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segunda-feira, dezembro 20, 2010

LAMPIÃO 2.0

O baiano Flávio Luiz, quadrinista extraordinaire, lança nova e anárquica HQ para delírio dos admiradores


Depois de um cachorro boxeur (Jab), uma versão feminina de Arnold Schwarzenegger (Jayne Mastodonte) e um mini herói da capoeira (Aú), o premiado quadrinista baiano Flávio Luiz traz à luz aquela que talvez seja sua criação mais bombástica: O Cabra, um divertido e (violento pra cacete) cruzamento entre Lampião e Mad Max.

Recém-lançado em São Paulo, aonde atualmente Flávio reside, esse cangaceiro futurista chega bonitão em um álbum de formato gigante, pela sua própria editora independente: a Papel A2, que ele fundou em parceria com sua esposa e produtora, Lica de Souza.

A Papel A2, por sinal, vai muito bem, obrigado, mesmo com apenas dois lançamentos: Aú O Capoeirista (2008) e O Cabra.

O primeiro vendeu mais de sete mil cópias e foi adotado como material paradidático pelo Programa Sala de Leitura e pela Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas, órgãos ligados à Secretaria de Educação do Estado de São Paulo.

Já o segundo, que acaba de decolar em seu jegue motorizado voador rumo à fama, já recebeu elogios de gente importante, como Mike Deodato (o paraibano que há uns 15 anos é um dos principais desenhistas da Marvel Comics) e Sidney Gusman (editor-chefe do Universo HQ, principal site dedicado à cobertura da área no Brasil).

Em janeiro, Flávio viaja ao Rio de Janeiro e Salvador para fazer o lançamento d’O Cabra nas duas cidades.

“Há muito tempo eu tinha um desenho de um cangaceiro com uma cara meio Judge Dredd”, conta Flávio, referindo-se ao clássico personagem das HQs britânicas.

“Eu começo minhas histórias pela criação do personagem, e, enquanto eu desenho, vou pensando como é a vida dele, sua historia... Enfim, ficou com uma pegada meio pós-apocalíptica”, descreve o artista.

Coroné Gardens

Em um futuro não-determinado, quando a Terra se tornou um deserto e o bem mais valioso é a água potável, um guerreiro silencioso, Severino, luta sozinho contra os poderosos que dominam as cidades de Sanfônia, Forroboland, Capachia e Coroné Gardens, fortalezas em estilo medieval-futurista no meio da imensidão árida.

Entre traições inomináveis, mutantes, naves inspiradas em Guerra nas Estrelas, clones e outros clichês típicos da FC, Flávio costura uma história de ritmo super-ágil, com uma arte exuberante e cores belíssimas do experiente Artur Fujita.

A “Puliça” e os “capitartistas”

Além da narrativa galopante em si, Flávio cria um pano de fundo muito interessante para ambientar seus personagens: “Uma família poderosa de coroneis governa a cidade (de Sanfônia) do alto e é dona do seu bem mais precioso: a água. Nos níveis mais baixos, vivem os militares, a puliça, comerciantes e capitartistas, estes sim, os puxa-sacos dos coroneis. Do lado de fora, milhares de seres formam um cinturão de miséria absoluta”, escreve Flávio na HQ.

Qualquer semelhança com a realidade, claro, não deve passar de mera coincidência.

A HQ é um turbilhão de referências da cultura pop. Quem diria que Maria Bonita e a Princesa Leia (de novo, de Star Wars), um dia se fundiriam em um dos personagens mais interessantes da HQ brasileira contemporânea, como a ambígua Mary Beautiful?

Ou que o Odorico Paraguaçu de Paulo Gracindo ficaria tão bem em um cenário pós-apocalíptico?

“Começa a jorrar um monte de ideia na cabeça, e, por ter uma gama de referências pop, meu processo caótico de criação misturou Sá & Guarabira com Mad Max, Blade Runner com Gabriela, Romeu & Julieta com X-Men, Blacksad (HQ europeia), Lampião, Kill Bill, Alceu Valença, Ariano etc”, enumera o autor.

FLÁVIO: PLANOS, VISÕES ETC


Um dos mais importantes e criativos cartunistas baianos, Flávio Luiz, 46 anos, é um dos poucos que se pode colocar no mesmo nível de talento de veteranos que atuam na mesma área, como Antônio Cedraz (Xaxado), Lage (infelizmente, já morto) e Cau Gomez, entre outros.

Após um longo período trabalhando para o jornal Correio da Bahia, Flávio foi, há cerca de dois anos, morar em São Paulo, aonde trabalhou para a agência de publicidade África, de Nizan Guanaes, desenvolve suas HQs e mata uns frilas.

“Saí (de Salvador) porque sempre quis me mudar pra São Paulo. Sempre me identifiquei com esse stress alucinado daqui, com o ritmo da cidade, com as pessoas, as opções culturais... E o mercado para o profissional de HQ aqui é melhor, claro. Para um nerd de carteirinha como eu, São Paulo é um paraíso”, conta Flávio, da capital paulista.

Planos para a A2

Não é que ele se sentisse pouco valorizado por aqui – como costuma acontecer com quem não reza por certas cartilhas: ”A valorização existia em Salvador – do seu jeito – mas, em São Paulo, ela quintuplicou”, ri.

Com o sucesso de Aú, que superou suas expectativas, Flávio largou o emprego e agora, ao lado de sua esposa, se dedica integralmente a produzir suas HQs, além de viabilizar a publicação de diversos trabalhos (próprios e alheios) pela sua editora própria.

“Com a necessidade de me profissionalizar mais, decidimos abrir a Papel A2 para viabilizar meus projetos de HQ. Mas isso não impede de publicar outros títulos de outros quadrinistas (temos planos para isso em 2011) baianos ou não”, diz.

“Mas por sermos ainda uma editora pequena e estarmos envolvidos em paralelo com outras atividades, temos que ir devagar. Mas sempre mantendo a qualidade gráfica que tem nos destacado no mercado”, acrescenta Flávio.

Anti-bairrismo

De imediato, o artista adianta que O Cabra periga ganhar uma continuação em breve: “Se as vendas continuarem tão boas como nesses poucos dias (desde o lançamento em SP, no dia 10 último), acho que tenho pano pra muita manga”.

“A prioridade em 2011 é o numero 2 do Aú. Sem falar no livrão com as melhores tirinhas dos 3 anos da Rota 66 (série publicada pelo Correio da Bahia). Mas estou bastante feliz com a aceitação d’O Cabra. Com tempo e verba, ele tambem terá seu nº 2 em 2011”, promete.


Feliz com suas escolhas, Flávio hoje olha para a Bahia sem mágoas, mas também sem paixões: “Sou anti-bairrismo. A Bahia tem que ser respeitada e adorada tanto quanto a Amazônia, o Rio de Janeiro ou o Piauí. Tom Zé, Pitty e tantos outros moram aqui (em SP) ou no Rio e são o que temos de melhor enquanto produto cultural genuinamente baiano”, acredita.

O Cabra / Flávio Luiz / Editora Papel A2 Texto & Arte / 56 pgs. / R$ 38 / www.flavioluizcartum.fotoblog.uol.com.br

Veja um teaser em vídeo de O Cabra:

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