAULO COSTA LIMA: MAIS UM BAIANO IMORTALIZADO NA ACADEMIA BRASILEIRA DE MÚSICA

Mentor de uma brilhante nova geração de compositores da música de concerto baiana, portador da tradição vanguardista da Escola de Música da Universidade Federal da Bahia e compositor de sensibilidade ímpar, Paulo Costa Lima parecia ser uma barbada ao concorrer à cadeira 21 da Academia Brasileira de Música, honorável instituição fundada por Heitor Villa-Lobos em 1945.

E foi mesmo. Eleito na última segunda-feira, Paulo conta como foi o processo e o que significa para ele e para a Bahia, ser membro da ABM.

Como recebeu a notícia?

Paulo Costa Lima: Recebi uma ligação do André Cardoso, presidente da ABM, me parabenizando. Confesso que as pernas fraquejaram um pouco na hora (risos).

Como foi o processo?

PCL: O candidato, ao lançar sua candidatura, tem de enviar uma carta aos acadêmicos, com o currículo anexado. Essa é a parte formal. Eu entrei tarde na disputa. Logo que saiu o edital, recebi uma mensagem de um amigo de Brasília, dizendo que se eu me candidatasse, ele me apoiaria. Aí veio outro do Rio, dizendo o mesmo. Fui para a Bienal (XX Bienal de Música Brasileira Contemporânea, realizada no Rio em setembro) e não me preocupei. Quando voltei, um grupo me enviou mensagem de apoio. Mas já tinha outros três candidatos e até pessoas mais  próximas já haviam se comprometido com eles. Mas fui eleito mesmo assim. Foram cinco candidatos, eleição em dois turnos. No primeiro, fui o mais votado, e no segundo, ganhei, por 23 a 7 votos.

O que significa ser um membro da ABM? Quais as prerrogativas de um acadêmico?

PCL: É o lugar mais prestigiado da música erudita brasileira. Tem o peso simbólico de ter sido  fundada por Villa-Lobos, que deixou metade dos direitos de suas obras para Academia. É lá que está a nata da criação, da musicologia, dos maestros. Meu antecessor na cadeira 21 foi Cláudio Santoro, que foi um ”monstro” da música brasileira. Tem o Edino Krieger, patriarca das bienais, Mário Cicarelli, Aílton Escobar, Ronaldo Miranda, Raul do Valle – todos compositores de carreira internacional, já estão na história da música brasileira e são objeto de estudos. E tem John Neschling, Roberto Duarte, Lutero Rodrigues, os nomes a frente das grandes orquestras. Na musicologia tem Régis Duprat, que vestiu a camisa da minha candidatura, um senhor de 80 anos com o pensamento de um jovem de 20. Kilza Setti, compositora que parte da música indígena. Maria Alice Volpe, da UFRJ e muitos outros. Sobre as atribuições, eu passo ao menos um mês no Rio todos os anos. Outros programas podem ser feitos a distância, mas terei o maior prazer em estar lá todas as vezes.

O que o senhor acha que eles reconheceram ao te eleger?

Grupo de Compositores da Escola de Música da Ufba: tradição
PCL: Fazer música erudita é criar mundos sonoros diferentes, de sua própria criação. O que eu acho que esta sendo reconhecido, entre outras coisas é essa maneira que desenvolvi de olhar a música contemporânea a partir da Bahia – que não é uma coisa minha:  sou herdeiro de Ernest Widmer, Lindembergue Cardoso. Eu avancei com essa proposta em obras como Atoto du l'Homme Armé. L’Homme Armé é uma canção anti- armamentista dos anos 1400, que diz para ter “cuidado com o homem armado”. É uma sátira gótica que tem uma melodia muito famosa e nesse Atoto, ela dialoga com a rítmica africana, como se a África se embaralhasse com a Europa aqui na Bahia. Compus essa música em 1993. Ela ilustra essa forma de pensar que um aluno meu, Paulo Rios Filho, defende como “hibridação”. É uma forma de compor que não dispensa o humor. Não é besteirol, mas trata o humor como categoria constitutiva desse encontro estranho entre a vanguarda europeia e a vivência africana do ritmo. Acho que esse caminho culminou agora em setembro, com a estreia do meu concerto na Bienal, o que eu acho que foi fundamental no processo, já que foi muito aplaudida e muitos colegas vieram me abraçar. Um processo que começou no Atoto e veio desembocar neste momento. É não só o reconhecimento de uma criação musical, mas também de uma trajetória múltipla de estudo da obra de Widmer, que busca entender a dimensão cultural da criação musical. Tem também o lado gestor, já que passei 15 anos como diretor da Escola de Música (Emus) da Ufba, fui  Presidente da Fundação Gregório de Mattos e pró-reitor da Ufba. Para mim, tudo isso é composição, ainda que seja uma formação muito heterodoxa, que mesmo assim é também reconhecida como algo digno de homenagem.



O que significa para a Bahia sua eleição? Há outros baianos na ABM?

Oficina de Composição Agora (OCA): resgate da tradição
PCL: Nesse momento, tem o etnomusicologo Manoel Veiga e a doutora em composição pela Universidade de New York Ilza Nogueira. Para mim, o sentido de ser da Bahia e acontecer isso é uma sensação reconfortante de continuidade, de  que o movimento de composição na Bahia continua, desde Fernando Cerqueira, Agnaldo Ribeiro e Wellington Gomes. É um processo no tempo, um movimento de muita qualidade que responde a esses desafios todos. Minha maior gratificação é perceber que essa homenagem confirma essa continuidade e projeta inclusive os novos valores que tem surgido nos últimos anos, como Paulo Rios Filho, Guilherme Bertisolo, Alex Porchat, Joélio Santos, Túlio Augusto, Alexandre Espinheira, Juliano Serravalle, Paulo Santana e Danniel Ribeiro. É uma homenagem a esse movimento de composição e ao estilo colaborativo. Todos eles já foram premiados nacionalmente e são parte desse processo que recomeçou para mim em 2003, quando voltei a lecionar depois de seis anos como pró-reitor.

A Bahia já teve outros membros além do senhor?

PCL: Claro. Ernest Widmer e Lindebergue Cardoso. Nos anos 1950, o grande compositor Sílvio Deolindo Fróes, fundador do Instituto de Música (fundado em 1897, incorporado à UCSal em 1969).

A Bahia tem condições de eleger outros membros?

Paulo no ofício, em ano não informado
PCL: Sim, há espaço. Mas temos que nos articular nacionalmente para projetar os valores que temos aqui.

Alguma comemoração prevista, um concerto com suas peças, algo assim?

PCL: Como aconteceu segunda-feira (13) e estamos em janeiro, ainda não há nada programado. Mas como a Emus está fazendo 60 anos este ano e eu também, eu acho que esta noticia é um ótimo começo para essas duas comemorações. Certamente teremos desdobramentos. (Minha eleição) É um pontapé inicial dessas duas coisa que se imbricam: eu sou a escola também, eu cresci ali, minha vida é dedicada a ela. Entrei ali com 14 anos, são 46 anos de presença ininterrupta. E se pudesse, dobraria esse tempo.



Crédito fotos: www.escolademusica.ufba.br e www.ocaocaoca.com

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