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sexta-feira, julho 15, 2011

VELOCIDADE EM QUADRINHOS

O binômio estrada X violência fascina criadores de cultura pop não é de hoje. Não se sabe bem quando esse namoro começou, mas há quem diga que o subgênero que alia longas viagens e violência existe desde as obras A Odisseia e A Ilíada, de Homero (por volta de 500 AC). Mas como os automóveis só começaram a ser produzidos em massa bem depois, no pós-Guerra, o gênero se estabeleceu mesmo foi no cinema, especialmente depois de filmes como O Selvagem (The Wild One, 1953), Juventude Transviada (Rebel Without a Cause, 1955) e Sem Destino (Easy Rider, 1969).

Hoje, o estilo experimenta uma certa visibilidade os quadrinhos. No Brasil, duas obras recentes o namoram com notável eficiência, ainda que com abordagens bem distintas: Mesmo Delivery (de 2009), de Rafael Grampá, e a recém-lançada A Balada de Johnny Furacão, de Sama, pseudônimo do quadrinista, ator e artista plástico mineiro Eduardo Filipe.

Inspirado em uma antiga canção de Erasmo Carlos, A História de Johnny Furacão ("Tudo pronto / não falta nada / só a vitória e o beijo da namorada"), Sama criou uma HQ que transcende o mero fetiche do road movie com ares rock 'n' roll e aborda um tema universal, o valor da amizade.

Os surpreendentes caminhos que ele toma para chegar até seu tema central, no entanto, é o que dá toda a graça da HQ. Há corridas em automóveis estilosos, vilões motoqueiros-clichê de filme americano, perseguições e tiroteio em alta velocidade, um elefante (!), sexo como punição e uma certa porção de magia e surrealismo (possivelmente, uma herança de Coração Selvagem, de David Lynch).

Veloz como o Porsche Spider que matou James Dean, a narrativa segue, de forma paralela, acompanhando diversos personagens aparentemente sem ligação, até faze-los convergir no ato final da história.

"O argumento original era uma historia de estrada, parti desta ideia. O que deixei em aberto foram os eventos que ocorriam no decorrer do livro", conta o autor em entrevista.

Paciente, ele afirma que não se irrita quando comparam sua graphic novel com a premiada Mesmo Delivery: "Não me irrita de jeito nenhum, aliás, gosto da HQ do Grampá. É provavel que quem gostou de Mesmo, possa gostar d'A Balada do Johnny. Inclusive, será otimo se isso acontecer. Mas apesar de serem ambas 'roadie comics', as sensibilidades e abordagens são bem distintas", observa.

Fã de um bom filme de estrada, como não poderia deixar de ser, ele aponta as mais diversas influências na sua obra, de Zabriskie Point (de Michelangelo Antonioni, 1970) a Christine O Carro Assassino (de John Carpenter, 1983), passando pelo "episódio da corrida alpina do Speed Racer" e contos de Ray Bradbury e até mesmo os baianos Raul Seixas, Camisa de Vênus e Retrofoguetes.

Não a toa, ele criou e postou no You Tube, com o auxílio técnico de Felipe Facini, um trailer animado com as imagens do livro, utilizando, como trilha sonora, a faixa Surf-O-Matic, um clássico do repertório dos Retrofoguetes. "Fui eu mesmo que escolhi a música dos Retrofoguetes. Escolhi pela identificação, pelo teor de aventura sugerida, pela crueza, pela textura e pelo aspecto referencial de uma época onde ainda havia misterio", elogia.



Bem relacionado, Sama tem entre os fãs do seu trabalho, o autor Selton Mello, que assina o texto da contracapa e é colecionador dos seus quadros, instalações, desenhos, pinturas e colagens.

Em 2004, Sama venceu o 15º Salão Carioca de Humor na categoria charge, com o polêmico trabalho Bradesco Bin Laden, um “ready made”, no qual adicionou dois aviões à logomarca do banco, transformando-a numa analogia ao atentado do 11 de Setembro.

Como ator, trabalhou em diversas novelas da Globo nos anos 1990, como A Próxima Vítima e A Viagem. No teatro, atuou em O Ateneu, Os 12 trabalhos de Hércules e Adoráveis Picaretas, esta de sua autoria. No cinema, protagonizou Era uma Vez, de Arturo Uranga e o média-metragem A Cartomante.

Com tantas atividades tão diversas entre si, não é de se espantar que tenha criado o pseudônimo "Sama" para abrigar sua porção quadrinista / artista visual.

"A persona do Sama me conecta mais facilmente a um mundo lúdico que habito quando crio. É uma senha que abre portas em locais estranhos que visito na minha mente. Locais que o Eduardo Filipe nem sempre gostaria de ir", revela o artista.

Diante de um criador de complexidade e talento tão evidentes, fica fácil dar um crédito e pegar a estrada com Johnny Furacão. É uma viagem por estradas de estranhezas e violência, mas também de valores humanos e um certo misticismo surrealista. Qualidades não muito fáceis de se encontrar no superficial mundo das redes sociais.

A Balada de Johnny Furacão / 146 páginas / R$ 32 / Editora Flâneur

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