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quinta-feira, novembro 29, 2007

ADEUS À VISÃO DA ÍNDIA DE LÁBIOS DE MEL

Xingu!, do artista Sérgio Macedo, é declaração de amor e grito de alerta contra extermínio de cultura nativa

O mercado de HQs para adultos está - até segunda ordem - em franca expansão no Brasil. Isso é bom também para os autores nacionais, que estão conseguindo colocar seus trabalhos nas prateleiras das livrarias em edições - senão luxuosas - bem-cuidadas e atraentes para o leitor adulto.

Nessa seara, um dos lançamentos mais interessantes em 2007 é o álbum Xingu!, do artista mineiro Sérgio Macedo. Lançado na França em 1988, só agora chega ao Brasil.

Macedo é um daqueles grandes artistas brasileiros que o Brasil não conhece, até por que vive, desde 1982, na ilha de Moorea, na Polinésia Francesa.

Dono de um perfeito registro fotográfico e cores deslumbrantes em aquarela, ele já publicou dezenas de álbuns de HQ na Europa, em oito línguas diferentes, angariando muitos fãs, admiradores e prêmios. Suas ilustrações e HQs já adornaram as capas e páginas de algumas das maiores revistas alternativas da Europa, como Actuel, Circus, Metal Hurlant, Rock & Folk e muitas outras.

Há dez anos, ganhou o conceituado Benjamin Franklin Award, nos Estados Unidos, como a melhor obra multicultural de 1997, escolhido entre 1.100 livros, pelo álbum Lakota : An Illustrated History. Em 2007, ganhou o tardio reconhecimento da comunidade quadrinística brasileira ao receber o Troféu HQMIX, na categoria Grande Mestre.

IN LOCO - O álbum em questão, Xingu!, nasceu de uma estadia de dois meses do autor com sua esposa, a coreógrafa taitiana Nita, na aldeia Kayapó Metuktire, liderada pelo lendário cacique Raoni, ou Rop-Ni, como é chamado no dialeto da tribo, em 1987.

Lançado na França logo no ano seguinte, Xingu! é o testemunho de Sérgio diante da grandeza de um povo frente às adversidades e crueldades praticadas pelo homem branco contra os povos nativos brasileiros. É um álbum que rompe com a visão romântica que se tinha até algum tempo atrás, das índias de "lábios de mel". Aqui os lábios são esticados e botocados, como os de Raoni.

Francamente impressionado, especialmente pela figura imponente e a liderança firme do famoso cacique, retratado com admiração e enorme respeito, o artista faz sua declaração de amor à cultura indígena e um grito de alerta contra o seu extermínio.

Na história em si, o leitor acompanha o aventureiro-alter ego de Macedo, o misterioso Vic Voyage, que estrela quase todos os seus álbuns, em visita ao Brasil, ir com um amigo à reserva do Xingu.

Lá ele toma conhecimento da cultura local, o modo de vida indígena e os conflitos por terra, madeira e caça que atormentam os nativos. Voyage até distribui um sopapo aqui e outro ali nos bandidos (madeireiros e caçadores), mas a estrela do álbum é mesmo a comunidade indígena, seus chefes e guerreiros.

Ao longo de todo o álbum, vemos como vivem os Kayapós, suas caças, danças, pinturas corporais, lendas e credos, magnificamente retratados na arte primorosa do autor. Por conta disso, muitos trechos de Xingu! valem por uma aula ou mesmo um documentário sobre os índios daquela região.

O ponto fraco do álbum é que o tempo não foi muito generoso com esse didatismo, tornando sua narrativa algo dura, datada. O próprio Macedo admitiu, em entrevista por telefone, que fez o álbum "para gringo ver, para instruir e denunciar aos estrangeiros o extermínio da cultura e dos povos indígenas brasileiros. Na época, eu nem imaginava que esse trabalho ia sair no Brasil algum dia", contou.

Uma outra característica de Xingu! é que suas ilustrações, provavelmente inspiradas nas muitas fotografias batidas pelo autor na aldeia Kayapó, deixam a HQ com um jeitão de álbum de fotos posadas com balões de diálogo, o que endurece ainda mais a narrativa.

Por exemplo: nas páginas 54 e 55, há um importante debate entre os líderes indígenas, que fazem discursos inflamados em defesa da sua terra - mas as ilustrações não expressam toda a raiva que falas como "Quem não sair, a gente mata, come vivo", proferida por Raoni, expressam.

Esses detalhes, contudo, não invalidam o prazer de ler e contemplar uma obra tão apaixonada e esteticamente bem resolvida quanto Xingu!. Encarando-se dessa forma, fica a impressão de que, mais do que oferecer um mero entretenimento, o que o autor queria mesmo era falar dos índios e das questões que os cercam.

AR LIVRE - Adepto da vida ao ar livre e da prática do surfe, Macedo segue uma filosofia de vida que vai na contramão do modo de vida ocidental. Morou na Europa ainda nos anos 70 e foi embora de lá por não suportar "o clima de museu e o niilismo crescente dos europeus".

"Lá tem muita cultura e estrutura, mas eles não sabem rir, o pessoal é meio deprimido", disse. "Eu moro na Polinésia, que é um arquipélago formado por 130 ilhas, e todo mundo vive bem lá, não há criminalidade. Eu vivo de short e sem camisa, ao ar livre", acrescenta.

De volta ao País depois de uma longa ausência, Macedo lamenta a crescente idiotização proporcionada pelos meios de comunicação. "O Brasil é um país lindo, mas a violência e o controle cerebral que a TV faz nas pessoas, é algo de assustador", declarou.

Sérgio não tem lido muita HQ. "Os roteiros são muito sombrios e pessimistas. Tem desenhistas brasileiros muito bons, mas que apenas copiam estilo dos super-heróis americanos e mangás japoneses. Não tenho saco. Gosto de ler coisas positivas, que proponham soluções", concluiu.

Xingu!
Sérgio Macedo
Devir
80 págs R$ 34,90
www.devir.com.br

segunda-feira, novembro 26, 2007

MICRO-RESENHAS FANFARRONAS

Mistério e conspiração na Islândia

Uma legista viciada em antidepressivos descobre os restos mortais de uma mulher neanderthal numa caverna da Islândia. O problema é que, até onde se sabe, os neanderthais jamais chegaram àquela parte do planeta. Para completar, o cadáver vestia um casaco da Benetton e tinha uma obturação em um dos molares. Está armado o cenário para uma ótima trama de mistério e investigação. Murphy, o roteirista, é veterano das HQs das Tartarugas Ninja e oferece uma narrativa segura e constante, que casam bem com os desenhos corretos de Mike Hawthorne. Boa opção para que sente falta do clima de mistério e conspiração na linha Arquivo X.

Umbra
Stephen Murphy / Mike Hawthorne
Devir
136p. R$ 25
www.devir.com.br


Maduro e talentoso, ainda que eclético

Mauricio Baia é velho conhecido do circuito alternativo desde os anos 90, quando era o líder da banda Baia & Os Rockboys. Depois que o guitarrista Tonho Gebara faleceu em 2004, os Rockboys se dissolveram e Baia partiu para o vôo solo, da qual este Habeas Corpus é o primeiro CD. Letrista articulado e muito influenciado por Raul Seixas e Zé Ramalho, este baiano radicado no Rio aborda com lirismo e bom humor o caos do trânsito (Autoramas Urbanos), a vida dura (Maria da Penha) etc. CD de um artista maduro e muito bem produzido, que só peca no ecletismo excessivo, como se tivesse de mostrar que transita bem por "todos os ritmos".

Habeas Corpus
Maurício Baia
Independente
R$ 12
http://www.mauriciobaia.com.br/


Pop eletrônico de difícil classificação

O grupo americano Hot Chip se apresentou no último TIM Festival, fato que motivou o lançamento deste seu 2º CD no Brasil, The Warning. Seu som é como uma espécie de releitura - ou mesmo atualização - do synth pop do Prince inicial (fase Dirty Mind, circa 1980) e de Giorgio Moroder, o rei da disco music. New Order também parece ser uma grande influência aqui. Apesar das referências fáceis, The Warning não é um CD de digestão imediata. Há uma certa estranheza indefinível, intrigante, percorrendo faixas como Careful, Tchaparian e Colours - o que é ótimo, em tempos onde tudo já vem tão mastigadinho. Mas Over and Over e And I Was a Boy From School, não têm mistério: é pista na certa. E Look After Me dá até para dançar juntinho. Mesmo! No saldo final, um dos lançamentos mais interessantes do ano, hypes deslumbrados à parte.

The Warning
Hot Chip
EMI
R$ 28,90
http://www.hotchip.co.uk/


A formação de um detetive paspalho

O Incal, série de HQs do chileno Alejandro Jodorowsky e do francês Moebius fez grande sucesso entre os admiradores do estilo Heavy Metal (a revista, não o estilo musical) de quadrinhos: ficção científica com muita psicodelia, crítica social, ação e violência. Alguns anos após encerrar a série, Jodorowsky voltou ao Incal através do seu personagem principal, o detetive particular John Difool. Em Antes do Incal, álbum de excelente qualidade gráfica da editora Devir, acompanhamos duas aventuras de Difool na infância e juventude. Moebius não desenha mais, mas o iugoslavo Zoran Janjetov, claramente um discípulo, dá conta do recado direitinho.

Antes do Incal
Alejandro Jodorowsky & Zoran Janjetov
Devir
96 págs R$ 42
www.devir.com.br


Vampiros, história e muita aventura

A insônia do vampiro, do escritor carioca Ivan Jaf, é um achado para fisgar os leitores adolescentes para o mundo das letras. Além de ser uma aventura com elementos do terror clássico, conjuga vários dados históricos do Brasil e da Europa para construir sua narrativa. O personagem principal, um vampiro português do século 18, rememora sua longa vida no divã do psicanalista devido à sua insônia, que não o deixa dormir (durante o dia, claro). Na psicanálise, além de narrar suas aventuras através dos séculos, instrui o leitor sobre o terremoto de Lisboa (1755), o Iluminismo e os tempos do império, por exemplo. Ótimas ilustrações do experiente Marcelo Campos (Marvel DC etc). Educação e diversão em um pacote só.

A insônia do vampiro
Ivan Jaf , com ilustrações de Marcelo Campos
Editora Ática
144 p. R$ 21,90
www.atica.com.br

quinta-feira, novembro 22, 2007

"FESTA ESTRANHA COM GENTE ESQUISITA"

2ª Convenção de Tatuagem da Bahia traz Matanza, uma porrada de bandas locais e freak show


Com o perdão do clichê renatorrussiano, está aí uma boa definição - preconceitos bobos à parte - para o que vai ser a 2ª Convenção de Tatuagem da Bahia, que começa a partir de amanhã e vai até domingo no Ginásio de Esportes de Lauro de Freitas.

Em sua segunda edição, o evento trará shows de rock, stands de tatuadores de várias partes do Brasil, campeonato de skate, exposições de carros antigos e motos, além de apresentações de suspensão e Freak Show da performer La Chica Ganchos, de Goiânia (no sábado).

Para quem não conhece a modalidade, "suspensão" consiste em ficar pendurado por ganchos presos no teto que são introduzidos na carne do adepto, mais ou menos como uma peça no açougue. Como é de se imaginar, não é uma cena para qualquer estômago. Se o espectador for fã da série de filmes de terror Hellraiser - Renascido do Inferno, ajuda.

Na parte musical, o destaque é a banda carioca Matanza, que segue divulgando seu último CD, A Arte do Insulto (2006). O grupo do carismático vocalista Jimmy London aproveita a estadia e lança por aqui seu primeiro gibi, Matanza Comix, com HQs do guitarrista Donida, também autor de todas as capas dos CDs da banda. No repertório do show, só sucessos do underground, como Clube dos Canalhas, Maldito Hippie Sujo, Pé na Porta Soco na Cara e Ela Roubou Meu Caminhão, entre outros.

Rock local - Com três dias de shows e um bom elenco, a Convenção ficou foi com cara de um belo festival de rock, com muitas bandas locais - o que é ótimo, e espera-se, aconteça todos os anos. Na sexta, a bombada Cascadura vai mostrar - mais uma vez - por que é o maior nome do rock baiano - e um dos maiores do Brasil - nos dias de hoje. Atenção também para Demoiselle, com sua ótima vocalista Ivana Vivas e as feras Toni Oliveira e Ricardo The Flash Alves nas guitarras.

No sábado, além da Matanza, as bandas Retrofoguetes, Os Mizeravão, Lou e Theatro de Seraphin, mais os goianos da Yglo, se apresentam em uma noite de estilos bem diversos entre si. Haverá desde o country core da banda carioca à surf music dos Retros, passando pelo pós-punk refinado da Theatro, os covers escrachados dos Mizeravão e o hard rock de Goiânia.

No domingo, o estilo é mais definido: rock pesado, sem refresco pro ouvido de ninguém. O heavy metal comanda a cena com a clássica banda baiana de metal extremo Headhunter DC como atração principal.

Outras atrações são a conceituada Cobalto e os goianos (de novo!) Necropsy Room, além da adorada Sangria e seu rock pesadíssimo e muito pessoal, as covers de hard rock da experiente King Kobra e - a ainda pouco conhecida - Hell Label.

A Cobalto vem sendo apontada como uma das melhores bandas de heavy metal moderno do país, inclusive com apresentações na Europa, elogiadas pela imprensa especializada. Já a Headhunter conta com mais de 20 anos de atividades, sendo uma referência do estilo.

2ª Convenção de Tatuagem da Bahia Sexta, sábado e domingo A partir das 16 h (sexta) e 12 h (sábado e domingo) Ginásio de Esportes de Lauro de Freitas R$ 10 Informações e programação: www.convencaotattooba.com

quinta-feira, novembro 15, 2007

PUNK: UMA IDEOLOGIA

Os recentes atos de violência gratuita em São Paulo, atribuídos a punks, difamam movimento pacifista


Nos últimos meses, alguns episódios de violência gratuita ocorridos em São Paulo reacenderam na mídia um certo sensacionalismo contra o movimento punk. No dia 20 de outubro, um grupo de 20 auto-denominados "punks" espancou um jovem de 17 anos na saída de um show no Hangar 110, o templo do estilo na capital paulista. Uma semana antes, uma fatia de pizza custou a vida do atendente de um quiosque no Centro, morto a facadas. No total, só esse ano, já são seis mortes registradas em brigas e agressões envolvendo pessoas identificadas como "punks" em São Paulo.


Tudo isso é um prato cheio para que o sensacionalismo barato da grande mídia reduza um movimento sério, filosoficamente embasado e - por incrível que pareça - francamente pacifista como o punk à uma gangue de monstrinhos urbanos, prontos para agredir e matar a qualquer momento.Em reação à esta movimentação de demonização do punk, o Movimento Anarco-Punk de São Paulo divulgou no fim de outubro, uma carta aberta, onde se posiciona frente aos últimos acontecimentos. Leia aqui o conteúdo desta carta.


O fato é que, qualquer pessoa minimamente mais informada que tenha paciência para pesquisar - mesmo superficialmente - a base do movimento e do pensamento punk vai perceber que violência gratuita não faz parte do ideário de não-conformismo e autogestão que são suas marcas mais fortes. O punk é, por definição, um proletário e um rebelde contra as convenções impostas pela sociedade, seja ela capitalista ou socialista-totalitarista, tanto quanto foram os jovens da geração perdida dos anos 20, os beatniks dos anos 50 ou os hippies dos anos 60 e 70.


A diferença é que o punk é um movimento conceitualmente violento, que prega uma ruptura radical com sociedade em favor de um estilo de vida próprio, auto-gerido, que tem no lema "do it yourself" (faça você mesmo) e nas idéias anarquistas de autores como Mikhail Bakunin e Pierre-Joseph Proudhon, entre outros, sua base teórica.


Agora, como qualquer movimento não-conformista, o punk também foi cooptado pela indústria cultural, que o distorceu, diluiu, suavizou, empacotou e colocou na prateleira para vender, como mais um produto. E também como qualquer movimento, o punk caiu no imaginário popular como um estereótipo: o cara de cabelo moicano, roupas rasgadas e alfinetes, que se monta para desfilar pela ruas da cidade. Estereótipo muito bem caricaturado pelo cartunista Angeli, com seu personagem Bob Cuspe.


A partir do momento em que a indústria cultural se apropria dos signos e símbolos do punk e os colocam na prateleira, qualquer alienado pode se apropriar dessa estética para expressar seu vazio espiritual - o que inclui os recentes atos de violência gratuita.


O ativista americano Craig O'Hara, em seu ótimo livro A Filosofia do punk: Mais do que barulho (Radical Livros, R$ 34), foi direto na mosca desta questão: "É verdade que o desemprego e condições sociais escassas provocam sensações irritantes de alienação e frustração. Também é verdade que essas sensações podem ser expressas de várias maneiras. O crime tem sido a resposta mais popular de tempos recentes".


É interessante notar que na sua fala, O'Hara se refere à Inglaterra dos anos 70, e não à São Paulo da primeira década do século 21. Ainda assim, isso não justifica os assassinatos e agressões cometidos por jovens desorientados e mal-informados quanto ao movimento que eles próprios dizem pertencer.


"Esses caras não são punks. O sujeito veste uma roupa rasgada, sai batendo em gente na rua e se diz punk. Assim é fácil, né?", questiona o artista plástico e músico Miguel Cordeiro. Testemunha ocular do movimento aqui em Salvador e em Nova Iorque, onde passou temporada no efervescente biênio 1982/83, Miguel era chapa de Marcelo Nova desde os anos 70, tendo acompanhado o início e o estouro do Camisa de Vênus, originalmente, uma banda punk.


"A violência que se atribui ao punk é na verdade, muito mais conceitual, de quebra de comportamentos do que violência física, literal. Mas a gente vive num país com muita falta de informação. Nem todo mundo é esclarecido o bastante para compreender a proposta libertária do punk. É muito mais fácil vestir uma roupa rasgada e posar de punk do que realmente se comprometer com as idéias do movimento", resume Miguel.


Até porque, desde o seu momento de definição e subsequente estouro, na Londres de 1976, o punk morreu, ressuscitou - em 1981, com o movimento Punk's Not Dead, título de um álbum histórico da banda escocesa Exploited - e se fragmentou em inúmeras vertentes e variações.


"De 76 para cá, já houve todo tipo de distorção e variação. Na Europa, os punks são quase hippies, vivem em squats (casas abadonadas que são ocupadas e transformadas em centros culturais), protestam contra o capitalismo, a guerra do Iraque, a crueldade contra os animais, o McDonald's. Você vê aquela dança violenta nos shows, mas ninguém se machuca, e depois tá todo mundo se abraçando", conta Marcos Rodrigues, arquiteto e baixista que milita no rock baiano desde os anos 80 e atualmente, toca na Theatro de Seraphin.


Essa dança violenta a qual Marcos se refere, chamada "pogo", também é abordada por Miguel, que a compara com uma conhecida dança folclórica baiana: "Você já viu o maculelê, certo? É uma coreografia agressiva, que é melhor não chegar perto, para não tomar uma paulada. É a mesma coisa com os punks. O pogo é como uma coreografia", afirma.


“Punk é uma forma de luta“


Os episódios de violência em São Paulo servem apenas para cobrir com uma cortina de fumaça o maior legado do punk, que é o seu avançado ideal de liberdade individual e auto-gestão. Acima de tudo, o que o punk propõe é todo um modo de pensar que implica em um rompimento radical com o status quo.


Bandas de rock, jovens de moicano, tudo isso é apenas uma faceta - a mais visível e emblemática - de uma idéia que é um movimento e um estilo de vida, ao mesmo tempo. Fragmentado, o movimento punk tem diversas vertentes, como os vegans, os straight edges, os queer punks, os crust punks, os gutter punks, os nerd punks, as riot grrrls, os quincy punks e mesmo os populares e odiados / amados emos."


Ao meu ver, os punks são atores sociais que expressam seus sentimentos em relação ao mundo e à forma como vivem", define Willyams Martins, artista plástico e vocalista da banda de punk rock Dever de Classe, com 20 anos de fundada.


"Infelizmente, não há uma hegemonia em relação ao pacifismo típico do punk. Muita gente se infiltra no movimento de forma inconsequente, sem compromisso com seus ideais libertários, apenas para extravasar. Mas o punk é uma forma de luta, uma forma de interpretar o mundo em que vivemos e de exigir uma reparação da nossa contemporaneidade", afirma.


Lili, como é conhecido, aponta os signos da indumentária punk como sinais de protesto e não de moda meramente estética. "O moicano era um protesto contra o extermínio dos índios tomahawk (tribo nativa norte-americana). As roupas pretas indicam preocupação com o mundo, que não é tão colorido quanto imaginavam os hippies. E por aí vai", explica.


"Já o anarquismo que o movimento prega tem um significado diferente daquele que está no Dicionário Aurélio, no sentido da baderna. O anarquismo punk persegue os ideais de autogestão e desobediência civil caros à intelectuais como Enrico Malatesta, Bakunin e Proudhon. Um mundo sem pátria, sem religião, sem propriedade e sem patrão: um mundo auto-gestionário", conclui.


PUNK ROCK - No sentido musical, a coisa é ainda mais ampla, pois na verdade, o punk rock, no seu sentido mais puro, já existia muito antes do estouro da denominação punk na Londres de 1976.


Salvo engano, pode-se dizer que o marco zero da estética punk no rock é o álbum Velvet Underground and Nico, de 1967. Com seu som totalmente na contramão da psicodelia colorida da época, o grupo liderado por Lou Reed causou estranhamento e hojeriza na época do seu lançamento.


Contudo, os poucos gatos pingados que não se identificavam com a estética hippie ouviram o disco e montaram suas próprias bandas, gerando anos depois, a cena do clube CBGB‘s de Nova Iorque, fartamente documentada no livro Mate-me por favor, de Legs McNeil e Gillian McCain.


Paralelo à isso, ainda na primeira metade da década de 70, grupos como o MC-5 e os Stooges, ambos de Detroit, radicalizaram no som distorcido e na atitude contestadora. O primeiro, se aliando aos ativistas radicais dos Panteras Negras e pichando "fuck you" nas janelas da gravadora. Já o segundo, além de escancarar todo o tédio e a descrença no futuro adotados depois pela geração "no future" inglesa, ainda revelou o fantástico frontman Iggy Pop, modelo básico do vocalista de punk rock: seco como um vara-pau, totalmente alucinado e potencialmente perigoso - especialmente para si mesmo.


Os anos 80 trouxeram o hardcore, que se espalhou pelo mundo, e o estilo gótico de bandas como Bauhaus e Sisters of Mercy.


Em 1991, o Nirvana estourou na América, abrindo as portas das gravadoras majors para todo o rock alternativo americano, que até então, vivia relegado aos porões.

segunda-feira, novembro 12, 2007

NOTAS URGENTES E MICRO-RESENHAS

BOOM BAHIA'S BACK!

Como Brama já adiantou nos comments do post passado, nosso sacerdote do rock Messias GB ressuscitou o Boom Bahia Festival, que acontecerá na Praça Thereza Batista do Pelourinho, nos próximos dias 8 e 9 de dezembro. Nomes confirmados: Wander Wildner (parece que é com banda!), Valv (MG) e Vamoz! (PE). Outros nomes devem surgir até lá. Messias disse que ainda conversa com as bandas locais, para fechar a grade. O festival ocorrerá concomitantemente (foi mal) à primeira edição mensal da Feira Hype, que ele está querendo fazer a partir desse mês. Haverá DJs (nosso bom e velho Rogério Big Brother já está confirmado e virá matar as saudades da galera), stands etc. Bravo, Messiah! Vamos acompanhando para incluir mais novidades aí.

LOBÃO E CASCA

Histórica a reunião no palco da Concha de Lobão e Fábio Cascadura. Fábio chamou a atenção da platéia para "o momento muito espcial que a cultura baiana está vivendo", e anunciou o Boom Bahia para o povo. Depois cantaram juntos Maluco Beleza de Raulzito. Legal, mas podiam ter escolhido uma menos óbvia. Mas foi um grande show, tanto do Casca quanto de Lobão, com destaque para o instrumentista Eduardo Bologna, que debulhou todos os instrumentos de corda possíveis. Mais sobre Bologna na resenha de Tchello Palma, logo abaixo.

Folk rock brazuca inspirado

Uma gratíssima surpresa, este CD do cantor paulista Tchelo Palma. Oriundo dos musicais de Oswaldo Montenegro (mas relevem, o cara não tem nada a ver com as ondas do bardo carioca), Tchelo demonstra em seu terceiro (!) CD ser um compositor inspirado e muito sensível, de sonoridade francamente influenciada por gigantes do folk rock como Neil Young, Bob Dylan, Nick Drake, Leonard Cohen e Wilco. Não à toa, quatro das 13 faixas do CD são covers e / ou releituras: Essa Canção (This Song, de Badly Drawn Boy), Don‘t Think Twice, It‘s Alright (Dylan), Day is Done (Drake) e Hey, That‘s No Way To Say Goodbye (Cohen). Apesar da temeridade que é regravar Dylan e Cohen, o rapaz se saiu bem, em interpretações corretas e muito dignas. Mas o filé de Tchelo são suas pungentes e melancólicas composições próprias, como a desesperada Qualquer Nota ("eu não reguei as plantas / eu bebo mesmo é gargalo / não conta pra ninguém / mas o que eu gosto mesmo é rock 'n' roll"), a doce Nossa Última Canção e a roqueira Como Se Não Fosse. Vocalista versátil, Palma tanto impressiona com um vozeirão rouco à Joe Cocker, quanto canta baixinho à Nick Drake. Para mim, uma das melhores coisas que ouvi esse ano. Destaque para a produção exata de Eduardo Bologna, o mesmo do Acústico MTV de Lobão.

Tchelo Palma
Tchelo Palma
Karranka Sonora / Lua Discos
R$ 22,50
www.myspace.com/tcpalma


Ninguém pediu, mas eles voltaram

O Genesis é uma das bandas responsáveis pela má-fama que o rock progressivo ganhou nos anos 70. Seus álbuns quase sempre contavam uma história em faixas longas, digressivas e viajantes. Tudo mudou, porém, quando o vocalista Peter Gabriel saiu da banda e o baterista Phil Collins foi içado à beira do palco. Em pouco tempo, o grupo deixou de ser fetiche de estudantes de teatro cabeça e caiu no gosto do grande público com canções pop ligeiras, banais e não raro, ruins mesmo. Essa coletânea dupla festeja o retorno do grupo aos palcos com repertório quase todo da fase Collins. Ou seja: é um disco para fãs do baixinho careca. Se não é seu caso, fuja.

Turn It On Again - The Hits
Genesis
EMI
R$ 39,90
http://www.genesis-music.com/

sábado, novembro 03, 2007

MICRO-RESENHAS PARA QUEM PRECISA DE MICRO-RESENHAS

Bruce, ainda descaralhante de bom

Magic, o novo de Bruce Springsteen é descaralhante de bom. Confirma as criticas que alçam o disco a categoria de obra-prima. Acho que poucas pessoas, fora os fãs do cara, esperavam um petardo tão violento dele a esta altura do campeonato. é um disco para quem gosta de rock'n'roll, na linhagem de phil spector. uma parede de som maciça e compacta sustenta melodias epicas belissimas, cantadas a plenos pulmões de forma derramada, impulsionada por uma sessão ritmica dos infernos (com a E-Street Band botando pra fuder), só que envolto num tom algo desesperançado. Bruce (the boss) Springsteen retoma o som bombastico de "born to run", e o rock'n'roll exarcerbado do "the river" sem o populismo rocker do"born in the usa". o (ex)otimista ficou sobrio e sombrio, coisas da América de bush. o disco é excelente do começo ao fim , mas atinge picos com a ácida "you'll be coming down", com o delirio sonoro de "gypsy biker", com a byrdsiana e cabeçona "your worst own enemy", e com as contaões crueis de " girls in their summer clothes". Melhor coisa que escutei até agora este ano. Fuckin' rock'n'roll jukebox. (Micro-resenha por Osvaldo Bramz).

Magic
Bruce Springsteen
Sony
Us$9.99 (na Amazon)
www.brucespringsteen.net

Escocesa passa no teste do 2º disco

Depois do sucesso do disco de estréia, Eye to The Telescope (2005), a cantora folk pop escocesa KT Tunstall passou com dignidade pelo duro teste do segundo álbum. Drastic Fantastic não é brilhante, mas deverá manter fiéis seus fãs de primeira hora, além de lhe garantir novos. A faixa de abertura, Little Favours, é uma pérola pop de levada envolvente, intrumental vigoroso, melodia vocal marcante e refrão pegajoso (no melhor sentido do termo). Apesar de ser a melhor faixa do CD, isso não quer dizer que agora é só tirar o disquinho do aparelho e pronto. If Only, Hold On, Funnyman e I Don‘t Want You Now acrescentam qualidade ao conjunto final, fazendo um disquinho bem agradável de ouvir. A arte de capa e o encarte são um show à parte.



Drastic Fantastic
KT Tunstall
EMI
R$ 31,90
www.kttunstall.com

A obra oculta de Mrs. Shelley

A escritora inglesa Mary Shelley (1797-1851) ganhou fama imorredoura e reservou um lugar para si na cultura universal quando escreveu Frankenstein, ou o Prometeu moderno (título original), obra-prima do terror que refletia sobre a fragilidade do espírito humano e a busca pelo outro em um contexto assustador que misturava romance, horror e sci-fi. E é na mesma seara da ficção científica que a Editora Landmark lança em edição bilíngüe, outra obra da autora até hoje inédita no Brasil: O último homem. Considerada ainda mais rica e complexa do que o velho Frank, nesta obra, Shelley tratou da extinção da humanidade após uma pandemia. Parece atual?


O último homem
Mary Shelley
Ed. Landmark
496 p. R$ 51,50
www.editoralandmark.com.br

Chiclete remasterizado

Em um Brasil cada vez mais careta, violento e fútil, essa coleção em 16 números da revolucionária revista Chiclete com Banana (1985-1995), vem mais do que a calhar. Oásis de inteligência, anarquia e idéias, a revista do cartunista Angeli não apenas revelou uma fantástica geração de humoristas e artistas gráficos (Laerte, Glauco, Luiz Gê, entre outros), como gerou revistas filhotes: as igualmente saudosas Circo, Geraldão e Piratas do Tietê. A acidez das críticas disparadas para todos os lados era tanta, que praticamente escorria da revista. Cumprindo o papel de resgatar essas páginas indispensáveis do história dos quadrinhos, do humor e do jornalismo brasileiro, a Editora Devir convocou o publisher original Toninho Mendes e incumbiu o Pequeno Lobatinho (um de seus personagens na revista) de selecionar, entre as 2.300 mil páginas produzidas, 800 com o que de melhor foi publicado ao longo dos vinte e poucos números da revista. Serão 16 volumes de Chiclete com Banana - Antologia Para Colecionadores, todos os meses nas bancas. Os números 1 e 2 já saíram, apresentando em suas capas o emblemático Bob Cuspe e a assanhada Mara Tara, respectivamente. No nº 1, os destaques são o próprio punk da periferia (Bob), Los 3 Amigos (e seu encontro com o temido León de Tchácara), Penas (HQ antológica de Laerte), Rê Bordosa e o próprio Angeli em Crise. Já no nº 2, atenção para o atualíssimo dossiê sobre o movimento New Imbeciw, Doy Jorge (de Glauco), o guru Ralah Rikota ("Os homens levantem os braços e as mulheres, as saias") e seu clássico encontro com Mr. Natural (personagem similar de Robert Crumb). Básico, indispensável.

Chiclete com Banana Antologia
Angeli, vários
Sampa / Devir
48 págs. R$ 5,90
http://www.devir.com.br/




Pop banal + Cique de Soleil = Pink

No DVD Live From Wembley Arena, a cantora Pink oferece aos seus fãs não apenas um show filmado no famoso estádio inglês de Wembley com seus maiores sucessos, mas uma megaprodução, com direito a muitas coreografias com bailarinos incansáveis, diversas trocas de figurino, cenários majestosos e até mesmo acrobacias circenses da moçoila - em ótima forma física, diga-se - em tecido. Nada contra, mas toda essa perfumaria parece mais um artifício para desviar a atenção das composições banais que formam a sua obra. Enfim: um show de música que mais parece uma sessão do bregão e insuportável Cirque de Soleil. Socorro!


Live From Wembley Arena
P!nk
Zomba / Sony
R$ 44,90
http://www.pinkspage.com/

Anos 80 e a arte do culto ao nada

A onda de nostalgia barata que ocasionou o enorme sucesso das festas Ploc 80's suscita a seguinte pergunta: o que já era ruim vinte, 25 anos atrás, de repente ficou bom? A mera passagem do tempo deu uma nova perspectiva para barbaridades do nível de Mama Maria (Grafitte), Chorando Se Foi (Kaoma), Tindolelê (Cid Guerreiro) ou Reluz (Marcos Sabino)? A resposta é não - para certas coisas simplesmente não há salvação, por pior ainda que o cenário nacional tenha ficado desde então. O fato é que as pessoas estão tão desesperadas por qualquer emoção barata que acabam caindo na nostalgia do culto ao nada. O retrato (cultural) de uma nação.



Festa Ploc 80‘s 2
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