Livro: Sobressalto, de Kenneth Cook, descreve com brilhantismo o ponto de ruptura em que homem civilizado vira bicho do mato
A encruzilhada entre civilização e barbárie é o ponto central de um dos maiores romances da (para os brasileiros) desconhecida literatura australiana: Sobressalto (Grua Livros), de Kenneth Cook, publicado pela primeira vez no País, com tradução de Maria Alice Stock.
Cook (1929-1987) escreveu o livro com base em sua própria experiência como jornalista em Broken Hill, uma cidadezinha a muitos quilômetros de Sidney, a cosmopolita capital econômica da Austrália, onde nasceu.
O alter ego do autor é John Grant, um jovem professor que, endividado com o governo, que bancou sua formação superior, tem de cumprir dois anos de serviços numa escolinha em Tiboonda, um vilarejo empoeirado no meio do outback, a região semidesértica australiana.
De férias, com seu cheque de pagamento no bolso e com Robyn, uma possível namorada em mente, Grant pega o trem e para, horas depois, em Bundanyabba, ou simplesmente, Yabba, um outro vilarejo miserável, de onde, só no dia seguinte, embarcará de vez para Sidney.
À noite, atraído pela algazarra, acaba entrando em um bar, no qual os rudes moradores da região jogam o two-up, uma variação do cara ou coroa, com duas moedas – só que valendo dinheiro vivo.
A jogatina – uma das melhores sequências do livro, tamanha a vibração da narrativa – é só o ponto de partida para a descida ao inferno que espera por John Grant ao longo dos próximos cinco dias.
Cerveja, sangue e cangurus
Na sua jornada, o protagonista passará a maior parte do tempo sendo “gentilmente” obrigado a se embriagar (recusar cerveja é ofensa mortal entre os homens da cidade, chamados Yabbamen), sem comida, dinheiro, abrigo e logo, sem dignidade.
No torpor em que acaba embarcando, tem de lidar com homens cruéis e acaba envolvido numa orgia de sangue com caçadores bêbados durante uma alucinada caça a cangurus, no meio da madrugada e entornando litros de uísque e cerveja: “Estar bêbado é morno e macio e não há dor e não importam realmente cangurus que são baleados e respiram horrivelmente e desaparecem na noite, ou pequenos cangurus que você corta em pedacinhos antes que eles morram”, escreve Kenneth Cook.
Para completar, o personagem é abusado sexualmente e tem de comer carne de coelho passada. Obrigado a perambular pelo outback com a bagagem (uma mala de roupas, outra de livros) e um rifle, John Grant sofre, na carne e na alma, a regressão que faz homem civilizado virar bicho do mato.
Com sua prosa ágil, enxuta, sem rodeios, o autor Kenneth Cook demonstra total domínio da narrativa e conduz o leitor, com mão firme, abismo moral abaixo com John Grant.
A sensação de desespero que toma conta do personagem é tão palpável que quase se pode tocar. Uma leitura, de fato, perturbadora e não aconselhável para a hora de dormir (salvo se o leitor não precisar acordar cedo na manhã seguinte).
Quando foi publicado pela primeira vez na Austrália, em 1961, Sobressalto (Wake in Fright, no original), causou grande polêmica devido, claro, ao retrato pouco acolhedor que Kenneth Cook pintou do outback e seus habitantes.
Sua visão do indomado interior australiano, porém, ecoa ainda hoje, por exemplo, em obras contemporâneas, como o aterrador filme Wolf Creek - Viagem ao Inferno (2005), de Greg Mclean (disponível em dvd).
Hoje em dia, porém, o livro de Kenneth Cook é orgulho literário nacional – e leitura obrigatória nas escolas australianas. Uma reviravolta e tanto.
Sobressalto / Kenneth Cook / Tradução de Maria Alice Stock / Grua Livros / 174 p. / R$ 36 / www.grualivros.com.br
Perdido por mais de 30 anos, filme foi recuperado pelo montador original
Em 1971, bem antes de Mad Max, Crocodilo Dundee e Wolf Creek, o filme baseado em Sobressalto levou a Austrália selvagem e pouco amigável do livro às telas de cinema.
Elogiado, o filme Wake in Fright, dirigido por Ted Kotcheff, chegou mesmo a ser indicado à Palma de Ouro em Cannes. Exibido no Brasil, à época, como Caminhos do Inferno, foi lançado em diversos países com o título Outback.
Após décadas no esquecimento, o filme foi recentemente, restaurado e relançado no mercado internacional. Esquecimento, mesmo: os negativos ficaram perdidos por mais de 30 anos. A única cópia conhecida estava em Dublin (Irlanda), mas em péssimo estado.
O montador original, Anthony Buckley, buscava negativos originais desde 1994, quando, em 2004, 260 latas com o material foram encontradas em um conteiner em Pittsburgh, com um aviso: “para incinerar”.
chicón e todos,
ResponderExcluirsingle novo das TECLAS PRETAS, "vaudevida”.
pra baixar:
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pra ouvir:
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ou aqui, mais prático:
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abración!
GLAUBER