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sexta-feira, outubro 26, 2007

115 ANOS BEM ANIMADOS

A Quinzena Animada, que começa hoje na Sala Walter, comemora o Dia Internacional do Animador com mostras inéditas

O cinema de animação quem diria, é mais antigo ainda do que o convencional. Esse dado, ignorado pela maioria das pessoas - fãs de animação ou não -, apenas reforça a importância da data de hoje: exatos 115 anos atrás, o cientista diletante francês Emile Reynaud exibiu no Musée Grevin em Paris, no seu chamado Teatro Ótico, uma seqüência de imagens desenhadas em movimento, chamada Le Clown et Les Chiens (O Palhaço e Os Cães). Ele conseguiu isso através de uma máquina criada por ele mesmo, denominada Praxinoscópio, que vinha a ser uma versão melhorada do Zoótropo, aparato inventado pelo inglês William George Horner anos antes. O famoso cinematógrafo dos Irmãos Lumiére, marco zero do cinema, só viria mais de três anos depois, em dezembro de 1895.

Foi daí que o dia 28 de outubro foi instituído pela Associação Internacional do Filme de Animação (ASIFA) como o Dia Internacional da Animação. É para comemorar a data que a Associação Brasileira de Cinema de Animação (ABCA) organizou o evento Quinzena Animada, que ocorrerá de hoje até 10 de novembro, com curadoria de Chico Liberato e Arnaldo Galvão. Liberato, para quem não está ligando nome à pessoa, é o realizador do único longa-metragem baiano de animação, o mitológico Boi Aruá (1983).

Serão 15 dias de intensa atividade, entre mostras, oficinas e encontros. O ponto de partida é a mostra Os Melhores do Mundo. Através da ASIFA, mais de 50 países terão programação semelhante. Só no Brasil, a mostra será realizada em 50 cidades simultaneamente, as 19 horas. Na sessão de hoje, diversos curtas experimentais nacionais e estrangeiros, como Vida Maria (de Márcio Ramos, Fortaleza, 2006), Mobsquad (de Fons Schiedon, SP, 2006) e Cidade-Fantasma (de Lisandro Santos, RS, 1999), entre vários outros.

Imperdível também é a Mostra McLaren Remasterizada, que exibirá dez obras de Norman McLaren, animador canadense que é um dos criadores do National Film Board of Canada, provavelmente, a maior produtora de animações não-comerciais do mundo.

McLaren é considerado o autor da mais diversificada e reconhecida obra autoral individual do cinema de animação do século XX.

Entre os animadores que ministrarão oficinas na Quinzena, o destaque fica com o carioca-canadense Daniel Schorr, profissional de larga experiência no National Film Board of Canada.

Schorr nasceu e se formou em Comunicação Social ainda no Rio de Janeiro, mas logo mudou-se para Montreal, onde reside e trabalha há 16 anos. Já ganhou prêmios no Festival de Havana, Anima Mundi (SP) e Cine Ceará e Festival de Recife, entre outros. A Oficina Canadá, com ênfase nas técnicas de recorte, textura e transparência sobre luz tem inscrições gratuitas para até 40 pessoas e acontecerá entre os dias 29 e 1º.

Outro curso interessante é a Oficina Bacana de Clementino, onde os participantes farão filmes na técnica de pixilation, onde pessoas são animadas ao vivo. Os resultados desta oficina ministrada por Rafael Ferreira, animador carioca radicado em Fortaleza, serão transformados em drops de 10 segundos, que serão exibidos na TVE.

Quinzena Animada
Abertura sábado 28 de outubro, 19h
Sala Walter da Silveira
Rua General Labatut, 27, Barris
Entrada gratuita
Confira a programação completa e as oficinas no site www.quinzenanimada.com.br

segunda-feira, outubro 22, 2007

O ALIENÍGENA QUE CAIU NA TERRA - E NO ROCK 'N' ROLL

Álbum de HQ em formato de disco de vinil é louca viagem entre a ficção científica e a história do estilo rockeiro

A banda de rock Cascadura tem uma música (espetacular) chamada Batismo que diz o seguinte: "Esse é um ciclo que se faz / desde o rhythm ‘n’ blues / quando um rockeiro se vai / logo vem outro / pra acender as luzes". Nessa faixa do CD Entre! (1997), o vocalista Fábio Cascadura chama a atenção do ouvinte para duas coisas: uma é a transitoriedade da vida. Um dia todos estarão debaixo da terra, enquanto aqui em cima, a vida continua. A segunda coisa é mais simples: o rock ‘n‘ roll nunca morre.

Em Red Rocket 7 - A Saga do Rock, belíssimo álbum em quadrinhos do artista americano Mike Allred, os dois temas são revisitados de forma magistral através da história de um grupo de alienígenas que chega à Terra em 1953, em pleno alvorecer da era do rock ‘n‘ roll.

Esse grupo de E.T.s é na verdade formado por seis clones criados a partir de um nativo do planeta Celeston. Acontece que Celeston foi invadido por uma raça beligerante, e os governantes do planeta, para poupar a população, organizaram um grande êxodo global. Apenas um homem e um robô ficaram, para observar o ataque a uma distância segura. Depois de várias roubadas e reviravoltas, o homem cai ferido. O robô, seguindo sua programação de manter o mestre humano vivo de qualquer forma, coletou amostras de DNA do homem, e com elas, trouxe seis clones dele à vida.

Cada clone, além de compartilhar as memórias do "original", têm características ampliadas especiais. Por exemplo: o Dois tem força física e instintos guerreiros. O Três tem uma poderosa mente científica, e o Sete, o do título do álbum, um interesse incomum por sons e música.

Encontrados pelo índio americano Crazy Dog, os clones ganharam o nome de Red Rocket (Foguete Vermelho), que foi o que de mais próximo da língua terrestre o nome real do alienígena original se aproximava.

Soltos na Terra, os clones começaram a se espalhar pelo mundo, e Sete foi o que melhor se deu. De início conheceu Little Richard no fundo de um caminhão de melancias. "Hoje conheci uns sujeitos simpáticos e, em especial, um que partilha meu interesse por som. Ele me mostrou um estilo musical de alta energia. Tem uma batida contagiante. É econômico na forma e complexo em emoção", escreveu Sete, em uma carta para Crazy Dog.

Mais adiante, trabalhando como servente no Sun Studios, berço do rock em Memphis, Sete conhece Elvis Presley antes da fama, e anota: "Todo mundo que escuta sua voz, seu estilo, sabe que há algo de especial e inovador. Eles não sabem muito bem como chamar o que ele faz. Ritmo da roça, blues de branco, música selvagem. Dizem que as raízes sempre existiram, mas agora há uma energia irresistível no ar, modificando-as por toda parte, ao mesmo tempo. Um disc-jockey chamado Alan Freed está chamando isso de rock ‘n‘ roll. Eu gosto. É adequado".

E assim, Sete vai se infiltrando no metiê rockeiro, sempre onde a ação está rolando. No início dos anos 60, zarpa para a Europa, onde conhece os Beatles e os Rolling Stones. Foi amigo de David Bowie e testemunha da ascenção e queda da geração Woodstock, da explosão punk, da new wave, do grunge e do rock alternativo que se seguiu depois. Tudo isso entre fugas e lutas alucinadas contra os monstros alienígenas que vieram captura-lo e aos seus irmãos clones.

Red Rocket 7 é o ponto alto da carreira de Mike Allred, quadrinista com forte influência da art pop de Roy Liechtenstein e de mestres da HQ como Jack Kirby e Will Eisner. Seus traços grossos e precisos são um show a parte, retratando uma infinidade de astros do rock com perfeição e clareza. As cores chapadas aplicadas por sua esposa, Laura Allred, completam o show. Bis!

Red Rocket 7 - A Saga do Rock
De Mike Allred
Dark Horse / Devir
216 págs R$ 60

quinta-feira, outubro 18, 2007

MICRO-RESENHAS MIS

Guia mensal dos aficionados em HQ


A revista Wizmania é a similar nacional da Wizard Magazine, o mais tradicional veículo sobre o mercado de HQs dos EUA. Com bem menos páginas - e menos bestinha - que a original, a Wizmania sempre traz matérias sobre as principais sagas dos quadrinhos de super-heróis, entrevistas com escritores e desenhistas, notícias etc. Neste mês, destaque para a entrevista com Grant Morrison e Paul Dini, que estão revitalizando o Batman, depois de anos nas mãos de escritores ruins. Há ainda uma divertida matéria sobre os quebra-paus entre Capitão América e Homem de Ferro através dos anos, atualmente se engalfinhando no evento Guerra Civil.



Wizmania
Panini Comics
R$ 7,90
http://www.paninicomics.com.br/


HQ adulta com “A“ maiúsculo

Os órfãos da revista Vertigo (Ed. Abril), que fez a alegria de muita gente nos anos 90, estão felizes de novo. A editora Pixel Media, que adquiriu os direitos de publicação sobre o famoso selo de quadrinhos adultos, está botando nas bancas vários materiais de alta qualidade, entre álbuns, edições especiais e minisséries - a preços realistas, o que é mais importante. O carro-chefe é a mensal Pixel Magazine, que apresenta séries premiadas e simplesmente imperdíveis, como a genial Planetary (Warren Ellis), Promethea (do Deus Alan Moore) e DMZ (estréia este mês, de Brian Wood), entre outras. Vale cada centavo.

Pixel Media Magazine
Vários autores
Pixel Media
R$ 9,90
http://www.pixelquadrinhos.com.br/





Altos sons de baixo acústico


No mundo da música, poucos instrumentos dão tanto prazer auditivo e são tão estilosos quanto o contrabaixo acústico. Tocado com o brilhantismo de um músico como Dôdo Ferreira, então, é melhor se render e abrir logo uma garrafa de vinho para acompanhar a audição deste CD, Dum Dum (como ele se refere ao som do baixo). Acompanhado pelos músicos Daniel Garcia (saxes e flauta), Marcos Tommaso (piano) e Pedro Strasser (bateria), Dôdo gravou este CD ao vivo no estúdio, reproduzindo com fidelidade o que deve ser uma apresentação ao vivo do quarteto. Jazz sem bitolação virtuosística, para ser ouvido com deleite tanto por leigos quanto por connoisseurs.



Dum dum
Dôdo Ferreira Quarteto
Delira Música
R$ 24,90
http://www.deliramusica.com/





Retorno de clássico em edição bilíngüe

Perturbador estudo das angústias e do lado mais sombrio dos sentimentos humanos, O Morro dos Ventos Uivantes (1847) é um daqueles clássicos que merecem uma revisão periódica, e esta edição bilíngüe é uma ótima deixa para velhos leitores e neófitos. Tachado de "mórbido" e "violento" pelos críticos da época, cristalizou as bases do estilo gótico na literatura. Conta a história do amor impossível entre Heathcliff, um órfão emburrado e vingativo, e Cathy, filha do seu pai adotivo. A história se passa numa fantasmagórica zona rural na Inglaterra, vívidamente descrita pela autora. Genial, intenso e obrigatório.

O Morro dos Ventos Uivantes
Emily Brontë
Editora Landmark
304 págs R$ 45
http://www.editoralandmark.com.br/



Menos, galera do hype, menos...


O Digitalism é um duo alemão de música eletrônica que chega cheio de moral nos meios descolados, com o perdão da má palavra. Apressadamente comparados ao Daft Punk, o Digitalism fez um CD OK dentro do estilo, só que prejudicado pelo fator hype (perdão de novo), que eleva a expectativa - e a decepção de quem ouve. Ouvido direto, no pau, cansa. Mas isso é característica de quase todo CD de electronica, então vale destacar os bons sons que salvam o duo da inexpressividade: I Want I Want é uma faixa bacana de rock moderno níu rêive, linha Klaxons / Bloc Party. E Digitalism in Cairo é homenagem ao Cure, mas soa como um Chemical Brothers esquálido. Ei, isso é um elogio!

Idealism
Digitalism
Kitsuné / EMI
R$ 29,90
http://www.thedigitalism.com/

sábado, outubro 13, 2007

"NÃO ESTOU NEM AÍ PARA O PÚBLICO. ELE QUE SE FODA"

Kenneth Anger - Aos 80 anos, o pai do cinema marginal veio à Bahia - e quase ninguém notou

Se não fossem alguns poucos gatos pingados no MAM, a presença do senhor alto e bem vestido passaria em brancas nuvens. No mínimo, um pecado. Kenneth Anger é, sem nenhum favor, uma lenda viva sobre a Terra.

Na Bahia para participar do 16º Festival Internacional de Arte Eletrônica Sesc_Videobrasil, Mr. Anger não é lá muito fácil de entrevistar - o homem só responde o que quer, do jeito que quer. E também não quis demorar muito com o repórter Chico Castro Jr. Mas tudo bem. Não é todo dia que alguém do peso dele vem à esquecida Bahia, terra de "tanta estrela para pouca constelação".

QUEM É - Kenneth Anger, nascido na Califórnia em 1927, é, ao lado de Andy Warhol e Paul Morrissey, um dos pais do cinema underground. Aos 20 anos, realizou Fireworks, ousadíssimo exercício de surrealismo que lhe valeu uma passagem para a Europa, onde foi premiado no Festival du Film Maudit, em 1950. Trabalhou 12 anos na Cinemateque Francaise como assistente do lendário Henry Langlois. É membro da ordem secreta do satanista Aleister Crowley.

PING-PONG COM KENNETH ANGER

Como é assistir Fireworks (1947) hoje, 50 anos depois de realizado?

Kenneth Anger Fireworks retrata um sonho que eu tive. Um sonho poético, sexual e violento, tudo ao mesmo tempo. É como uma cerimônia para transcender a mim mesmo. Na última imagem, eu coloquei o rosto de uma pessoa, deitada ao meu lado na cama. Vemos que há alguém lá, mas eu não mostro seu rosto. Eu mostro uma explosão de luz no lugar do rosto.

Você é conhecido por fazer filmes que rejeitam a narrativa convencional.

KA Totalmente.

Por quê?

KA Eu faço filmes há mais de 50 anos para agradar a mim mesmo. Não estou nem aí para o público. Foda-se o público. Eu não me importo com ele. Se eles gostam dos meus filmes (bate palmas), ótimo. Mas eles são muito parecidos com meus próprios sonhos. Neles, eu vejo imagens, mas não ouço ninguém falando. Suponho que, quando as pessoas sonham, ouvem a mãe ou namorada falando, mas nos meus sonhos eu não ouço nada.

Isso é outra característica sua. Seus filmes não têm nenhum diálogo?

KA De propósito! No início era porque eu trabalhava com câmeras sem captação de áudio. E também era muito complicado acoplar um gravador, tem vários detalhes técnicos nos quais eu simplesmente não queria pensar. Então eu trabalhei muito com câmera muda em trabalhos como Scorpio Rising (1964), Inauguration of The Pleasure Dome (1954) e Lucifer Rising (1973). Foi só com Elliott's Suicide (2007), que comecei a trabalhar com som - por que se trata de um cantor. Gostei da experiência, mas isso não significa que vou mudar meu estilo.

Esse vídeo, aliás, foi uma surpresa muito agradável. Elliott Smith (1969-2003) foi um grande músico.

KA Ele era meu vizinho em Los Angeles. Fiquei devastado quando ele se matou, em outubro de 2003. Ele teve uma briga com sua namorada, Jennifer. Eles ficaram acordados a noite toda, fazendo amor e provavelmente, usando drogas, o que é uma péssima combinação (risos). Quando amanheceu, por alguma razão, eles brigaram. Ela foi pro banheiro e se trancou lá dentro. Elliott não disse nada, apenas foi na cozinha, pegou uma faca, daquelas grandes, de cortar carne. E aí... (faz um gesto amplo com o braço, como se enfiasse uma faca em si mesmo). Quando se esfaqueou, Elliott obviamente soltou um grito. Jennifer ouviu e saiu do banheiro. Aí ela fez uma coisa muito burra, que foi puxar a faca do peito dele. O sangue espirrou até o teto, pela cozinha toda. Se tivesse deixado a faca lá e chamado a emergência, talvez ele ainda estivesse vivo, mas eu duvido. Eu mesmo já pensei em suicídio. Uma vez, na ponte Golden Gate (San Francisco), eu olhei lá para baixo, e aí pensei: “não“. Àquela altura, umas 300 pessoas já tinham pulado dali e eu seria a de número 301 (risos).

Na Europa, onde o senhor viveu por muitos anos, o senhor conviveu com artistas como Pablo Picasso, Jean Cocteau, Jean Genet...

KA Quando cheguei em Paris, em abril de 1950, Fireworks, tinha ganho um prêmio no Festival du Film Maudit de Biarritz. Veja, eu sempre quis ir à França, então estudei a língua ainda na escola. Eu seria um tolo se tivesse ido lá sem saber falar a língua, porque os franceses são muito esnobes. Cocteau entendia um pouco de inglês, mas só falava comigo em francês. Era maravilhoso quando ele soltava aqueles aforismos, as coisas inteligentes que ele dizia.

Aqui em Salvador, come-se muito acarajé, uma comida sagrada do candomblé.O senhor provou? O que acha disso?

KA Já estudei todas as religiões e sistemas de crenças e, pessoalmente, eu sou um pagão. Não sou um cristão. Eu acredito nas forças da natureza. Sigo os ensinamentos de Aleister Crowley, um grande ocultista do século XX. Mas tenho um grande fascínio pelas crenças africanas que se espalharam pelas Américas e pelo mundo.

Legado de Anger é visível na cultura pop contemporânea

Salvo engano, a enorme influência de Kenneth Anger na cultura pop mundial ainda está por ser medida. Cineasta que lançou as bases da videoarte, do videoclipe e do cinema underground americano, Anger ainda foi um pioneiro na abordagem de temas abertamente pesados para a indústria, como homossexualismo, drogas, perversões e simbolismos pagãos.

Desde cedo, o homem rompeu com qualquer traço do puritanismo hipócrita americano, metendo o dedo na ferida sem qualquer pudor de chocar. Logo no seu primeiro curta, realizado aos 20 anos, o francamente homossexual Fireworks, Anger mostrou um pênis explodindo em fogos de artifício. Isso, em 1947 (!).

Na verdade, é um equívoco dizer que Anger faz "filmes". Ele filma quadros em movimento, rituais pagãos, seqüências de sonhos, delírios e até mesmo conjurações de demônios, como no curta Invocation of My Demon Brother (1969), exibido dentro da retrospectiva de sua obra no Festival Internacional de Arte Eletrônica no MAM. Se não houvesse Anger, dificilmente haveria um David Lynch ou um Peter Greenaway, por exemplo.

A partir de Fireworks, Anger desbundou de vez. Foi à Europa, onde conviveu e aprendeu muito com alguns dos maiores artistas do século XX, converteu-se à ordem secreta de Aleister Crowley - de tendências satanistas - e realizou muitos outros filmes.

Em Scorpio Rising (1964), estabeleceu o imaginário gay estilo cuecão de couro, mostrando motociclistas em casacos negros com tachinhas e bonés de policial em orgias alucinadas, entre cruzes e suásticas. Mais provocativo, impossível. Em Inauguration of The Pleasure Dome (1954), deitou na tela o uso de drogas como expansores da mente em cores alucinantes.

Anger escreveu ainda o livro em dois volumes Hollywood Babylon (1958), onde desnuda toda a podridão subterrânea da meca do cinema, contando histórias escabrosas dos astros envolvendo sexo, drogas, loucura e sede de poder. O livro era tão escandaloso que ficou proibido nos EUA até 1974.

Apesar de sua aura pesada (o homem tem a palavra "Lúcifer" tatuada no peito - há uma foto na internet), Anger é capaz de momentos ternos, como no seu último vídeo, Elliott‘s Suicide (2007), uma sincera e delicada homenagem ao cantor folk Elliott Smith, que era seu amigo e se suicidou em 2003.

Quem perdeu a mostra dos seus trabalhos no MAM pode recorrer ao site You Tube. Além de alguns dos seus filmes na íntegra, como Kustom Kar Komandos (1965, homenagem à cultura californiana dos carros customizados), Puce Moment (1949) e The Man We Want to Hang (2002), entre outros, há ainda entrevistas, homenagens e refilmagens de seus admiradores.

O legado que deixará este senhor tão controverso ainda será devidamente avaliado. Gênio? Louco? Ambos? O tempo dirá.

A SEGUIR, A TRANSCRIÇÃO COMPLETA DA ENTREVISTA COM KENNETH ANGER

(Em inglês, galera. Sorry, mas no momento não há tempo - nem saco - para traduzir tudo. Tem uma ou outra passagem com reticências, o que significa que ou eu não entendi o que ele disse ou estava inaudível).

Kenneth Anger concedeu esta entrevista para mim e Marcos Pierry (Irdeb), juntos.

In Bahia we have an afro-brazilian religion, and almost in every corner, you can buy a crocket, acarajé. It's a holy food, and you can try that anywhere. What you think about that?

Kenneth Anger: I've studied all religions and belief systems, and personally, I'm a pagan. I'm not a Christian. I believe in the forces of nature. I follow the teachings of Aleister Crowley, who is a great teacher of the 20th century, and the occult art. He was Brittish and died in 1947, the same year I made Fireworks. But I'm very fascinated in the African beliefs and the way it spread through South America and other places in the world.
You've made some films before Fireworks.
KA: Yes, they were made in 16 mm silent, it's a family home movie camera. It just tells 100 foot draw, it's a small, little camera. But these are stored away, I don't show them to the public. They were like learning experiences, so the first film that I showed to the public were Fireworks, that I made when I was very young.

So, how do Fireworks look to you nowadays, 50 years later?

KA: Well, I think it reflexes the dream I had. I had a dream that was both poetic, sexual and violent at the same time. But it's like a ceremony to transcend yourself. And the last image in Fireworks, I have the face of someone, as if he was in the bed with me. In the begining, I dream, I wake up and then in the end, someone is there, but I don't show the face, it's like a mystery. I show it like an explosion of light, over the face.

Your work is seen like one of the first ever to deal with some questions like sexuality, and maybe we can look at that like a kind of a mission that you carry along your career. Obviously it's not easy to a filmmaker with such a profile to raise funds to film. How do you deal with that?

KA: The films I make on 16 mm - today I work on digital - but in the beggining I worked on 16 mm. Rabbit's Moon was made in 35 mm, bacause the was given to me by the Cinematheque Française in Paris. It was the only one I made directly in 35 mm. But I like the freedom of working on 16 mm, because I can hold a little camera. Also it's not so expensive, so I can make it with the money I find myself. Now, it's going out of businness. I talked to Eastman-Kodak, that makes the film and they say that maybe in 5 years, maybe 10, no more 16 mm. It's finished. It's just too bad, because the film has a different look than digital. Digital is good, but it's a litle flat. Film is more lumminous. And so I'll be sorry when 16 mm goes extinct. I can't make the film in my kitchen. I have to buy it from Eastman-Kodak or Fuji or very few other sources, they don't make it anymore.

You're known for making movies that reject the conventional narrative.

KA: Totally.

AT: Why is that?

KA: I've been making movies for over 50 years, and they are to please me. I don't care about the public. Fuck them. I don't care about them. Actually, some of them I might like. If they like (claps), good. But my films are very much like my own personnal dreams. In the dreams I see images, but I don't hear talking. I suppose that when people sleep and have dreams, they hear their mother talking or the girlfriend or something like that, but I have no talking in my dreams.

That's another point. You never have dialogues in your films?

KA: On purpose. In the beggining, it was because I was working with a silent camera. And it was very complicated to get us separated and nag a tape recorder and to work with other technical things, I didn't want to think about it. So I worked with a silent camera that included Scorpio Rising, Inauguration of The Pleasure Dome and Lucifer Rising. It's only with Elliot's Suicide because he's a singer, that I would begin working with sound and I like it, but it doesn't mean I'm going to make a big change.

It was such a pleasant surprise to see Elliott's Suicide, I love that singer.

KA: He was my neighbor in a part of Los Angeles called Silver Lake and he used to perform sometimes for just twenty people in a little cafe called Sunset Junction. And I'd see, I'd go and have a coffee and he'd played all night, for four hours without stopping, just for a little group of friends. I was devastated when he killed himself in 2003, october 21st. He had fight with his girlfriend. Actually they've been up all night, probably taking drugs and making love, which is a bad combination (laughs), you know, people go crazy. So, when the dawn came up with sun, over some reason, they had a quarrel. And her name is Jennifer, and she went to the bathroom and locked the door. Something a woman should never do. It's very bad for a woman to lock herself in the bathroom (laughs), because if the man really mad, he can kick the door open and beat her up, it's very rude to lock the door between lovers - or friends. So, Elliott didn't say anything, but he was obviously thinking "I'll show you". He went into her kitchen - it was her house - not his in Silver Lake, a few blocks from my house - he opened the drawer with all those kitchen knives and things, picked up a steak knife, that long blade and went - SHEEESH! (make a gesture like stabbing himself). He stabbed himself. 34 years old. When he stabbed himself, he obviously yelled, but he kept the blade in. Jennifer heard this in the bathroom. So she unlocked the door and came out and then he feel down on the linoleum. And she did a very stupid thing. The blade was touching his heart. She reached down and pulled it out. The blood spilled all the ceiling and all over the room like a shower. If she had kept the knife in and called 911, then possibly she could've saved his life. But I don't think so, because the knife was already touching his heart. So her fingerprints were on the knife and it's an open question: suicide? Question mark. Murder? Question mark. She has a mark on her record, so it's unresolved and it's been since 2003. It's four years now. I don't think the police will ever prosecute her, or prove anything. I mean, she doesn't have the strenght to stab (laughs), because you know, anyway... But I'm still angry at Elliott for commiting suicide, because to me, it was a terrible mistake. He was only 34, he could've written much more music. He did the music for that movie, Good Will Hunting. He signed with Dreamworks, he had a contract, it's a big company and one CD was just about ready when he killed himself, and his friends brought that out after he died, it's called From the Basement on a Hill, which is a paradox. That's his last album, it's very beautiful. And he mentioned suicide in the lyrics. And his first private label was called Suicide Records. So this is like, it was always in his mind, as poet, like Rimbaud or something. It was an obssesion. Hart Crane was an American poet that drowned himself jumping off a boat coming from Cuba. I miss Elliott and I'm still angry at what he did. People do stupid things. (laughs) I personally thought about suicide myself. I know that despair can make people do it. Once I walked across the Golden Gate Bridge (San Francisco) when things were dabbling to me. At that time only about 300 people jumped off that bridge, and with me, it would be 301 (laughs). I looked over and I said: "No". I was only 18. But I've had several friends who committed suicide. Donald Camel, who played Osiris, the Lord of The Dead in Lucifer Rising, shot himself, and several others who I miss very much.

You lived in Europe for several years...

KA: Many years. I worked at the Cinematheque Française, as personnal assistant to Henry Langlois, the director, for 12 years. Then I had to go back to America to settle a legal thing. My mother had died and she left me some stocks and bonds in the Disney Company. And instead of keeping them, I sold'em, so that I could make another film.
In Europe you met and worked with people like Pablo Picasso, Jean Genet, Jean Cocteau...

KA: Yeah, it was in the 1950's.

How did this experience influenced your own work?

KA: When I arrived in Paris in April, 1950, my little film Fireworks - 15 minutes - already won the prize at the Biarritz Film Festival which I nailed it. I couldn't go myself, I couldn't afford it, but I nailed it to Biarritz, France. It's called Festival du Film Maudit or The Festival of Damned Films or Censored Films, or Forbidden Films. So, you see, I knew I always wanted to go to France, so I studied the French language in a Beverly Hills high school, and I was a good student, so I arrived (in France) speaking French. I would have been a fool if I arrived only speaking English. Because the French are very snobbish about their language. You must speak French and they'll refuse to speak any other language. Most French. Which is the kind of elitism... Cocteau probably understands some English, but e would only speak to me in French and it was always delightful afforisms which are like witty things he'd say. He was been looked after by a very rich woman who was the vice-president of Shell Oil in France. And her name was Francine Weisweiller and she began doin the fingernails, manicure and he fell in love with her, and married her and then she became, from a manicure, the patron of the arts for many and provided a place for him to live for free with the best meals served in her garden. She turned her hothouse in a studio for Cocteau, in Cap Ferrat. I visited him among all the flowers and he was doing Christmas cards, with original drawings for each Christmas card. And he would do the same face over and over, the typical Cocteau profile, you know, very simple lines and then signed "Cocteau" as a star. An amazing work for hours, three hours at least, without stopping, doing this, he had this huge ... It's like devotion to his fans and close friends, I have one of these and I value. The only other time I saw anyone have that kind of devotion, was Joan Crawford, the American star. She would do personnal autographs for every fan who would write her, she'd write a personnal letter and said: "thank you, for liking Joan Crawford", you know, very ego. And yet she didn't have a secretary to do it, she did it herself, and every photograph she'd sent, "with love, Joan Crawford". (There's an) Amazing devotion to the cult of Joan Crawford...
Who were your underground colleagues in the USA?

KA: (pause to think). Curtis Harrington, a friend of mine, he appeared in my films, died earlier this year he was about my age. Maya Derens, Stan Brakage, who was ten years younger than me, but he died too. I met him in the early fifties and he was a friend for his whole life. I knew, of course some of the older filmmakers, like Josef Von Sternberg, I met even John Ford, you know?

What about Orson Welles?

KA: Yeah. But you see, when you live there and you can talk to these people, they're not difficult to approach - I didn't approach them like movie fan. He'd knew I knew the history of his film, I had some questions about their work. Anyway, I have to go now, bacause there are some people waiting...

OK, thank you very much.

KA: Thank you.

segunda-feira, outubro 08, 2007

OS PRODUTORES

André T., Tadeu Mascarenhas e Jera Cravo, os produtores que botam o rock baiano na fita

Eles têm um trabalho que, longe de dar lucro, às vezes pode dar até prejuízo. A razão de continuarem fazendo o que fazem - e acreditando nisso - só pode ser traduzida em uma única palavra, por mais batida e até mesmo brega que ela possa parecer: amor.

Amor à arte, no caso - mais especificamente, amor ao rock n‘ roll. Não há outra explicação. Eles são André T., Jera Cravo e Tadeu Mascarenhas, produtores fonográficos voltados principalmente para o rock local. Claro, eles não são os únicos. Há outros, talvez até tão bons quanto os três. Mas eles se destacam - pela dedicação integral, pelo tempo de serviço e pelo volume de trabalho.

A verdade é que, com eles, a Bahia ganhou produtores especializados em rock. Até meados dos anos 1990, os discos desse estilo gravados em solo baiano, com raríssimas exceções, tinham uma sonoridade - para dizer o mínimo - inadequada. Porque eram gravados por técnicos formados no grande mercado da música baiana, ou seja, o axé.

Sem produtores especializados, as bandas locais acabavam tendo de se autoproduzir no estúdio. Sendo formadas na sua grande maioria por jovens inexperientes, que nunca haviam entrado em um estúdio antes, os resultados acabavam sendo frustrantes - para as próprias bandas e também para os fãs. Os discos da Úteros em Fúria (Wombs in Rage, Natasha Records, 1993) e dos Dead Billies (Don‘t Mess With The Dead Billies, WR Discos, 1995), são dois exemplos clássicos de registros frustrados de grandes bandas.

Quem freqüentava os shows de ambas certamente se decepcionou muito com o resultado em CD, pois o som poderoso e cheio de tesão que se ouvia nas apresentações ao vivo não se traduziu nas faixas gravadas em estúdio. O resultado foram discos com um sonzinho de nada, achatado, sem brilho, que têm no registro histórico seu maior valor.

Mas hoje, a história é bem diferente. Bandas e artistas de estilos bem diversos entre si como Cascadura, Retrofoguetes, Demoiselle, Cobalto, Capitão Parafina, Radiola, Pessoas Invisíveis, Mirabolix, Nancyta, Alex Pochat, Paulinho Oliveira e muitos outros podem entrar no estúdio de olhos fechados e mãos dadas com esses caras. Eles conhecem o som, as referências e a sonoridade de cada uma delas - na fonte.

Para chegar até aqui, porém, foi uma longa estrada, e muitos outros fatores também tiveram seu papel. "Eu acho que primeiro rolou uma grande democratização da tecnologia. Hoje você tem muito mais acesso aos materiais para fazer o trampo", avalia Jera Cravo. Já para Tadeu, a culpa é dos Beatles. "Basicamente, é isso: George Martin e afins. Desde guri, você começa a futucar no gravadorzinho em casa e daqui a pouco vc tem um monte de cabo e microfone do seu lado. É uma coisa meio esquizofrênica, mesmo", ri.

Cada um deles tem um perfil diferente um do outro, que se define mais ou menos nos estilos que cresceram ouvindo. Jera tem um gosto mais pesado, pendendo para o hardcore e o heavy metal mais moderno. Tadeu é da escola setentista, Beatles e classic rock. André já é mais difícil de enquadrar, trafegando com desenvoltura desde o trip hop inicial de Rebeca Matta até a surf music dos Retrofoguetes e o rock contemporâneo da formação atual da Cascadura.

Mas a dedicação ao trabalho e o rigor estético aplicado no estúdio é o mesmo. “Somos três chatos“, assume Jera. "Chega a galera e você fala: 'Velho, não é assim que funciona, precisa ensaiar, precisa prestar atenção nisso, naquilo'. Acaba funcionando. Já tive bandas que gravaram três vezes comigo. A primeira foi um terror. A última já foi legalzinha", diz.

"A gente se envolve, se doa, pega os instrumentos, 'não, deixa que eu afino'! Aí eles começam a se preocupar em comprar um instrumento legal, regular o instrumento, afinar, estudar, praticar. A gente é meio que educador também", revela Tadeu.

"E começam a ter noção de outras coisas. Às vezes, você botar (numa gravação) quarenta guitarras, trinta teclados - tudo ao mesmo tempo - simplesmente não vai soar", acrescenta André.

ROCK BA 2007 - Para os três, o rock baiano vive seu melhor momento - apesar de tudo. "Eu tenho ouvido algumas coisas do resto do Brasil, e sim, as bandas baianas estão entre as melhores do País. E vou dizer uma coisa: não é por que são meus amigos e trabalho com eles não, mas a Retrofoguetes, para mim, é a melhor banda de surf music do mundo! Eu já ouvi um monte de banda de surf e eles são os melhores", se entusiasma André.

Jera concorda, mas considera que "em termos de cenário e de sobrevivência desse cenário, aí estamos num dos piores momentos. O público também é menor e menos fiel do que era nos anos 90, na época da Dois Sapos & Meio, Lisergia, Inkoma. Qualquer showzinho era o Idearium lotado, 400 cabeças. Hoje, Retrofoguetes e Astronautas (PE) na Boomerangue, que é um espaço muito melhor, dá 70 pagantes", contabiliza.

Apesar de todas as dificuldades, contudo, Tadeu, Jera e André não páram de produzir, muitas vezes, dando conta de vários projetos ao mesmo tempo. O que significa dizer que vem muita coisa boa por aí entre o final de 2007 e o início de 2008.

Só André T. toca, no momento, quase uma dezena de projetos, em diversos estágios de produção. "Estão para sair os discos de estréia da Anacê e da Aguarrás, duas bandas de rock. Terminei agora o disco de Nancyta e estou no meio do segundo do Retrofoguetes. Tem também os CDs da Pandora, Neto Lobo & A Cacimba, Demoiselle - esse tá bem legal - e estou fazendo também um disco em dupla com o DJ Mauro Telefunksoul", enumera.

Jera Cravo tem engatilhado o primeiro CD da Minerva, "banda do ex-guitarrista da Automata, ficou bem legal. Tem o da Lou com a vocalista nova (Danny Nascimento), que tá gravando lá no meu estúdio, mas o produtor é Jorge Solovera. Tem ainda para sair os CDs da minha banda, Hoje Você Morre, Efeito Joule (hardcore) e também o da banda Elipê. Modéstia a parte, gostei muito do resultado desses aí", adianta.

Tadeu se encontra finalizando os CDs das revelações Dão & A Caravana Black e Marcela Bellas. "A Radiola já vai começar a gravar o segundo disco. Tem também a banda do Júlio Caldas, Petercantropus Erectus e o Jazz Rock Quartet, de Dom Lula Nascimento (bateria) e Luciano Souza (guitarra)" conta Tadeu.

Caro, barato - Apesar da produção ininterrupta, as dificuldades de produzir um disco de rock - ou algo parecido - na Bahia ainda são bem grandes. Diferente das bandas de axé / pagode / arrocha, que quase sempre têm dono, ou seja, uma produtora por trás bancando as horas de estúdio, os integrantes das bandas de rock local se viram como podem para pagar sua gravação.

"A maioria dos trabalhos que a gente pega é o cara que tem um emprego em algum lugar, não é músico profissional, vai juntando uma grana, cada um dá uma parte. Boa parte das bandas de rock é assim. A maior clientela é essa, então a gente tem que facilitar muito. 'Ah, vamo dividir em não-sei-quantas-vezes'", ri André.

"Eu fico olhando as vezes no estúdio, o quanto a gente já investiu em equipamento, dá fácil assim uns R$ 200 mil, se for contar instrumento, equipamento, tudo o que tem lá. Aí eu penso assim no preço que eu cobro por hora. 'Você é louco, cara, isso não existe'... Mas se eu for cobrar o preço real, que deveria estar cobrando, aí eu expulso essa clientela", considera Tadeu.

A verdade é que, se por um lado, a tecnologia de gravação ficou realmente barata - está aí o Pró-Tools, software de gravação amplamente disseminado - a tecnologia de captação de áudio, como microfones e amplificadores, continua bem dispendiosa.

"Tem microfone que custa R$ 11 mil. Se você for pensar, é um carro, né?", se espanta Tadeu. "Amplificadores de guitarra também são caríssimos. Pra você montar um bom estúdio, ainda precisa ter bons cabos de microfone, tudo isso vai adicionando no valor", pesa André.

De qualquer forma, a tecnologia de gravação mais barata "tornou possível que a gente com um único microfone bom, poucos recursos, consiga fazer a coisa, porque a gente tem criatividade, mete a mão, futuca e faz mesmo. A gente conhece, tem a referência do que é aquele som, porque é isso que nos diferencia como produtores de rock. É o cara que conhece o rock, que tem a referência, que conhece o conceito do som, o que é uma guitarra, uma bateria de rock mesmo", pontua Tadeu, dispensando a falsa modéstia.

"É aquele cara que ouviu o Back in Black (AC/DC) e ficou coçando a cabeça, 'como é que eles fizeram isso?'", ri André. "É isso aí, velho, a gente com um canal, um microfone, mais alguns genéricos, a gente se vira", conclui Jera.

A SEGUIR, A TRANSCRIÇÃO COMPLETA DO BATE-PAPO

PRA COMEÇO DE CONVERSA

JERA CRAVO: Eu acho que primeiro rolou uma grande democratização da tecnologia. Hoje vc tem muito mais acesso aos materiais para fazer o trampo. E como vc falou, todo mundo aqui cresceu ouvindo rock mesmo desde cedo e isso influenciou bastante. Eu não lembro de ter sido gravado aqui - na época em que eu tocava - por ninguém que ouvisse rock direto. Talvez Alfredo, do Estúdio Verde. Mas ele nem ficava direto com a galera, por que ele era o dono do estúdio... Mas o primordial foi isso, a escola da galera e a mudança dos tempos, né?

ANDRÉ T.: Acho que hj em dia, todo mundo tem mais acesso à informação. Os anos 80 foram bem estranhos, por vários motivos, até pela reserva de mercado brasileiro também, então os estúdios eram bem mais pobres do que hoje. Se grava rock melhor hoje em dia, mas ao mesmo tempo, também se grava axé melhor. O pessoal que grava axé está fazendo um trabalho melhor do que fazia anos atrás. A gente tem mais acesso à informação e mais acesso aos equipamentos. Claro, algumas pessoas se dedicam mais àlgumas coisas do que outras. Não dá para chegar e fazer bem tudo. Então, sim, eu acho que nós nos dedicamos à isso, por que ouvimos isso o tempo todo.

TADEU MASCARENHAS: Rapaz, a culpa é dos Beatles! Basicamente, é isso: George Martin e afins. É bem por aí, é coisa de paixão, mesmo. Desde guri, vc começa a futucar no gravadorzinho que tem dentro de casa e daqui a pouco vc tem um monte de cabo e microfone do seu lado. É uma coisa meio esquizofrênica, mesmo. Não tem muita teoria para explicar, não...

JC: Eu acho que muita gente que trabalhava no meio aqui antes, meio que caía na profissão por que era roadie ou operador de PA, que caía pra gravar, sacou?

TM: Temos que admitir que a maior escola de técnicos que teve aqui foi baseada no axé, né? Então, era a WR mesmo que fazia tudo aqui. Então, na hora de gravar um bom disco, na hora de se gastar dinheiro, o pessoal ia pra lá. Por que tinha equipamento. Então os técnicos aprenderam a gravar gravando axé.

BACKGROUND

JC: Comecei a tocar em 96, eu acho, numa banda que já existia, chamada Peacemaker, que era meio crossover, metal, tipo Biohazard na época. Depois, fui pra Pimps, depois eu viajei pra Los Angeles, e lá fora moneti uma outra banda chamada Dive, mas só fizemos uma gravaçãozinha simples. Na volta, entrei no Automata, toquei também com a Cobalto, Astronautas (de Recife), estou com a Lou e uma banda de hardcore chamada Hoje Você Morre. Os discos mais legais que eu trabalhei foram o da Automata, os dois últimos da Cobalto foram muito bons, os da Malefector foram divertidos de fazer, por que os caras são bem engraçados. Teve também o disco da Madame Satan, de Belém, que foi massa. Estou mixando agora a Tolerância Zero, banda lá de São Paulo, Elipê e também da Hoje Você Morre.

TM: Rapaz, eu fui batizado por Cascadura, né? Com dezesseis aninhos de idade, entrei pro mundo do rock, sentei no colo do tio Fábio e aí depois, teve algumas coisas que não foram muito adiante, mas aí agora, depois que eu montei o Estúdio (Casa das Máquinas), já com uma estrutura melhor, gravei Radiola, Manuela Rodrigues... O negócio é que a galera que eu produzo, acabo tocando junto. É o produtor-dobradinha. É difícil, a gente se joga, faz um negócio todo criativo e tal, chega na hora do show, eu tenho que tocar também para sair igual... Tem a Vinil 69 que gravou lá, e levou pro André mixar. Tem a Headhunter, Ungodly. Aliás, as bandas mais divertidas de gravar são as da galera do metal. Zé Paulo da Headhunter é uma figura... Formidável Família Musical, também.

JC: Tadeu é chegado na galera hippie, né? Pochat, Formidável Família...

TM: É, o rock dos anos 70 é a fase que eu mais gosto. Disparado. Claro que as outras décadas tem seus valores também, mas...

JC: Já eu pulo dos 60 para o final dos 80, dos que eu escuto mais. Não ouço muita coisa dos anos 70, não.

AT: Começei a tocar em 82...

JC: Que cara véio da porra! (risos)

AT: Aí toquei em Mostras de Som do Vieira, na época da Úteros e tal. Eu tinha uma banda com o Daniel Boaventura, chamava Banzai. Aí quando fiz 18 anos, fiz faculdade de música, me profissionalizei, toquei com um bocado de gente. Em 92, fui para os Estados Unidos, passei 4 anos, fiz faculdade de comunicação. Voltei em 96, passei quatro anos tocando com Carlinhos Brown (teclado e guitarra) e produzindo. Fiz os dois primeiros discos de Rebeca Matta, trabalhei no CD da Crac!, produzi Nancyta, Retrofoguetes, os dois últimos da Cascadura, tem um bocado de coisa, que agora não lembro.

FORMAÇÃO

TM: Nenhuma formação. Aprendi fazendo.

JC: Eu já metia a mão antes, mas fiz um curso de seis meses na Musicians Institute (MI), em Los Angeles. No meio do curso, já estava trampando. Fiz muita coisa em igreja, por incrível que pareça, operando PA, manutenção em estúdio, na Igreja Adventista do 7º Dia e uma outra lá que era coreana, então não sei nem te dizer o que era aquilo (risos). Cândido (Amarelo Neto) também, mais ou menos na mesma época.

AT: Não fiz curso não. Mas tem dois argentinos aqui em Salvador, técnicos de gravação, que me ensinaram muito, eu tenho um respeito absurdo por eles: Bocha e Jeti Corleto. Já fiz muita coisa com eles e aprendi muito. Temos diferenças estéticas, de como fazer mas tenho um respeito enorme por eles. Inclusive, foi Bocha que gravou o primeiro compacto do Camisa de Vênus (Controle Total / Meu Primo Zé, 1982).

TM: Tinha o Nestor Madrid também, que nunca se intitulou produtor de rock, mas produziu muita banda de rock, era quem estava mais próximo à esse conceito do rock.

PRODUÇÕES VINDOURAS

TM: Dão & A Caravana Black, Marcela Bellas, Radiola vai começar a gravar o segundo disco, tem também o disco do grupo do Júlio Caldas, Petercantropus Erectus... E também a Jazz Rock Quartet, que são caras importantíssimos pro rock baiano, meio que começaram tudo aqui...

JC: Tem um que já está pronto, mas não saiu ainda que é o da Minerva, banda do ex-guitarrista da Automata, ficou bem legal. Tem o da Lou, que tá gravando lá no meu estúdio, mas quem tá produzindo mesmo é o Só Love (Jorge Solovera), Tem o CD da minha banda, Hoje Você Morre, tem a Efeito Joule (hardcore)...

AT: O problema é esse, que a gente vai fazendo um bocado de coisa ao mesmo tempo, acaba esquecendo... Vai sair agora o disco da Anacê, Aguarrás, também de rock, também o primeiro disco. Terminei agora o disco de Nancyta, estou no meio do segundo do Retrofoguetes, tem também o Pandora, Neto Lobo & A Cacimba, Demoiselle - esse tá bem legal - e estou fazendo também um disco em dupla com o DJ Mauro Telefunksoul.

RENOVAÇÃO DO CENÁRIO

AT: Eu não sou tão pretensioso assim, não. O mercado baiano, brasileiro, digamos, é muito, mas muito maior do que a escala em que gente trabalha. Claro que tem um artista ou outro que a gente trabalha que começa a aparecer um pouco mais na mídia, mas ainda é um trabalho muito formiguinha, manufaturado, embrionário, para ter essa pretensão de querer mudar alguma coisa.

TM: Mas é (um trabalho) consistente. Eu acho que a mudança acontece. O que é mais legal (no nosso trabalho) é que a gente acaba criando referências para outras pessoas. Tem várias pessoas que apreciam, e chegam e dizem, "pô, o trabalho desse cara aqui é legal" e tal. Isso acaba virando um incentivo para que outro vá e faça uma coisa legal, bem feita, isso termina criando meio que uma rede.

AT: Já teve gente de axé, gente grande, que eu não imaginei nunca que iria conhecer alguns artistas independentes que a gente trabalha, e que comentou pra mim e disse "adorei o disco de fulano ou sicrano". Eu fiquei surpreso. Se chegou nessa pessoa, deve estar chegando em outras pessoas também. Mas eu não sei até que ponto isso reverbera assim...

JC: Mas é natural. A gente só faz o trabalho da gente, não tem uma pretensão de "ah, vou mudar esse cenário" e tal. É uma consequência. Eu acho que é uma mudança a longo prazo. Por exemplo, eu tô com meu estúdio desde 2002. São cinco anos e um quebradinho. Então vc ainda encontra aquelas bandinhas da galera mais nova que tá começando, e quer gravar sem nem ensaiar direito. Aí grava a primeira vez, toma na cara, vê que na próxima vez, já não vai ser assim. Então eu acho que daqui mais uns cinco anos...

TM: Na verdade, eu acho que a gente mesmo, daqui a uns 10 anos, já estaremos numa outra... não é que daqui a pouco não vou estar mais gravando, mas a gente já vai estar com um volume de trabalho mais...

JC: É isso que eu acho interessante. Por exemplo, nós três aqui, nós somos chatos.

TM: Pra caralho.

JC: Pelo menos, eu sou, e desconfio que vocês também são, sacou? Então é aquele esquema: chega a galera e você fala na boa: "velho, não é assim que funciona, precisa ensaiar, precisa prestar atenção nisso, naquilo", sacou? E acaba funcionando. Eu já tive bandas que gravaram assim, três vezes comigo. A primeira foi um terror. A última já foi legalzinha.

TM: Isso é desgastante pra caralho. A gente se envolve, se doa pra caralho, pega os instrumentos, "não, deixa que eu afino"! (Risos)

JC: As vezes rola uma parada, você fica meio o "tiozão" da história. "Não, man, não é assim, relaxe, pá". A partir do momento em que mais gente for trabalhando de maneira mais séria, daqui para uns cinco, dez anos, a coisa pode melhorar. Mas por enquanto, ainda tá bem "gueto caótico". Eu acho.

TM: Mas isso é normal. Essas bandas novas, quando você tem o primeiro contato, vc fica: "porra!". Aí eles se preocupam. Tanto é que, quando acontece isso, se a gente grava uma banda, quando ela voltam na segunda vez, ela já volta muito melhor, sacou?Eles se ligam em como é que tem que ser a coisa, começam a se preocupar em comprar um instrumento legal, regular o instrumento, vamo afinar, vamo estudar, vamo praticar antes e tal. Eles começam a ter noção dessa realidade. A gente é meio que educador também.

AT: E começam a ter noção de outras coisas também. Não só de ter que estudar, mas também que, as vezes, você botar (numa gravação) quarenta guitarras, trinta teclados - tudo ao mesmo tempo - simplesmente não vai soar. Não vai adiantar. As pessoas vão começando a entender que, em estúdio, não é assim. Não é...

JC: Não é show, né? O problema é esse. Não vale tudo. É aquele esquema: "aumenta aí, véi! Aumenta a bateria, aumenta o baixo, aumenta a guitarra"... Vai aumentando, sacou? Não precisa aumentar. É só a galera se tocar. É complicado.

TM: Tem dias que o desgaste psicológico é brutal.

JC: Quando você está gravando com uma galera boa, que já tá ligada, sabe como é que faz, aí é de foder. Dá risada, pára meia hora pra descansar...

TM: Quando eu gravava com um sujeito chamado Mauro Taim, ele chegava, sentava na minha bateria, uma Pearl, uma que é toda pela metade, sem pele de resposta, chata de afinar, né? Todo baterista que chega lá eu tenho que ir lá afinar. Não sou nem baterista, mas sei mais ou menos como é que afina ela. Aí, Mauro chega lá, tum, tum, tum, "vambora!". Botou o microfone, quinze minutos, REC. Primeiro take. Tá lá, a música pronta, perfeita, não precisa consertar nada, todas as caixas são iguais, todos os bumbos são iguais, tá pronto. Aí você ouve assim, e fala: "porra, bicho, já pensou se todos os dias fosse assim, com um músico desse tipo assim, que nível, que rendimento, que velocidade de produção a gente não teria"? Porque o problema é o desgaste. Mauro Taim é um músico aí, ele nem tá aqui agora, tá na França. Tô citando ele por que é um bom exemplo.

JC: O contrário disso é o cara que grava a faixa em duas horas e vc passa mais seis editando.

TM: PQP! Aí vc pega para gravar uma voz, vc leva seis horas pra fazer uma música, para depois afinar, para depois consertar, num sei o quê e num fica bom. Grava de novo, chama de novo... É um problema.

MOMENTO ATUAL DO ROCK BAIANO

AT: Eu acho que é o melhor momento de todos os tempos.

JC: Eu acho que o público ainda é um pouco menor e menos fiel do que era nos anos 90, na época da Dois Sapos & Meio, Lisergia, Inkoma, na época em que eu frequentava. Eu nem era músico nem nada, era público. Eu lembro que qualquer showzinho era o Idearium lotado, quatrocentas cabeças. Hoje em dia, por exemplo: Retrofoguetes e Astronautas (PE) na Boomerangue, que é um espaço muito melhor, tudo melhor e dá 70 pagantes.

AT: O maior problema que a gente tem é de espaço. Isso é um problema, realmente. Eu me referi à qualidade das bandas.

TM: O que o Brasil está conhecendo aqui da Bahia são as bandas. Não é o cenário das casas de show, que isso, pelo amor de Deus, isso não existe.

AT: Mas em nível criativo, eu tenho ouvido algumas coisas do resto do Brasil e sim, as bandas baianas estão entre as melhores do País. Não é bairrismo nem nada, mas... Em todos os estilos. Olhe, vou te dizer uma coisa: não é por que são meus amigos e trabalho com eles, mas a Retrofoguetes, para mim, é a melhor banda de surf music do mundo! Eu já ouvi um monte de banda de surf e eles são os melhores do mundo!

TM: É verdade. Porque a surf music é uma coisa meio caricatura, muito difícil de fazer a sério. Muito difícil de tirar um som ali. E o som deles é perfeito, funciona. Desde o Dead Billies, eles já tinham aquele som.

JC: É incrível, mesmo.

AT: A Dead Billies era a melhor banda do Brasil (na sua época). Mas tem gente fazendo um trabalho muito consistente. A Radiola está fazendo um trabalho consistente. As bandas de metal estão trabalhando muito bem. Pô, a Cobalto... Negócio internacional, mesmo. Cascadura está numa fase super legal, sendo reconhecida no Brasil todo. Criativamente, tá fantástico.

TM: Agora, em nível de espaço (para tocar), tá foda.

JC: Em nível de cenário e de sobrevivência desse cenário, aí estamos num dos piores momentos, eu acho. O reconhecimento local, também não muda.

TM: Os shows são sempre as mesmas pessoas que vão. Cebola, Cláudio Escória... (risos) é a mesma galera sempre, desde que e tenho 15 anos de idade (risos). São sempre os mesmo espectadores. A diferença é que agora, com o lance do acesso à cultura (via internet), a gente tá conhecendo muito mais as coisas daqui e coisas boas.

JC: Antigamente, para vc divulgar a banda, era na carta. Vc mandava os flyerzinhos por carta pra galera dos fanzines.

TM: Naquela época, a Cascadura tinha caixa postal, né? Fábio ia lá, abria a caixa para ver a correspondência, eu nem consigo imaginar isso mais (risos).

ESTOURO DE PITTY

TM: Eu acho que isso foi bom no sentido de incentivar a molecada a montar suas bandas. Como a Canto dos Malditos na Terra do Nunca, eu acho aquela menina (Andréa) bem influenciada por ela, né?

JC: E tem uma minoriazinha dos que curtem Pitty, acaba pesquisando e descobrindo muita coisa daqui sacou? Mas é uma minoria. Mas (Pitty) é um produto bem dirigido...

TRABALHO MAIS SATISFATÓRIO (BEM SUCEDIDO)

AT: Para mim, é sempre o último. A idéia é essa.

TM: Foda é quando "o último" não é de uma banda tão boa, né?

AT: Mas tem gente que eu já gravei dois, três discos, e tecnicamente, o último é melhor, só que eu gostei mais do primeiro. Agora, respondendo a sua pergunta, eu tô super feliz com o disco novo de Nancyta que ainda vai sair até o fim do ano. Tô ainda gravando o segundo dos Retrofoguetes, tô super feliz também, os caras tão tipo, pirando completamente no estúdio. (risos). Todo dia a gente vai aprendendo alguma coisa.

TM: Pô, tem um monte de disco que eu gosto. O primeiro disco da Radiola eu acho muito bom, até porque levou uns dois ou três anos pra ficar pronto. Sem dinheiro, fazia aos poucos, do jeito que dava. Tem um um outro que levou anos pra ficar pronto, chamado A Coisa, que é um espetáculo de teatro, com poesias da língua portuguesa, só que com uma banda junto. Mas não é uma banda fazendo fundo musical para as declamações nem é melodia na poesia ou poesia musicada, nada assim. É com Jackson Costa, ele é o ator, o personagem, é um negócio muito louco, que mistura tudo que você imaginar, bem cultura popular mesmo, vai além do rock, extrapola. Mas falando de rock, o 2 de Fevereiro, da Radiola, tem uma sonoridade e do resultado final.

JC: Eu acho que o disco da Minerva, foi a coisa que, sonoramente, mais me agradou. Tecnicamente, a execução, talvez não tenha sido não, mas o som... Ainda não saiu, provavelmente saia só na internet, em MP3, o que é uma pena. Eu faço um cd-rzinho e guardo pra mim. Os caras não tão com grana pra prensar (os CDs), nem eu, tá todo mundo sem grana. O vocalista parece que vai viajar também, aí...

TM: Tem a Headhunter também, que pô, é um som cruel. Aquele vocal de (Sérgio) Balloff, vc falou dos Retrofoguetes que é a melhor banda de surf, eu falo que Ballof é um dos melhores vocalistas de metal do mundo.

AT: É engraçado, porque Salvador tem esses caras assim, né? Tem Ballof, tem Bruninho da Pandora, tem uns caras assim que mandam incrivelmente bem,

TM: A voz de Ballof parece uma montanha, uma coisa gigante. E ele bebe Coca-Cola natural, né? Pra dar o pigarro, deixar a voz gutural, mesmo. E ele fala, "se eu não tomar essa coca aqui, não faz o pigarro e a voz não sai tão brutal". E a gente pergunta, "Ballof, vc não fica rouco, não?" Ele: "Não". (risos). Acho que no começo assim, ele ficava rouco, mas com o passar dos anos, ele desenvolveu uma técnica. Você ouve, parece que ele está destruindo a voz, uma coisa absurda. Gruuaaaarrrrrr! (ruge) Mas é uma técnica dele, que ele mesmo desenvolveu. Ninguém ensinou a ele. Se ele não tivesse essa técnica, ele já tava mudo, não tinha mais voz. Do jeito que ele canta...

MAIOR EXTRAVAGÂNCIA

AT: Já fiz um coro com mais de cinquenta canais de vocal. Mas... pra quem ouve Beach Boys, né, isso é normal... Tem coisa que a gente grava, depois distorce tudo, passa de trás pra frente, de cabeça pra baixo... Mas isso também é normal. Extravagância mesmo seria chegar e dizer, "ah, vou botar a Orquestra Sinfônica", mas ninguém tem dinheiro mesmo.

TM: Eu já gravei orquestra. É, realmente, uma extravagância. Uma faixa custou R$ 8 mil. Cachê, com tudo. Uma loucura.

GRAVANDO O ROCK BAIANO

AT: Tem uma parte do equipamento, que realmente, ficou muito mais barata. Mas outra parte continua sendo caríssima.

JC: O que é bom, o preço nunca desce.

AT: É isso, para comprar bons microfones, esse tipo de coisa, tudo isso é caríssimo.

TM: Tem microfone que custa R$ 11 mil. Se você for pensar, é um carro, né?

AT: Tem amplificadores de guitarra também, que são caríssimos. Um bom amplificador de microfone também, de nível: caríssimo. Agora, a parte digital, realmente, caiu muito, muito de preço. Hoje em dia, você pode ter um bom sistema de gravação no seu computador barato. Mas a captação continua sendo cara. Pra você montar um bom estúdio, ainda precisa ter bons cabos de microfone, tudo isso vai adicionando no valor. Então, sim, parte da coisa tá muito mais barata. Outra parte, não. A tecnologia de gravação barateou. Mas a de captação continua bem cara.

JC: O equipamento bom ainda é caro. Mas o problema é que apareceram todos os genéricos, chineses e tal.

TM: Tornou possível a gente com um microfone bom, com poucos recursos, conseguir fazer a coisa, porque a gente tem criatividade, vai lá, mete a mão, futuca e faz mesmo, entendeu? A gente conhece, tem a referência do que é aquele som, porque é isso que diferencia a gente como produtor de rock. É o cara que conhece o rock, que ouviu o rock, que tem a referência, que conhece o conceito do som, o que é uma guitarra, uma bateria de rock mesmo. Rock dos anos 50, 60, 70, 80...

AT: É aquele cara que ouviu o Back in Black (AC/DC) e ficou coçando a cabeça, "como é que eles conseguiram fazer isso?".

TM: Exatamente...

JC: Isso aí, velho, a gente com um canal, com um microfone, mais alguns genéricos, a gente se vira...

AT: Agora, a maioria dos trabalhos que a gente pega, é o cara que chega, tem um emprego em algum lugar, não é músico profissional, vai juntando uma grana, cada um vai dando uma parte... Boa parte das bandas de rock é assim mesmo. A maior clientela é essa, então a gente tem que facilitar muito. "Ah, vamo dividir esse pagamento é em não-sei-quantas-vezes", vamo fazendo...

TM: Eu fico olhando assim as vezes no estúdio, o quanto a gente já investiu em equipamento, dá fácil assim uns R$ 200 mil, se for contar instrumento, equipamento, tudo o que tem lá. Aí eu penso assim no preço que eu cobro por hora... "Você é louco, cara, isso não existe"... Mas se eu for cobrar o preço real, que deveria estar cobrando, aí eu expulso essa clientela.

ARTISTA DOS SONHOS

AT: Paul McCartney junto com Ringo! (Risos)

JC: Aí pra completar a banda, bota Pete Townsend.

TM: Eu queria gravar uma música: Beatles, junto com os Beach Boys. (Risos) Brian Wilson com Paul McCartney...

AT: Eu ia chorar o tempo todo.

JC: NInguém ia conseguir trabalhar!

TM: A gente botava areia dentro do estúdio, sacou? Botava um piano na areia pra Brian Wilson ficar assim (faz cara de doidão)...

AT: No Brasil, eu gostaria de fazer um dia o Paralamas. Eu respeito muito os caras.

JC: Se eu pudesse, eu faria Nação Zumbi.

TM: Então eu fico com Los Hermanos! (Risos)

AT: Em Salvador, a gente ainda vai trabalhar junto um dia, já conversamos sobre isso, mas eu ainda quero fazer alguma coisa com Vandex. Sou fã de carteirinha do cara.

PRODUTOR MODELO

AT: George Martin é hour-concour, né? É melhor nem falar dele, por que o cara está em outro nível.

JC: Foi o pioneiro, né. Em termos de rock, não tinha ninguém antes dele...

TM: Mas não é só o pioneiro, o que ele fez foi lançar as bases. Ele revolucionou com quatro canais... Foi o cara certo no momento certo.

JC: Também ele pegou uma banda revolucionária.

TM: Quincy Jones é outro louco.

JC: Quincy Jones é um doente! (Risos)

AT: Eu gosto muito do (Robert) Mutt Lange. AC/DC, Def Leppard... Casou com Shania Twain, grava todos os discos dela... O cara é foda.

JC: Tem dois que eu acho foda. Um é o Rick Rubin (Johnny Cash, Red Hot Chilli Peppers, Slayer, Tom Petty), que é um cara cru, é justamente o oposto do que seria um George Martin. E tem o contrário do Rick Rubin, que é o Bob Ezrin (Pink Floyd, Alice Cooper, Kiss), tem um trabalho mais recente dele, uma banda que chama 30 Seconds To Mars, que é uma banda moderna, não tem nada demais, mas o conceito da parada é foda. Mas só o primeiro disco. O segundo é uma merda.

AT: Tem um americano que é demais, chama Mitchell Froom, o cara fez alguns discos dos Los Lobos que são fantásticos, como o Colossal Head (1996)... Ele e um outro, Tchad Blake, são muito bons, mas são da grande mídia. Aí, hoje em dia, quando se fala em produtor, nego "ah, porque Timbaland" (Nelly Furtado, Justin Timberlake), tá na moda falar do cara, de hip hop, mas não não se fala tanto de produtor de disco mesmo...

JC: Me lembrei de outra que eu queria gravar, seria a Bjork. Ela é louca demais, muito bom.

QUEM MERECE SER OUVIDO NA MÚSICA BAIANA

TM: (na lata) Lazzo Matumbi. Sempre. Ele tem uma das vozes mais incríveis que eu já ouvi. É tipo Ballof, esses caras, que tem uma coisa especial, o harmônico diferente, uma parada diferente.

AT: Pra mim, Armandinho. Que já foi bastante ouvido, mas todo mundo precisa ouvir aquele acara. Pra mim, ele é um Jimi Hendrix, impressionante, um gênio.

PAPEL DO PRODUTOR

AT: Eu acho que isso varia. Depende do trabalho, depende do artista... O bom produtor, o cara inteligente, vai saber se adequar a cada trabalho e mudar seu papel durante o mesmo trabalho. Tem trabalhos que você faz onde você é mais o observador da coisa toda. Você chega e aperta o botão de Stop. "Faça aí, que qualquer coisa, eu tô aqui". Esse é um papel do produtor. No outro extremo, tem vezes que você chega e faz tudo no disco. Você toca todos os instrumentos, todos os arranjos, nota por nota. É certo, é errado? Não. São papéis diferentes. Na maioria das vezes, com banda de rock como eu gosto de trabalhar, eu fico no meio do caminho. Eu tô ali trabalhando com a banda, como se fosse um integrante, só que, na hora da dúvida, "ah, isso vai acontecer ou não?", a palavra final é do produtor.

JC: Eu acho que é uma linha muito tênue entre o engenheiro de som, o produtor e o diretor musical. No fim das contas você acaba fazendo tudo. Se a banda for boa e sabe o que quer, você vira o engenheiro de som. Tem a banda que você vira o quinto ou sexto membro, vota com a galera para chegar uma conclusão mais prática, por que você tem uma visão de fora, já que foram eles que criaram a parada. E tem aquela banda que você vira o diretor musical mesmo, "tira esse refrão que tá muito grande, corta a metade, tira aqui, bota o especial depois"... Varia muito de caso a caso. As vezes o baterista precisa de mais atenção que o guitarrista.

EDITAIS

AT: Eu, particularmemnte, não faço produção executiva. Não gosto nem de me envolver nessa fase.

JC: Eu também me irrito profundamente com essas coisas. Odeio ter que me envolver em panelas brurocráticas, digamos assim.

TM: Eu arrumei uma pessoa pra fazer isso. (Risos). Eu tenho um sócio, a gente tem uma produtora e aí a gente tá começando a fazer. Chama Plataforma de Lançamento. A idéia é essa: pegar o artista emergente, no primeiro disco para mostrar a cara mesmo.

JC: Eu tenho um selo, mas não me meto muito na parte executiva, não. aTalho Discos. É mais pra lançar, ajudar no que for necessário, distribuição, essas coisas mas não me meto com edital, não rola, não.

AT: Eu não tenho paciência nenhuma com essas coisas, não procuro leis de incentivo, nada. Se alguém chega no estúdio, "ah, consegui, tal", ótimo, vamos gravar. Mas eu não vou atrás não.

IDÉIA PARA AS BANDAS NOVAS

JC: Diz para elas ensaiarem e buscarem a informação, que tá aí pra todo mundo.

TM: Vão estudar! Ouvir, ouvir...

AT: Escutar muito Beatles.

TM: Ouvir boas coisas. Tocar cada nota com consciência do que tá fazendo.

terça-feira, outubro 02, 2007

A HORA DA VERDADE PARA O "BEATLE FEIO"

Lançamento > Best Of de Ringo Starr oferece visão ampla de sua carreira solo, a menos conhecida entre as de todos os Beatles - e tira qualquer dúvida quanto à qualidade de suas músicas


Eles não eram chamados de Fab Four (Quatro Fabulosos) à toa. Todos conhecem bem a genialidade melódica de Paul, o carisma magnético do hitmaker John e a perfeita artesania pop de George. Mas e quanto à Ringo? Do que seria capaz o simpático "Beatle feio", além de balançar a cabeleira sentado no fundo do palco? Resposta: muito mais do que se poderia imaginar.


O fato é que Ringo tem a carreira solo mais obscura entre os quatro. Sua obra, iniciada pouco antes do apagar das luzes Beatles em 1970, com o álbum Sentimental Journey, suscita algumas perguntas. Ela está a altura do seu ex-grupo? Sobreviveu ao tempo? Ou é apenas mais um fetiche para beatlemaníacos?


A pergunta pode ser facilmente respondida com uma rápida audição de Photograph - The Very Best of Ringo: sim, o narigudo é o cara. São vinte faixas simplesmente irrepreensíveis e intactas pela passagem do tempo, selecionadas entre seus 14 álbuns de estúdio.


O negócio é que Richard Starkey (seu verdadeiro nome) sempre esbanjou classe, melodiosidade e bom humor em seus discos solo, além de que, boa-praça, soube se cercar somente dos grandes. Uma rápida passada de olhos nos créditos das faixas revela uma verdadeira seleção de monstros do rock, a começar pelos ex-colegas John Lennon e George Harrison.


Mas a lista é longa: Elton John, Eric Clapton, Billy Preston e Nicky Hopkins (pianistas clássicos do rock), Klaus Voormann (baixista de Lennon e artista plástico, autor da capa de Revolver), Stephen Stills (da banda Crosby, Stills, Nash & Young), Jim Keltner (baterista da The Band), Bobby Keys (saxofonista por excelência dos Stones), Harry Nilsson (cantor do hit Everybody's Talking, do filme Perdidos na Noite), Steve Cropper (guitarrista emblemático da soul music), Vini Poncia (que depois veio a se tornar Vinnie Vincent, guitarrista com passagem pelo Kiss), Peter Frampton e os irmãos jazzistas Randy e Michael Brecker, entre muitos outros.


Curiosamente, Paul McCartney é o único ex-colega de Beatles que não comparece aqui. Nos comentários escritos pelo próprio Ringo para cada faixa, ele destaca que Paul sempre teve o pé meio atrás com os outros integrantes, como ele conta no texto da faixa Early 1970: "Pela primeira vez, eu estava comentando (na letra da música) sobre a dissolução da banda e a atitude de Paul em relação à nós – quando ele estava processando todos os três".


Ainda nos anos 70, Ringo conseguiu fazer bastante sucesso em suas incursões solo, cravando alguns hits nos Top Ten da vida, como It Don't Come Easy (1971), Back Off Boogaloo (1972), Photograph (1973) e Oh My My (1973).


No fim dos anos 70 e durante boa parte dos 80, Ringo viveu meio em baixa, lutando contra o álcool e as drogas. Inspirado na boa fase de George Harrison a partir do álbum Cloud Nine (1989), produzido por Jeff Lyne (ex-Electric Light Orchestra), juntou-se a este último e Don Was. O resultado foi o álbum Time Takes Time (1992), um belo retorno depois de anos longe dos estúdios. De lá para cá, lançou outros bons registros, como Ringo Rama (2003) e Choose Love (2005).


Com sua voz grave, Ringo cometeu em sua carreira solo um belo punhado de canções de rock clássico muito bem influenciadas por country e soul.


A faixa-título da coletânea, Photograph, poderia estar em Let It Be. It Dont't Come Easy tem a cara de George Harrison (apesar de ser de Ringo mesmo). I'm The Greatest e (It's All Down To) Goodnight Vienna são da lavra de Lennon. Snookeroo foi um presente de Elton John. No-No Song é uma tiração de sarro com seu próprio vício: "Não, não, não / eu não (cafunga no microfone) mais / estou cansado de acordar no chão / não, obrigado, esse negócio só me faz espirrar / e depois fica bem difícil de encontrar a porta". King of Broken Hearts, uma das mais recentes (1998), é uma balada country triste e linda, com um toque melodioso de Paul. Never Without You é a tocante homenagem ao amigo George Harrison, então recém falecido (2001).


Mas e quanto à sua suposta ineficiência como baterista? Há controvérsias.

“Foi só quando tive uma banda cover dos Beatles que pude, enfim, compreender toda a complexa simplicidade da batida 4x4. Ao contrário do que falam, Ringo tocou com extrema desenvoltura. Ele dava as notas na bateria, fazia as batidas como se fossem melodias“, garante Ricardo Cury, ex-baterista da brincando de deus.


Thiago Trad, dono das baquetas da Cascadura, admite que conviveu com esse mito do “baterista fraco“ até uma certa idade, mas depois compreendeu o valor do narigudo: “Ele tinha um andamento foda – sentava a madeira mesmo. Foi ele que popularizou aquele som do chimbau aberto. Tem um monte de outras coisas que a partir dele se tornaram referências, como o praticável para a bateria no palco e os kits da Ludwig – objeto de desejo para 11 entre 10 bateristas. Para mim, ele sempre será um dos 10 melhores de todos os tempos. I wanna be Ringo! (Eu quero ser Ringo)“, brinca Thiago.


Como se vê, ele até podia ser o menos fabuloso entre os Fab Four – mas hoje em dia, isso é muito mais do que 99,9% de qualquer coisa que se ouça por aí...