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domingo, julho 31, 2011

MICRO-RESENHAS PARA TE TIRAR DE TEMPO...

Tributo ao pop muzzarela

Mais conhecido no Brasil pela dupla Gnarls Barkley, que formou com o soulman Cee-Lo Green, o DJ e produtor Danger Mouse apresenta sua nova travessura: o álbum Rome, uma colaboração com o músico italiano Daniele Luppi. Homenagem a música pop muzzarela, o disco parte de uma musicalidade orgânica para compor um mosaico de sabor mezzo anos 60, mezzo anos 70, emulando trilhas sonoras de western spaghetti, de filmes românticos e o pop europeu continental, mais ou menos na linha do Air em algumas faixas. Jack White e Norah Jones cantam um punhado de canções e encorpam de forma definitiva este belo disco – desde já, um dos melhores do ano, ao lado da estreia de Anna Calvi, na humilde opinião do resenhista. Danger Mouse & Daniele Luppi / Rome / Capitol Records (Imp.) / R$ 61,60

O novo folk do novo Dylan

Ainda um menino (21 anos), o cantor country folk Dylan Leblanc, da Louisiana, faz uma das melhores estreias em disco do ano, com Paupers Field, que ganhou bem-vinda edição nacional do selo Lab 344. Pleno de dor, mas também de redenção, o álbum constrói sua sonoridade com base na voz triste e suave do jovem Dylan, do banjo e da guitarra pedal steel, onipresentes em quase todas as faixas. Diferente de muitos novos artistas folk, hypados pela crítica, ele soa legítimo em cada nota, como um herdeiro carnal de Gram Parsons. Longa vida ao novo Dylan do folk. Dylan Leblanc / Paupers Field / Lab 344 - Rough Trade / R$ 27,20

A culpa é do Canadá!

No passado, o Canadá exportou grandes artistas do rock, como Neil Young (um gênio incontestável), The Guess Who e Cowboy Junkies, entre outros menos cotados. De uns tempos para cá, contudo, parece que o negócio ficou feio por lá, pois olha só que triste safra, a da última década: Avril Lavigne, Justin Bieber e o quinteto Simple Plan, que chega aqui ao seu quarto álbum. Típica banda descerebrada, direcionada para o público adolescente da MTV, falar mal disso é chutar cachorro morto. Como diriam os baixinhos abusados de South Park, “blame it on Canada”! Simple Plan / Get Your Heart On! / Warner / R$ 27,20

Moby tá tristinho de novo

Destroyed, novo álbum do norte-americano Moby, é o resultado do processo por que ele passa ao sair em turnê: noites insones, a solidão dos aeroportos e quartos de hotel ao redor do mundo. A agridoce vida de um popstar em movimento. Com a sombra do Kraftwerk maior do que nunca nos timbres de algumas faixas, Moby produziu aqui seu CD mais tristonho desde Everything Is Wrong (1995). Não há batidões para as pistas, e sim, muitas faixas em clima chill, como Stella Maris. Canções grandiosas, no estilo do hit Natural Blues, também surgem aqui e ali, como The Day. Moby / Destroyed / EMI / R$ 28,80

O pupilo de Raulzito

Quando era adolescente, Márcio Tucunduva era vizinho de porta de ninguém menos que Raul Seixas. Após algumas aulas de violão com o baiano, o rapaz resolveu seguir os passos do mestre como gauche, cantor e compositor. Em seu segundo álbum, se apresenta com rara sensatez: “Eu que não nasci no berço da MPB / não vou brincar de fazer samba”, canta Márcio na faixa-título, em um belo recado aos meninos amarelos que acham que nasceram no morro. E mesmo com a sonoridade crua, a base de guitarras, não deixa de soar brasileiro. O cara teve um bom professor... Márcio Tucunduva / Antimoderno / Tratore / R$ 15,20

Cantora vintage atual

Aos 31 anos, a inglesa Sarah Rumer Joyce, ou apenas Rumer, tem sido apontada como uma espécie de “nova Karen Carpenter”, tamanha a semelhança do seu registro vocal com a doce, anoréxica e, prematuramente morta, voz do duo The Carpenters. Comparações a parte, Rumer tem bons momentos neste álbum, como Take Me As I Am, Slow e Am I Forgiven. De sonoridade regular, há pouca variação entre as faixas, mas deverá agradar aos fãs de uma música suave e romântica. Como bônus, regravações de Alfie (de Burt Bacharach) e It Might Be You (do filme Tootsie). Rumer / Seasons Of My Soul / Warner Music / R$ 28,80

Fique longe das D.R.U.G.S.


Sob o sugestivo nome Destroy Rebuild Until God Shows, ou simplesmente D.R.U.G.S., esta é a típica banda do rock mainstream norte-americano: pós-hardcore (leia-se emo, mesmo), baseada em redes sociais e completamente desprovida de identidade. Se o freguês aí já está familiarizado com similares como Fall Out Boy, My Chemical Romance e outras nulidades a fins, então já sabe exatamente o que vai encontrar aqui: musiquinhas pseudopesadas para pré-adolescentes a beira de um ataque de nervos por que papai cortou a mesada. De fato, uma droga. D.R.U.G.S. / Destroy Rebuild Until God Shows / Warner Music / R$ 32,80

Lupinus marinus escrotum

Inspiração para outro Jack, o Kerouac, Jack London tem uma de suas mais eletrizantes obras, O Lobo do Mar, em formato pocket acessível. Nele, o intelectual Humphrey Van Weyden vive as turras com o capitão Wolf Larsen a bordo do Ghost, entre tempestades, náufragos, motins e diálogos acerca de heroísmo e humanidade. O Lobo do Mar / Jack London / L&PM / 320 p. / R$ 17 / www.lpm.com.br





Buk: the man, the storyteller, the eternal hangover

Para os literatos highbrow, Mr. Bukowski nunca passou de um bêbado degenerado. Para quem o lê desprovido de preconceitos, contudo, sua prosa enxuta revelava um dos maiores e mais sensíveis contadores de histórias da América. Este volume de contos apenas corrobora esta opinião. Ao sul de lugar nenhum / Charles Bukowski / L&PM Pocket / 240 p. / R$ 16 / lpm.com.br








Alquimia bem equilibrada

Um dos mais aclamados compositores da música popular norte-americana nos últimos 40 anos, Paul Simon estava longe dos estúdios desde Surprise (2006) – e da aclamação crítica desde The Rhythm of the Saints (1990), álbum que o trouxe à Salvador, para gravar bases de percussão com Neguinho do Samba. Agora, em So Beautiful Or So What, ele se reencontra com o sucesso comercial (nº 4 no Top Ten da Billboard) e os afagos da crítica, graças a uma bem equilibrada alquimia entre os ritmos world music e as belas canções folk que ele sabe fazer tão bem. Paul Simon / So Beautiful Or So What / Universal / R$ 29,60



Poe policial


Gênio atormentado e multifacetado, Edgar Allan Poe (1809- 1849) legou uma obra tão essencial que influenciou nomes totalmente díspares entre si, como Herman Melville, Agatha Christie e Jorge Luis Borges. Esta edição de bolso reúne alguns dos seus melhores contos de mistério e suspense. Escaravelho de Ouro & Outras Histórias / Edgar Allan Poe / L&PM / 240 p. / R$ 15/ www.lpm.com.br




A epítome do ufanismo

Arquétipo do patriota cego, o major Policarpo Quaresma é uma espécie de Don Quixote à brasileira, sempre se metendo em confusões – mas que acabam explicitando a triste realidade de Pindorama. Um clássico absoluto do Brasil, em ótima edição econômica.
Triste fim de Policarpo Quaresma / Lima Barreto / Penguin Companhia / 368 p. / R$ 25 / www.penguincompanhia.com.br




Kafkalogia

Um dos autores mais emblemáticos do século 20, Franz Kafka (1883-1924) tem aqui compilada boa parte de sua obra. Foi ele que pressentiu algumas tragédias contemporâneas, como o totalitarismo (Na Colônia Penal), a paranoia (Desista!) o sentimento de inadequação (A Metamorfose) etc. Essencial / Franz Kafka / Penguin Companhia / 304 p. / R$ 26 / penguincompanhia.com.br





Richard Rodgers vive

Em 2002, Richard Rodgers (1902-1979), o popular compositor norte-americano de musicais para a Broadway, foi alvo de diversas homenagens pelo centenário de seu nascimento. Uma das melhores, que só agora chega ao Brasil em CD, é este álbum da cantora inglesa Stacey Kent, interpretando 13 de seus maiores sucessos em arranjos sutis de soft jazz, baseados no piano tocado por David Newton. Com sua voz suave e quente a um só tempo, Kent dá nova vida à clássicos do século 20, como Shall We Dance, Thou Swell, Manhattan e My Heart Stood Still. Stacey Kent / In Love Again: The Music of Richard Rodgers / LAB 344 - Candid / R$ 24,80





Registro nacional único

The Kinks, a genial banda dos irmãos Ray e Dave Davies tem canções que dão testa com o melhor que os Beatles produziram no auge, mas até este lançamento, nada deles em audiovisual havia sido lançado no Brasil. A má notícia é que este documentário é um tanto tosco e não privilegia clássicos indispensáveis como Waterloo Sunset. Mas, como não tem tu, vai tu mesmo. The Kinks / You Really Got Me: The Story Of The Kinks / Coqueiro Verde - NEO / R$ 19,20







34 minutos de agressão

O legado do Sepultura (que segue vivo e bem, obrigado) continua com o Cavalera Conspiracy, a porradíssima banda que reuniu os irmãos Max e Iggor Cavalera. Neste segundo CD, o crossover de thrash metal e hardcore é a principal característica em 34 minutos de agressão sonora peso-pesado. Se Target é Slayer reeditado com conhecimento de causa, Thrasher é o bom e velho Sepultura fase Arise, para delírio banger. Há mais: Lynch Mob traz a lenda HC Roger Miret (Agnostic Front) no vocal e é um tapão na orelha. No geral, satisfação (mórbida) garantida. Cavalera Conspiracy / Blunt Force Trauma / Warner Music / R$ 28,80


Vodca com acarajé metal

O split dos russos Hell’s Thrash Horsemen com os baianos do Rattle já começa pendendo para os primeiros – ao menos, no número de faixas: sete para equipe vodca e cinco para a equipe acarajé. No som mesmo, ouvidos leigos podem até achar tudo a mesma coisa, mas a verdade é que, enquanto os russos pendem para o thrash (e até mesmo para o demodé power metal oitentista), os baianos são ligeiramente mais atuais, praticando um death metal cavernoso. Entre mortos (vivos) e feridos, um CD com o bom e velho som brutal para bater cabeça. Hell´s Thrash Horsemen & Rattle / Pain is Inevitable / Holocaust - Headcrusher Productions / R$ 10





Papa do mal

Se, alguns meses atrás, o Vaticano consagrou um papa santo (JP II), séculos atrás, a coisa era bem diferente. No último volume desta sensacional série de Alejandro Jodorowsky e Milo Manara, a decadência de Alexandre VI, um papa corrupto, incestuoso e cruel. HQ para maiores de 18 anos. Bórgia vol. 4: Tudo é vaidade / A. Jodorowsky e M. Manara / Conrad / 58 p. / R$ 47 / www.conradeditora.com.br








Muito mais que úterozinho bonito em fúria

Aline, a personagem ninfomaníaca do cartunista Adão (seria a filha bastarda da Rê Bordosa, de Angeli?) fez tanto sucesso com suas tiras em jornais que virou até seriado na Globo. Lendo esta coletânea, porém, percebe-se que suas tiras abordam, com humor e inteligência, muito mais assuntos do que o útero em fúria da garota. Estão aqui observações ferinas sobre a geração hiperativa, passagem da adolescencia para a vida adulta, complexo de Elektra e futilidades urbanas em geral. Aline Vol. 5: Numas de Colegial / Adão Iturrusgarai / L&PM / 128 p. / R$ 11 / www.lpm.com.br






Inventário de podridões

Uma das bandas mais populares do combalido rock brasileiro da última década, o Matanza é um daqueles grupos estilo Ramones / Mötorhead, com fidelidade total à proposta original – ela nunca muda. No caso deles, que não são tão bons quanto aqueles que os inspiram, a impressão é de ouvir a mesma música o disco inteiro. O melhor são as letras, sempre saudando o que há de pior nos seres humanos, com letras que são inventários das nossas piores características: ira, alcoolismo, isolamento, nojo, Escárnio (título de uma faixa). Quem já é fã vai curtir. Matanza / Odiosa Natureza Humana / Deckdisc-Polysom / R$ 23,20 (CD) / R$ 88,80 (LP)

terça-feira, julho 26, 2011

HÉLIO ROCHA RIDES AGAIN: HOJE, DE GRAÇA, NO RIO VERMELHO

Hélio Rocha rides again. Sim, o roqueiro baiano, na ativa desde o finzinho dos anos 1970, quando formou a lendária Delirium Tremens, faz pocket-show gratuito hoje à noite, para lançar seu primeiro trabalho solo: o single Sangrando Contra a Lei.

Aos desavisados, cabe lembrar que Hélio tem uma longa e considerabilíssima folha de serviços prestados ao rock.

Depois da DT, formou o 14º Andar, que além do Camisa de Vênus, foi a única outra banda baiana de sua geração a lançar LP via major (o subestimado Diversão do Novo Mundo, RGE, 1985).

O colunista lembra com carinho dos grandes shows do 14º Andar que viu, ainda naquela década. Era rock mermo, véio. Sem firula.

Depois de formar (e encerrar) a banda Circus, no início dos anos 1990, Hélio jogou tudo para o alto e foi embora. Morou em Nova York entre 1993 e 2002.

Roqueiro local é sofredor

Depois de um tempo afastado da música, quando trabalhou como jornalista, Hélio resolveu voltar a compor. “Passei um bom tempo refletindo sobre que caminho tomar neste novo momento”, conta o músico.

“Por que todo mundo sabe que estamos nesta nova era, mas para onde ir é que é a grande pergunta. Cada um tem que criar seu próprio caminho, agora. Dentro do impossível, a gente faz o que não pode”, ri.

Com a stoneana (com jeitão de country) Sangrando Contra a Lei debaixo do braço, Hélio espera inaugurar um novo momento em sua carreira. “Não tem patrocínio de ninguém, é independente mesmo”, frisa.

“O som é meio country, mas não sertanejo. É o outlaw country de Johnny Cash, Waylon Jennings, Gram Parsons”, cita.

“No show de hoje, só música nova, em um set curto, de uns 30 minutos, blitzkrieg rock. Vamos chegar, tocar e quando você se tocar, já acabou. E você vai ficar: ‘uau, o que foi isso?’”, aposta.

O show é sem couvert, “porque é contra a lei mesmo, não vou cobrar para as pessoas conhecerem meu trabalho. O single vai ser distribuído gratuitamente, ali, na hora. Quem curte rock em Salvador é sofredor, então eu quis fazer de graça, pra galera, mesmo”, convida.

Hélio Rocha & Banda em: Sangrando Contra a Lei / Lançamento do single e videoclipe / Hoje, 21 horas / Padaria Bar / R. João Gomes, 43, Rio Vermelho / Grátis / www.myspace.com/heliorocha66

NUETAS

Rock + rock no Pelô

Eles não fazem sambinha de menino amarelo (leia-se, não tem influência de Loser Manos): Acord e The Honkers fazem rock ‘n’ roll no Pelourinho. Duas ótimas bandas, em grande fase, na Praça Teresa Batista, sexta-feira, 21 horas, grátis.

Siga aquele carro!

A Banda Limusine é um belo exemplo do que pode acontecer quando gente talentosa do teatro e da música se une em torno de um espetáculo. O grupo de música brega, Jovem Guarda e comédia liderado pelos atores Diogo Lopes e Evelyn Buchegger encerra temporada na Varanda do Sesi (Rio Vermelho) sábado (30), 22 horas. R$ 15.

Beatles SC de hoje

Banda de Rock, Capitão Parafina, Paulinho Oliveira e Chip Trio são as atrações do Beatles Social Clube. Hoje, Companhia da Pizza, 20 horas, grátis.

MOORE & GAIMAN, OS FAVORITOS DOS FÃS, EM NOVAS EDIÇÕES DE LUXO

No início dos anos 1980, uma brilhante leva de escritores e artistas britânicos invadiu os quadrinhos mainstream americanos e mudou a cara dessa indústria para sempre. Na dianteira desse movimento, dois nomes se destacaram: Alan Moore (autor de Watchmen) e Neil Gaiman (Sandman).

Hoje, os fãs caçam qualquer coisa que chegue as livrarias com a griffe deles. Neste caso, dois lançamentos colocam mais itens na lista de compras dos apreciadores: The Spirit: As Novas Aventuras e Sinal & Ruído.

The Spirit traz diversos autores criando novas histórias para o clássico personagem de Will Eisner surgido em 1940, incluindo Alan Moore e seu parceiro de Watchmen, Dave Gibbons, além do próprio Neil Gaiman e outros nomes importantes da invasão britânica, como os desenhistas David Lloyd (V de Vingança), Ed Campbell (Do Inferno) e Brian Bolland (Camelot 3000).

Mas o volume ainda apresenta outros artistas consagrados, como o espanhol Daniel Torres (Triton), Kurt Busiek (Marvels), John Wagner (Juiz Dredd), Brent Anderson (Astro City) e Moebius (Blueberry), entre outros.

O álbum da Devir reúne as quatro primeiras revistas lançadas em 1998 pela editora independente Kitchen Sink (já extinta, foi uma das principais editoras do movimento underground dos anos 1960, revelando gigantes do estilo como Robert Crumb, Gilbert Shelton e Spain Rodriguez).

O resultado chega a ser desigual, mas vale a aquisição só pelo fato de reunir a dupla Alan Moore e Dave Gibbons pela primeira e única vez (até o momento), depois da revolucionária parceria em Watchmen.

Recriar / reimaginar

A dupla assina três HQs de oito páginas cada (como era o padrão das HQs de Will Eisner) e, como de costume, Moore praticamente reimagina / recria todo o imaginário do personagem do zero – sem deixar de respeitar sua mitologia original.

Ao todo, Moore assina quatro HQs, sendo três com Gibbons e mais uma quarta, com desenhos espetaculares de Daniel Torres, arquiteto que leva para suas HQs todo o sentido arquitetônico futurista que é a marca de suas obras.

As quatro histórias de Moore são interligadas, indo da origem do personagem, ligada a um vilão clássico, o Doutor Cobra, até 500 anos no futuro – dizer mais seria estragar as surpresas preparadas pelo genial barbudo recluso de Northampton.

Já Neil Gaiman assina apenas uma HQ, O Retorno de Estola de Vison, com desenhos de Ed Campbell. É também uma das melhores do livro, e utiliza um recurso clássico das histórias de Will Eisner, no qual o herói de terno azul é reduzido a coadjuvante e a narrativa fica a cargo de um passante, um homem comum – provavelmente, um dos motivos por que suas HQs até hoje fazem tanto sucesso.

Nessa mesma levada, merece menção Grado, O Azarado, em: O Jogo da Vida, uma hilária HQ assinada por John Wagner e Carlos Ezquerra (Bloody Mary).

Ao longo do álbum, quase todas as muitas mulheres do Spirit – entre várias vilãs assanhadas e a eterna namorada, Ellen Dolan – dão as caras, mantendo a característica das HQs clássicas, assim como seu assistente juvenil, Ébano, e o comissário Dolan (pai de Ellen).

The Spirit - As Novas Aventuras / Vários autores / Devir Livraria / 112 p. / R$ 53 (capa dura) R$ 41 (brochura) / www.devir.com.br




Os últimos dias da vida do cineasta, pelos olhos de Gaiman & McKean

Muito cultuado pela série Sandman, que, há pouco mais de vinte anos, tem seus 75 números continuamente publicados e republicados no Brasil em encadernados cada vez mais caros e luxuosos, Neil Gaiman tem o último de seus três trabalhos iniciais pré-Sandman lançados em edição nacional.

Assim como Violent Cases (HQM Editora) e Mr. Punch (Conrad), Sinal & Ruído é assinado por Gaiman e pelo capista de Sandman, o artista plástico, designer e cineasta ocasional Dave McKean (Máscara da Ilusão, disponível em DVD no Brasil).

E é ele, McKean, que parece ter tido uma certa predominância autoral em Sinal & Ruído. É ele que assina três dos cinco textos de apresentação escritos desde 1992 – os outros dois são de Gaiman e do escritor Jonathan Carrol.

É ele que assina sozinho duas das três histórias curtas incluídas como bônus no álbum: Destrua e Descontrução, ambas criadas para a seminal revista britânica de arte e comportamento, The Face.

Isolamento e imaginação

Foi na própria The Face, aliás, que Sinal & Ruído começou a ser publicada em capítulos, em 1989. A história trata de um cineasta que descobre que tem poucos meses de vida.

A partir daí, se isola em seu apartamento para terminar o roteiro do seu último filme.

A HQ então se divide entre seu isolamento e as memórias de sua vida e a história dentro da história: no roteiro do seu último filme, acompanhamos a rotina de uma aldeia nos últimos dias do ano 999 DC, com o temor de que o fim do mundo se aproxima com a chegada do ano 1.000.

No fim das contas, uma curiosidade apenas razoável para os fãs da dupla.

Sinal & ruído / Neil Gaiman (roteiro), Dave McKean (arte) / Conrad Editora / 96 páginas / R$ 49,90 / www.lojaconrad.com.br

quinta-feira, julho 21, 2011

VIOLA DE ARAME: SHOW GRATUITO PARA LANÇAR PRIMEIRO DISCO, AMANHÃ

Os músicos Júlio Caldas, Cássio Nobre e Ricardo Hardmann são homens em uma missão: mostrar que a viola (e os múltiplos ritmos que se pode tocar com ela) é tão ou mais representativo da cultura brasileira quanto o samba. Admiradores (às centenas e aumentando) e incrédulos podem conferir a viabilidade dessa teoria no lançamento do primeiro álbum do trio, Viola de Arame, amanhã, em show gratuito.

Antes que indignados se levantem, é bom reiterar: a teoria tem fundamento. “A viola é um instrumento português, que chegou ao Brasil ainda na época da colonização. Entrou no Brasil inteiro, inclusive na Bahia”, explica Júlio.

“Cada região do País tem uma forma própria de tocar e pensar a viola. Tem viola em todo canto do Brasil. Por exemplo: no Sul, você tem a viola de fandango. no Nordeste tem uma bem típica do agreste, bem dinâmica, que é a dos repentistas. No Sudeste e no Centro-Oeste tem a viola caipira. A região amazônica não tem tanta tradição, mas também tem sua viola”, enumera.

Ele conta que, “só na Bahia, tem uns quatro formatos de viola. Ela é ligada à chula do Recôncavo, aos repentistas da região de Serrinha e Feira de Santana e às folias de reis”, nota.

O quarto formato da viola na Bahia é o que ele chama de “estética elomariana”, ligada à música de Elomar. “Ele toca violão, mas com uma estética de viola. A forma que ele toca violão é muito parecida com a da viola, e isso influencia até na forma como ele compõe”, diz.

Fruto de pesquisas

Por tudo isso, Júlio, Cássio (que é etnomusicólogo) e Ricardo sustentam a teoria do início deste texto. “Da forma como eu vejo, (a viola) é o instrumento que melhor representa a cultura brasileira, pois está presente em todo Brasil”, aposta Júlio.

A banda e o disco Viola de Arame vem justamente “da necessidade de pesquisa mesmo, tanto das tradições, quanto das inovações, além das músicas que vimos compondo há anos”, prossegue o músico, que iniciou o projeto em 2008.

“Naquele ano eu convidei Cássio para fazermos esse som em formato de duo. Depois evoluiu para trio, com a chegada do Hardmann na percussão, o que deu uma sonoridade muito rica. Hoje já incrementamos ainda mais com o baixo, e já fizemos algumas apresentações com essa formação”, conta.

Barroca e roqueira

Com 13 faixas originais, compostas por Júlio e Cássio, o álbum Viola de Arame é, sem dúvida, um dos melhores lançamentos da boa música baiana em 2011. Há até mesmo um quê medieval no som: “Alguns temas do disco tem uma estética renascentista e barroca”, observa Júlio.

De fato, a sonoridade rica, melodiosa e limpa do trio (e diversos convidados) é um bálsamo para os ouvidos de uma cidade violentada pela gritaria popularesca emitida dos porta-malas dos carros.

E não se trata de música antiga, para velho ou intelectual. “Nosso disco traz as influências da música que a gente gosta: do rock, do progressivo, do jazz, sempre com uma certa mistura com a tradição da viola”, diz.

Não a toa, o Viola de Arame inicia o show mandando ver uma inusitada (e linda) versão de um clássico do rock: Moby Dick, do Led Zeppelin. “Viola e blues tem tudo a ver, né”?.

Vai daí que o trio está estudando uma forma de trazer a Bahia, para um show em conjunto, o duo mineiro Viola Extrema, formado pelos músicos Ricardo Vignini e Zé Helder, que lançou há poucos meses um álbum só com standards de rock executados na viola: Moda de Rock (Tratore).

“O Vignini é meu amigo, e temos a intenção de fazer alguma coisa juntos, já que há um diálogo entre nossos trabalhos. Tínhamos até a intenção de fazer isso, um show só com clássicos do rock, mas eles se anteciparam”, admite.

Show de lançamento: CD Viola de Arame / Com Julio Caldas, Cássio Nobre e Ricardo Hardmann / Amanhã, às 19 horas / Teatro Eva Herz, na Livraria Cultura - Salvador Shopping (Av. Tancredo Neves, 2915. Tel: 3505-9050) / Entrada gratuita

Viola de Arame / Viola de Arame / Independente, viabilizado através do Fundo de Cultura (Secult - BA) / Preço não divulgado

quarta-feira, julho 20, 2011

INCRÉDULA: ENTRE A LUZ E AS TREVAS

Desde 2007 na estrada, o quinteto baiano Incrédula (em fotos de Rodrigo Alvarez) vem amealhando, desde então, um público jovem, fiel e crescente, que se identifica com seu estilo melancólico e pesado, mezzo gótico, mezzo nü-metal.

Claro que bandas queridas do público da MTV (pelo menos até há algum tempo), como Evanescence e Nightwish, logo vem a mente, mas Fernanda, cantora e fundadora do grupo junto ao guitarrista Cauê Borges, esclarece que não é bem assim: “Sempre gostei de literatura ultrarromântica, autores como Álvares de Azevedo, Lorde Byron e Augusto dos Anjos, além da música dos anos 1980”, conta.

Ela garante que o estilo que a Incrédula ia seguir já estava na sua cabeça desde 2006, quando iniciou a parceria com Cauê. “Como tenho bastante influência da estética romântica, isso acabou se refletindo nas composições”, afirma.

“No som, podamos um pouco da influência dos anos 80 em busca de algo mais contemporâneo. Tem um pouco de heavy metal aí, mas acho que temos personalidade própria, não gostamos de rotular”, demarca.

Nem tudo está perdido...

Apesar de já contar com quatro anos de estrada, a Incrédula ainda não lançou um álbum cheio, mas deve faze-lo até o fim de 2011 ou no início de 2012.

“Em 2008, lançamos um EP com 5 faixas, Lágrimas de Sangue (2008). Agora em 2011 fizemos um single, Pra Me Salvar do Mal. E, ainda esse semestre, vamos entrar em estúdio para gravar nosso primeiro disco”, promete Fernanda.

Aos que estranham o estilo um tanto sombrio da banda, cabe lembrar que Salvador, talvez como reação ao calor sufocante, é um celeiro, tanto para bandas de metal, quanto para a cena gótica, aquela rapaziada que curte um cemitério ao cair da tarde.

“As pessoas não acreditam que existe isso por aqui. O (festival) Darktronic (em novembro, no Pelourinho) foi maravilhoso. Todos os dias foram lotados e a organização foi impecável”, entusiama-se.

A despeito do tom crepuscular que caracteriza a Incrédula, Fernanda acredita “em um fio de esperança, uma luz no fim do túnel. Nosso trabalho sempre tem uma coisa de dor, mas acho que existe solução no fim. Das trevas surge a luz. Tem a morte, mas também a vida. E um dá sentido ao outro”, filosofa.

Ouça: www.myspace.com/incredulabanda

EDIÇÃO ESPECIAL RETR0NUETAS

Novos Retroagitos
Enquanto concluem as composições do sucessor de Cha Cha Cha (2009), os Retrofoguetes vão agitando outros lances. Na sexta-feira, dois membros do trio estreiam a banda Les Royales na festa Rockabilly Sessions. Além de Morotó (guitarra) e Rex (bateria), os Royales vem com Rogério Gagliano (baixo acústico) e Camilo Aggio (vocal). No som, obscuridades do rock primitivo. Na mesma night, o maluco beleza mineiro Claudão Pilha traz seu projeto O Melda a Salvador para lançar seu primeiro disco, De Chicago a Boston. Sexta-feira, Portela Café, 22 horas, R$ 15 (moças) e R$ 20 (rapazes).

O som dos espiões
Tem mais! Na festa Ultra Retro Twist, os Retrofoguetes fazem show só com temas de seriados e filmes de espionagem dos anos 1960. Dia 6, Farol do Rio Vermelho, 22 horas, R$ 20.

HISTÓRIAS DO POVO, HISTÓRIAS EM QUADRINHOS

No cinema brasileiro, há quem reclame que se bate muito na tecla periferia-favela-miséria. É o tal do favela movie.

Nas HQs nacionais, dois lançamentos namoram a tendência, mas felizmente, com resultados bem menos estereotipados: Morro da Favela, de André Diniz, e Almas Públicas, de Marcello Quintanilha.

O primeiro é uma biografia em quadrinhos do fotógrafo Maurício Hora, ilustre cria do Morro da Providência, ex-Morro da Favela, por ter sido, justamente, a primeira ocupação urbana a receber a denominação “favela”.

Já o segundo é uma coletânea de histórias curtas de Quintanilha, quadrinista brasileiro que mora na Espanha.

Felicidade no presídio

Morro da Favela surgiu da vontade de André Diniz, um dos mais ativos quadrinistas atuais, de “contar histórias de pessoas anônimas que você ouve e pensa: ‘daria um filme’”, conta.

Depois de conhecer o trabalho de Maurício Hora, primeiro fotógrafo a registrar a vida no morro sob domínio dos traficantes, André resolveu entrar em contato. “Nos encontramos algumas vezes para conversar, mas ele só teve ideia do que era quando viu a HQ pronta”, diz.

Histórias de favelados que superam preconceitos são um prato cheio para abordagens apelativas – armadilha que André evitou de forma simples: “Isso aqui é a visão do Maurício, ele é o narrador. Isso dá autoridade, e eu já sabia que ia sair sangue no depoimento dele, mas isso não quer dizer ele seja anestesiado para a violência”.

Mesmo assim, surpresas não deixaram de surgir no caminho: “Uma coisa que me puxou o tapete foi quando ele me disse que suas melhores lembranças da infância são as visitas que ele fazia ao pai no presídio, com 4 ou 5 anos, por que tava todo mundo feliz, tinha bolo, refrigerante, futebol”, conta.

“Para você ter uma ideia, ele até hoje não sabe arrumar o armário direito, por que toda hora a polícia ia lá revistar, por que o pai dele era traficante, e desarrumava tudo. Então ele nem se dava ao trabalho de arrumar o armário. No fundo, são os detalhes mais sutis que melhor contam sua história. Cena de tiroteio eu só botei o estritamente necessario”, conclui André.

Desenvolvimento natural

Sutilezas e histórias de gente do povo também dão a tônica de Almas Públicas, sensível tratado de brasilidade urbana de Marcello Quintanilha.

De forma muito natural, ele vem desenvolvendo uma forma de narrar que parece pescada de fragmentos de conversas entreouvidas nas ruas do Brasil.

“A naturalidade da escrita de muitos autores brasileiros foi, mais do que uma influência, um aprendizado”, conta. “Você tem razão quando usa a palavra ‘desenvolveu’, porque se trata de uma forma de escrever trabalhada ao longo de anos”.

Quintanilha, que é carioca, acredita que é essa naturalidade que o leva a “desvendar o interior de cada personagem”.

Em 2004, o artista esteve em Salvador para conhecer a cidade, dentro do projeto de álbuns Cidades Ilustradas, em que grandes nomes das HQs ofecerecem sua visão particular das metrópoles.

“Embora tendo como ponto de partida acontecimentos, conversas, impressões, todas
as histórias e personagens são ficção. E sim, muitas nasceram a partir de minha visita à Salvador. Essa viagem me marcou definitivamente, porque foi como um encontro
comigo mesmo, na medida em que a cidade está na gênese de nossa formação como
nação”, conclui.

Almas públicas / Marcello Quintanilha / Conrad Editora / 72 páginas / R$ 39,90 / www.conradeditora.com.br


Morro da Favela / André Diniz, com Fotos de Maurício da Hora / Editora Le Ya - Barba Negra / 128 páginas / R$ 39,90 / www.editorabarbanegra.com.br

sexta-feira, julho 15, 2011

ANNA CALVI: NASCE A PRIMEIRA DIVA "À VERA" DO ROCK DO SÉCULO 21

Anna Calvi (Lab 344) é o autointitulado disco de estreia da cantora homônima. Diga-se de passagem, uma senhora cantora, dona um de vozeirão potente. Curiosamente, porém, a primeira faixa é uma digressão instrumental: Rider to The Sea traz esta nova diva do rock palhetando preguiçosamente sua guitarra, em uma faixa fantasmagórica, climática.

A mensagem que ela deixa, contudo, parece bem clara. Esta não é mais uma cantora rebolante de videoclipe. Esta não é a cantora que você vai ouvir na boate ou em porta-malas nos postos de gasolina.

Pairando muito acima da vulgaridade reinante, esta inglesa de ascendência italiana chega ao seu primeiro álbum com uma obra arrebatadora, que deixou a crítica europeia e norte-americana de joelhos com a força de sua voz poderosa e composições densas, sombrias, grandiosas.

Apontada pela BBC como uma das “apostas de 2011” e comparada a Patti Smith por Brian Eno – que, fascinado com a moça, participa tocando teclado em duas faixas – Anna Calvi parece, na verdade, mais próxima à deusa gótica Siouxsie Sioux, pelo alcance vocal e apreço pelo imaginário flamenco.

Trovadores taciturnos

Outra influência que parece saltar aos ouvidos (com o perdão do trocadilho) é a sombra de taciturnos trovadores do rock, como Nick Cave, Leonard Cohen, a pouco lembrada (e maravilhosa) banda canadense Cowboy Junkies e o precocemente falecido Jeff Buckley.

Impossível ouvir faixas como No More Words, The Devil, Blackout e First We Kiss e não se lembrar desses artistas, tamanha a intensidade das composições, a entrega das interpretações e a habilidade para cantar a plenos pulmões sobre amor e morte, paixão e solidão – tudo sob o enfoque distorcido da estranheza, do lado escuro.

Sem medo de errar, pode-se dizer que ela cometeu um dos álbuns de estreia mais intensos dos últimos tempos – talvez o mais intenso do rock desde a estreia de Jeff Buckley com Grace, em 1994.

Talvez o espírito do próprio Buckley seja uma das chaves para se entender o dedilhado circular (com um quê de flamenco) e a voz hipnotizante de sereia que adornam épicos como as já citadas The Devil e No More Words e Desire.

Nasce uma estrela

Mas nada disso é de se espantar quando se descobre que sua estreia fonográfica, ocorrida ainda tão recentemente, em outubro do ano passado, tenha sido um single com uma apaixonada versão de Jezebel, sucesso na voz de Edith Piaf – infelizmente, não incluída no repertório do CD.

Ainda um enigma (e seria ótimo se assim permanecesse), as notícias sobre Anna Calvi são esparsas, mas já oferecem pistas sobre a origem do seu imenso talento.

Aos sussurros, oráculos cibernéticos relatam que, aos nove anos, Anna Calvi já ouvia Duke Ellington, David Bowie, The Doors, Ravel e Debussy, os quais executava nas aulas de piano e violino. Foi seu pai, um italiano obcecado por música, que a levou por este caminho.

Aos 13, enveredou pela guitarra ao descobrir Jimi Hendrix e Django Reinhardt. Aos 17, ingressou na faculdade de música. Apesar de muito tímida, queria ser cantora – e passou a se dedicar de cinco a seis horas por dia nas aulas de canto.

Em 2006, encontrou seus parceiros Mally Harpaz (harmonium, percussão) e Daniel Maiden-Wood (bateria).

Aí depois que seu CD demo caiu nas mãos de Brian Eno, foi só uma questão de tempo até ser contratada pelo selo britânico Domino.
Conclusão: nasce uma estrela.

Anna Calvi / Anna Calvi / Lab 344 (sob licença da Domino Records) / R$ 27,20 / www.annacalvi.com

VELOCIDADE EM QUADRINHOS

O binômio estrada X violência fascina criadores de cultura pop não é de hoje. Não se sabe bem quando esse namoro começou, mas há quem diga que o subgênero que alia longas viagens e violência existe desde as obras A Odisseia e A Ilíada, de Homero (por volta de 500 AC). Mas como os automóveis só começaram a ser produzidos em massa bem depois, no pós-Guerra, o gênero se estabeleceu mesmo foi no cinema, especialmente depois de filmes como O Selvagem (The Wild One, 1953), Juventude Transviada (Rebel Without a Cause, 1955) e Sem Destino (Easy Rider, 1969).

Hoje, o estilo experimenta uma certa visibilidade os quadrinhos. No Brasil, duas obras recentes o namoram com notável eficiência, ainda que com abordagens bem distintas: Mesmo Delivery (de 2009), de Rafael Grampá, e a recém-lançada A Balada de Johnny Furacão, de Sama, pseudônimo do quadrinista, ator e artista plástico mineiro Eduardo Filipe.

Inspirado em uma antiga canção de Erasmo Carlos, A História de Johnny Furacão ("Tudo pronto / não falta nada / só a vitória e o beijo da namorada"), Sama criou uma HQ que transcende o mero fetiche do road movie com ares rock 'n' roll e aborda um tema universal, o valor da amizade.

Os surpreendentes caminhos que ele toma para chegar até seu tema central, no entanto, é o que dá toda a graça da HQ. Há corridas em automóveis estilosos, vilões motoqueiros-clichê de filme americano, perseguições e tiroteio em alta velocidade, um elefante (!), sexo como punição e uma certa porção de magia e surrealismo (possivelmente, uma herança de Coração Selvagem, de David Lynch).

Veloz como o Porsche Spider que matou James Dean, a narrativa segue, de forma paralela, acompanhando diversos personagens aparentemente sem ligação, até faze-los convergir no ato final da história.

"O argumento original era uma historia de estrada, parti desta ideia. O que deixei em aberto foram os eventos que ocorriam no decorrer do livro", conta o autor em entrevista.

Paciente, ele afirma que não se irrita quando comparam sua graphic novel com a premiada Mesmo Delivery: "Não me irrita de jeito nenhum, aliás, gosto da HQ do Grampá. É provavel que quem gostou de Mesmo, possa gostar d'A Balada do Johnny. Inclusive, será otimo se isso acontecer. Mas apesar de serem ambas 'roadie comics', as sensibilidades e abordagens são bem distintas", observa.

Fã de um bom filme de estrada, como não poderia deixar de ser, ele aponta as mais diversas influências na sua obra, de Zabriskie Point (de Michelangelo Antonioni, 1970) a Christine O Carro Assassino (de John Carpenter, 1983), passando pelo "episódio da corrida alpina do Speed Racer" e contos de Ray Bradbury e até mesmo os baianos Raul Seixas, Camisa de Vênus e Retrofoguetes.

Não a toa, ele criou e postou no You Tube, com o auxílio técnico de Felipe Facini, um trailer animado com as imagens do livro, utilizando, como trilha sonora, a faixa Surf-O-Matic, um clássico do repertório dos Retrofoguetes. "Fui eu mesmo que escolhi a música dos Retrofoguetes. Escolhi pela identificação, pelo teor de aventura sugerida, pela crueza, pela textura e pelo aspecto referencial de uma época onde ainda havia misterio", elogia.



Bem relacionado, Sama tem entre os fãs do seu trabalho, o autor Selton Mello, que assina o texto da contracapa e é colecionador dos seus quadros, instalações, desenhos, pinturas e colagens.

Em 2004, Sama venceu o 15º Salão Carioca de Humor na categoria charge, com o polêmico trabalho Bradesco Bin Laden, um “ready made”, no qual adicionou dois aviões à logomarca do banco, transformando-a numa analogia ao atentado do 11 de Setembro.

Como ator, trabalhou em diversas novelas da Globo nos anos 1990, como A Próxima Vítima e A Viagem. No teatro, atuou em O Ateneu, Os 12 trabalhos de Hércules e Adoráveis Picaretas, esta de sua autoria. No cinema, protagonizou Era uma Vez, de Arturo Uranga e o média-metragem A Cartomante.

Com tantas atividades tão diversas entre si, não é de se espantar que tenha criado o pseudônimo "Sama" para abrigar sua porção quadrinista / artista visual.

"A persona do Sama me conecta mais facilmente a um mundo lúdico que habito quando crio. É uma senha que abre portas em locais estranhos que visito na minha mente. Locais que o Eduardo Filipe nem sempre gostaria de ir", revela o artista.

Diante de um criador de complexidade e talento tão evidentes, fica fácil dar um crédito e pegar a estrada com Johnny Furacão. É uma viagem por estradas de estranhezas e violência, mas também de valores humanos e um certo misticismo surrealista. Qualidades não muito fáceis de se encontrar no superficial mundo das redes sociais.

A Balada de Johnny Furacão / 146 páginas / R$ 32 / Editora Flâneur