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segunda-feira, abril 30, 2007

ARREGAÇANDO AS MANGAS + DROPS JETHRO TULL EM SP

The Honkers lançam primeiro CD, viajam à São Paulo e fazem show no Teatro Sitorne no dia 13 próximo com pernambucanos da Vamoz!

Joseph Goebbels, o marketeiro de Hitler, disse que, toda vez que ouvia falar em cultura, sacava logo sua arma. Anos depois, um conterrâneo lá dele, o brilhante cineasta Fritz Lang, rebateu a frase em um filme de Jean-Luc Godard, dizendo que, em vez da arma, sacava a carteira.

Aqui na Bahia, onde cultura e turismo se confundiram em uma única coisa amorfa, sorridente e inócua, a recomendação é sacar do bom senso e buscar, fora dos viciados esquemões manchados de dendê, o que há de interessante para alimentar cabeças mais arejadas e menos bitoladas nas coisas da terra.

Nos subterrâneos da capital baiana, formiguinhas dedicadas trabalham dia e noite (mais à noite) animando suas próprias festas, criando sua própria cena cultural, administrando suas próprias carreiras – sempre de forma independente e sem pedir licença, nem bênção, nem homenageando à quem quer que seja.

Ninguém ganha dinheiro com isso - pelo contrário, costuma-se perder - mas pelo menos, o pessoal se diverte adoidado. E nesse quesito - diversão - poucas bandas se equiparam aos fabulosos The Honkers.

Idealizada em 1997, fez seu primeiro show somente no ano 2000. De lá para cá, a banda lançou dois EPs, participou de coletâneas, rodou o Brasil e a Argentina fazendo shows e apareceu de cuecas na TV, durante um polêmico show no Festival de Verão de 2006.

Na verdade, foi só o vocalista Rodrigo Sputter Chagas que ficou de cueca, mas da destruição que se seguiu no palco, todos da banda participaram, cheios de amor para dar.

Agora eles estão de volta à estrada, finalmente lançando seu primeiro CD cheio, Roll Up Your Sleeves and Help Us Rock Up This Honker World. Em bom português, "Arregace as mangas e ajude-nos a balançar este mundo Honker".

São treze faixas, sendo as sete primeiras inéditas e gravadas ao vivo no estúdio. O restante saiu no EP Between The Devil And The Deep Blue Sea (2004, esgotado), com exceção de This is an Old World, lançada em single.

"O objetivo é de ser uma demo, mesmo. Foi tudo ao vivo no estúdio, senão perde o punch. Nosso som não precisa de maquiagem", dispara o guitarrista Felipe Brust, demarcando território.

Para lançar o CD, os rapazes viajaram na semana passada à São Paulo, onde cumpriram uma apertada agenda de quatro shows em três dias.

O primeiro foi quinta-feira na casa Funhouse. Na sexta, a banda foi à Campinas, onde tocou no Bar do Zé. No sábado, sessão dupla em São Paulo. De tarde eles animaram um pocket-show no Radio Clash, uma loja de discos na Galeria do Rock, e, à noite, quebraram tudo no Inferno Club, com os paraibanos da Zefirina Bomba e o DJ / produtor baiano Rogério Big Brother.

"E todos os shows com repertórios diferentes!", garantiu um post recente no fotolog oficial da banda (www.fotolog.com/thehonkers).

Em Salvador, o show de lançamento será no próximo dia 13 de maio, no Teatro Sitorne (Rio Vermelho), com participação da ótima banda indie pernambucana Vamoz!, que também estará lançando CD e DVD ao vivo.

Na mesma ocasião ainda será exibido em primeira mão o clipe da faixa People Love Hate, dirigido pelo premiado Alexandre Xanxa Guena.

Ainda esse ano, os meninos maluquinhos dos Honkers pretendem iniciar um projeto inédito no mercado fonográfico: gravar e lançar, simultaneamente, 5 CDs diferentes.

Repertório para isso eles já têm. Consta que Rodrigo Sputter, o vocalista desbandeirado que curte um semi-strip-tease no palco e é um leitor voraz de autores beatniks e marginais em geral, teria umas 300 letras rabiscadas e engavetadas.

"Tem um disco que é só de música bem pop e baladas. Um mais porradeiro, punk. O terceiro é no meio termo. O quarto é só de covers e o quinto, com músicas em português", descreve o baterista Dimmy O Demolidor Drummer.

Se esse é um projeto certamente impraticável para bandas estabelecidas nas majors e de vendagem garantida, que dirá para um grupo de garagem independente - e pior: oriundo da maldita e malquista cena rock soteropolitana.

Não à toa, o projeto custa a sair do papel, se arrastando há anos. "Esse projeto dos 5 discos surgiu em 2004, mas de lá pra cá a gente teve que repensar. A indústria, a conjuntura toda mudou muito. Mas de qualquer jeito, vamos entrar em estúdio para registrar todas as músicas do projeto original. Aí então é que vamos estudar a melhor maneira de implementá-lo", garante Brust.

Enquanto os cinco discos não vêm, o negócio é curtir o CD da hora. E que CD. Curto e grosso, percorrem-se suas treze faixas sem qualquer esforço.

É rock de garagem na veia, com suíngue e levadas para entortar o cangote de qualquer cristão, com muitas influências de Chuck Berry, rockabilly, garageiros dos anos 60 e 70, punk e até mesmo indie rock contemporâneo, como na citada This is an Old World, que parece ter sido surrupiada de alguma sobra de estúdio dos Strokes.

Os momentos mais dançantes ficam com She'll be my Little One, Devil Girl e Distorced Party (surf music de primeira). É música para se descabelar na pista de dança.

Let me Feel the Sun namora com o garage psicodélico dos anos 60, Where Do I Go é ska na linha The Specials e Between the Devil and the Deep Blue Sea é uma balada indie para casais de todas as idades dançarem juntinho.

Um belo disco e mais um golaço do rock baiano - cada dia melhor, apesar dos mil e um percalços e dificuldades.

The Honkers:
Rodigo Sputter Chagas: vocal
Felipe Brust: guitarra
Bruno Pizza Carvalho: guitarra
T612: baixo
Dimmy O Demolidor Drummer: bateria

Roll Up Your Sleeves And Help Us Rock Up This Honker World

The Honkers
2007
aTalho discos
R$ 15,00
http://www.myspace.com/thehonkers

Matéria publicada na capa (!) do Caderno 2 do jornal A Tarde de 29 de abril de 2007. Texto sem a edição do jornal, como pode atestar o enorme e inútil nariz-de-cera antes do lead.


DROPS FROM SÃO PAULO: JETHRO TULL
por Osvaldo Braminha Silveira

classe maxima o show do jethro tull ontem.com um credicard hall lotado, a ponto de neste domingo ter sido programado um show extra, ian anderson, junto com o extraordinaire martin barre, botaram pra fuder, mostrando que rock não é so atitude, é tambem musica de altissimo nivel,com virtuosismo em doses certas. da atual banda, destaque para a belissima e talentossisima violinista sino-americana anne marie calhoun. classicos tocados em novos arranjos, num show eletro-acustico, no volume certo, numa verdadeira explosão de musicalidade e emoção quando classicos como thick as a brick, sweet dreams e o encore locomotive breath foram tocados. anderson não toca mais de uma perna só, e a voz esta mais fraca, mas a a classe da banda e das composições transformam o show num evento memoravel. na plateia, muita gente mais velha, mas muita, muita garotada, mostarndo que o som do tull atravessou gerações mesmo. rock geriatrico? pode ser, mas bandas com o jethro tull ajudaram a transformar o genero em arte, e a arte é eterna.

sexta-feira, abril 27, 2007

VISÍVEL COMPETÊNCIA

Aos 25 anos de carreira, o Ira! lança o CD de inéditas Invisível DJ, dribla produtor suspeito e mantém credibilidade

Detratores e céticos vão ter que engolir, mas a verdade é que o Ira! conseguiu, mesmo tendo seu novo disco produzido por um dos homens mais suspeitos do mercado fonográfico brasileiro - Rick Bonadio - parir uma obra à altura do seu legado.

Bonadio, para quem não sabe, é o homem do selo Arsenal Music (filiado à Universal) e um produtor franco-atirador que lançou, além de algumas das piores bandas da história recente do rock brasileiro, como CPM 22, NX Zero e Hateen, armações como os grupinhos Rouge e Bros.

Daí o temor de que Invisível DJ, o novo CD do Ira! pelo Arsenal, descambasse para um lado excessivamente comercial.

Venceu o bom senso artístico da banda, contudo. Invisível DJ pode ainda estar longe do vigor criativo dos melhores álbuns do grupo, como Vivendo e Não Aprendendo (1986) e Psicoacústica (1988), mas, apesar de um ou outro deslize, o disco flui bonito e equilibrado, alternando os rocks mais agitados, típicos de sua produção, com algumas baladas "para tocar no rádio".

E são apenas nesses "momentos-balada" que o CD desnuda suas fragilidades. A começar pela discutível faixa de trabalho, Eu Vou Tentar, de Rodrigo Koala.

Considerado o novo hitmaker do rock brasileiro, Koala é o líder do Hateen e tem alguns sucessos gravados pelo CPM 22, como Um Minuto para o Fim do Mundo e Irreversível. Ele é o garoto de ouro de Bonadio.

Eu Vou Tentar, já devidamente lançada nas rádios e transformada em clipe pelo parceiro / fã Selton Melo, é, com o perdão do trocadilho, melosa de doer. Arrastada e com uma letra para lá de brega, é indigna de quem criou pequenas pérolas românticas como Flores em Você e Tarde Vazia.

"Essa faixa foi uma sugestão dele (Bonadio), mesmo. Mas na hora em que a ouvimos, percebemos que era possível transformá-la em uma música do Ira!", garante o guitarrista Edgard Scandurra em entrevista ao jornal A TARDE por telefone.

Segundo Scandurra, a relação com o polêmico produtor foi equilibrada. O fato de o Ira! ser uma banda com 25 anos de estrada contribuiu para que o parceiro não interferisse demais no processo todo.

"Conhecemos tanto o lado para o bem quanto o lado, digamos, para o mal do Bonadio. Tivemos liberdade total no estúdio e ficamos muito à vontade. Pô, temos 25 anos de banda, e ele acabou se revelando um admirador do nosso trabalho. O lado para o mal é que ele tem uma disciplina muito grande e cobra muito das pessoas que trabalham com ele. O disco foi 60% composto no estúdio, o que o deixou meio inseguro às vezes. Então ele vinha e nos mostrava trabalhos de outros caras, mas depois relaxou e conseguimos falar a mesma língua", descreve Edgard.

Foi aí, "mostrando o trabalho de outros caras", que surgiu a baladinha do Koala. "Ela [a música] veio atender às expectativas das rádios e do grande público. O Ira! é uma banda de rock, na qual as rádios, desde os anos 80, buscam o lado pop. Procuramos manter essa atitude rock, por que a intenção [das gravadoras] sempre foi transformar o Ira! numa banda pop, desde o nosso primeiro disco", explica o guitarrista.

O segredo do êxito artístico de Invisível DJ reside no equilíbrio que os integrantes da banda, macacos velhos, conseguiram impor no estúdio, superando as pressões do produtor. O disco exibe uma saudável convivência entre o som do velho Ira! e sonoridades mais contemporâneas.

"Eu credito esse equilíbrio a dois fatores: nossa maturidade como banda e ao mesmo tempo, uma disposição em continuar antenado, em trocar figurinhas com o pessoal das bandas mais novas. Temos um vasto repertório de influências e sonoridades de que lançamos mão, desde o som mod que é nossa origem, até o rock clássico, passando pelo pós-punk, o folk e o rock atual. Então tudo isso acabou por dar essa cara mais contemporânea ao CD", explica Scandurra.

E quem via Rick Bonadio como o bicho-papão do rock acabou por se surpreender: "Ele tem uma visão mercadológica, claro, mas também é capaz de ter uma visão artística, de conseguir produzir um CD como o do Ira! e deixar o som rolar, sem muita interferência", defende o guitarrista.

Quanto à turnê de lançamento, os fãs baianos terão chance de curtir o novo repertório ao vivo no 2º semestre. "Começamos em maio por São Paulo, depois vamos pro interior, e aí então tocaremos pelo Brasil todo. Nosso empresário está olhando para o Nordeste com muito carinho e no segundo semestre estaremos aí em Salvador", garante Edgard.

RESENHA INVISÍVEL DJ:
No Invisível DJ, diversas faixas representam uma visível evolução ao que o Ira! vinha fazendo desde o fraco Entre Seus Rins, último disco de estúdio, lançado em 2001.

A faixa-título resume bem o feito: riff marcante, levada contagiante, letra com a costumeira temática urbana, refrão grudento e as vozes de Nasi e Scandurra docemente entrelaçadas na mixagem. É o bom e velho Ira!, sem dúvida.

Sem Saber Para Onde Ir segue mantendo o CD em alta. É uma faixa-coringa: pode tanto se dar bem nas rádios quanto cair no gosto dos fãs mais exigentes - coisa que não é qualquer banda de meninos que consegue fazer.

A próxima faixa é a famigerada Eu Vou Tentar. Pula, pula. Mariana foi pro Mar, a faixa seguinte, é outro destaque do CD: conduzida por violão vigoroso, a música é um delicioso folk rock de letra sensível sobre uma menina que joga tudo pro alto e vai morar à beira-mar.

O disco segue, e Não Basta o Perdão lembra os bons tempos de Vivendo e Não Aprendendo. Culto de Amor vem em seguida. De Edgard e sua ex-esposa, Taciana Barros (ex-Gang 90), a faixa já havia aparecido em Amigos Invisíveis (1989), o primeiro disco-solo de Scandurra. Regravada, a baladinha não ficou nada mal.

Feito Gente é cover de Walter Franco e mantém o bom nível. Apesar do arranjo interessante, com piano e guitarras étereas, o mesmo não pode ser dito de Tudo de Mim, parceria do baixista Ricardo Gaspa e Scandurra. No Universo dos Seus Olhos é outro bom momento do CD, com levada bluesy à la Led Zeppelin.

A Saga retorna ao som mod do Ira! dos primórdios e chega a lembrar Pobres Paulistas (mas sem a suposta e exaustivamente negada xenofobia da faixa mais antiga). O Candidato não chega a convencer, mas também não compromete. A última faixa, La Luna Llena, é um experimento bem-sucedido em criar um som folk latino, com destaque para a ótima interpretação de Nasi.

Saldo final: não é o CD mais brilhante do Ira!, mas também não faz feio ao lado dos seus melhores trabalhos.

Matéria publicada no Caderno 2 do jornal A Tarde de 26 de abril de 2007. Texto sem a edição do jornal.

quarta-feira, abril 25, 2007

MICRO RESENHAS ESPECIAL LIVROS

Romeu & Julieta dos infernos
Galilee
Clive Barker
Bertrand Brasil
714 págs R$ 79
www.clivebarker.com

O inglês Clive Barker surgiu nos anos 80 como uma versão britânica, mais sanguinária e perversa de Stephen King. Após várias obras de sucesso como os filmes das séries Hellraiser e Candyman, quadrinhos e livros como O Jogo da Perdição, Os Livros de Sangue e O Desfiladeiro do Medo, chega ao Brasil seu livro mais recente, Galilee. Em linhas gerais, trata-se de uma versão macabra de Romeu & Julieta. Dois jovens de famílias riquíssimas, poderosas e com ligações com o sobrenatural se apaixonam. Esse amor proibido levará ao acirramento da rivalidade entre famílias e aí tome-lhe violência, escatologia, horror e destruição. Típico Barker: longo e escroto.

Vikings e índios em luta
Desbravadores
Laeta Kalogridis e Christopher Shy
Devir Livraria
152 págs R$ 42
www.devir.com.br

Desbravadores – Uma Saga Americana é uma HQ de fantasia épica baseada no filme de mesmo nome que estréia no Brasil no dia 27. 500 anos antes de Colombo, uma embarcação viking chega à América. O único sobrevivente da jornada pelo Atlântico foi um menino, que é encontrado por uma índia e adotado pela sua tribo. Anos depois, os vikings fazem nova investida para conquistar as terras do Novo Mundo, e o personagem principal, agora um jovem guerreiro, deverá fazer sua escolha entre defender o povo que o criou ou juntar-se aos bárbaros que tanto se parecem com ele mesmo. O filme de Marcus Nispel (que dirigiu o recente remake de O Massacre da Serra Elétrica) tem sido malhado sem dó nem piedade pela crítica, mas a HQ se salva pela belíssima arte pintada de Christopher Shy e o ritmo constante da narrativa. Boa opção de aventura jovem.

Lupa enfiada na lama
Afroplagicombinadoresciberdélicos: Afrociberdelia e plagicombinação nas letras de Chico Science e Nação Zumbi
José Henrique Freitas dos Santos
Quarteto Editora
R$ 20,00
www.cursoshumanidades.com.br

Fruto de alentada pesquisa, o livro Afroplagicombinadoresciberdélicos: Afrociberdelia e plagicombinação nas letras de Chico Science e Nação Zumbi, pode assustar o leitor não-acadêmico com seu título quilométrico. Contudo, apesar do jeitão de dissertação de mestrado (o que de fato, é), o texto de José Henrique Freitas dos Santos é plenamente acessível aos leitores minimamente letrados e interessados no tema em questão. No livro, o autor propõe que a música pop pode ser "um espaço estratégico para a formulação e difusão de conceitos para se pensar, hoje, a questão étnica no Brasil, uma vez que atinge um público jovem bastante amplo". Partindo de conceitos emprestados do próprio Chico Science (a afrociberdelia) e de Tom Zé (a estética da plagicombinação, lançada pelo compositor baiano no CD Com Defeito de Fabricação), José Henrique faz um passeio no novo mundo proposto pelos homens-caranguejo de Recife, analisando a cena manguebeat dos anos 90, radiografando não apenas os músicos e bandas, mas também as outras manifestações surgidas naquele momento, incluindo cinema, jornalismo, quadrinhos, moda e tecnologia. Um trabalho de fôlego que merece ser conhecido. Em Salvador, o livro pode adquirido apenas na Quarteto Editora (Av. ACM, 3213, Ed. Golden Plaza, sala 702, tel.: 3452-0210) ou na Humanidades Centro de Estudos (Av. Manoel Dias da Silva, Ed. Esplanada Avenida, sala 204, tel.: 3248-4944).

Micro-resenhas publicadas no Caderno 2 do jornal A Tarde em datas variadas.

segunda-feira, abril 23, 2007

BAIANOS NO HQ MIX 2007

HQ - De leve, com oito indicações, baianos vão chegando no Troféu HQ Mix, maior prêmio dos quadrinhos brasileiros

Aos poucos, os quadrinistas e entusiastas baianos das HQs vão chegando lá, aparecendo e ocupando espaços, mesmo que o reconhecimento local seja algo próximo do zero.

Uma prova é a lista de indicados ao 19º Troféu HQMix, o mais respeitado da área de quadrinhos e cartum do Brasil. São nada menos que 8 (oito) indicações para baianos - entre desenhistas, roteiristas, álbuns e até mesmo livros teóricos, sites e jornalistas especializados.

Os líderes baianos em indicações à premiação são o desenhista e cartunista Flávio Luiz Nogueira e o jornalista e roteirista Gonçalo Júnior.

Flávio concorre para Melhor Desenhista Nacional, Melhor Edição Especial Nacional (com O Messias, dele de Gonçalo) e Melhor Publicação Independente (com Jayne Mastodonte).

Gonçalo, que divide a indicação com Flávio por O Messias, aparece com mais duas indicações: Melhor Roteirista (O Messias) e Melhor Livro Teórico (com Benício: Um perfil do mestre das pin-ups e cartazes de cinema).

Antônio Cedraz aparece com uma indicação, para Melhor Álbum Infantil, com A Turma do Xaxado: Lendas e mistérios. Não custa lembrar que os leitores de A TARDE têm o privilégio de poderem ler as tirinhas do Xaxado todos os dias aqui no Caderno 2.

O jornalista Marko Ajdaric (que apesar do nome, é baiano) concorre na indicação Jornalista Especializado no Segmento. Marko assina o site e newsletter Neorama dos Quadrinhos (www.neorama.com.br).

A última e talvez a mais surpreendente das indicações é na categoria Melhor Site de Quadrinhos, para o Nostalgia do Terror (www.nostalgiadoterror.com). Gerado a partir da distante Itiúba (380 km de Salvador), o site é uma bela homenagem ao gênero que o intitula (leia mais no box).

O prêmio é organizado desde 1988 pela ACB - Associação de Cartunistas do Brasil, fundada pelos profissionais Jal e Gualberto Costa, com apoio do IMAG - Instituto Memorial das Artes Gráficas do Brasil, sediado em São Paulo.

As votações, restritas aos 1,2 mil membros cadastrados pela ACB, ocorrem durante todo este mês de abril, com auditoria do advogado Edwin de Brito, do Tribunal de Ética da OAB-SP.

A entrega do troféu aos premiados será no dia 11 de julho, no SESC Pompéia, em São Paulo, com apresentação de Serginho Groisman, do programa Altas Horas.

Entre os dias 10 e 20, haverá ainda uma série de palestras e debates com profissionais e jornalistas sobre o mercado de HQs no Brasil.

Como em todas as edições do HQ Mix, o troféu homenageia algum personagem dos quadrinhos nacionais. Este ano, o homenageado é o Cactus Kid, personagem do desenhista Renato Canini, que gozou de certa popularidade nos anos 70.

Para saber mais informações e conhecer todos os indicados ao Troféu, é só acessar o site www.hqmix.com.br.

FLÁVIO MULTIFACETADO - As três indicações (uma delas em parceria com Gonçalo Júnior) para o desenhista Flávio Luiz são um reflexo do alcance do trabalho deste soteropolitano irrequieto.

Sempre jovial, Flávio ainda concorre indiretamente na categoria Exposição, com Eu... Camisa 10, que rolou no SESC Interlagos em São Paulo, na época da Copa da Alemanha e teve dois trabalhos seus.

"Essa indicação para Desenhista é uma vitória da minha perseverança em querer ser respeitado como cartunista, apesar do desinteresse completo que sofremos por aqui. Fico muito feliz, independentemente de ganhar algum prêmio, pois a concorrência é forte", disse Flávio.

Ele tem razão. Somente na categoria Desenhista Nacional, Flávio encara pesos pesados de HQ brazuca, como Ivan Reis (que desenha Superman para a DC Comics), Lourenço Mutarelli (com o álbum Caixa de Areia) e os gêmeos - cada dia mais internacionais - Fábio Moon & Gabriel Bá (com o álbum Mesa para dois).

Isso, somente para citar os mais cotados, pois os outros concorrentes, Fido Nesti (Os Lusíadas em Quadrinhos) e Samuel Casal (Domínio Público), também apresentaram trabalhos de alto nível. É um páreo duro.

De qualquer forma, somente ser indicado em três categorias já tem um gostinho de vitória para Flávio. Especialmente a indicação à difícil categoria de Desenhista, que vem chamar atenção para a qualidade multifacetada de seu trabalho, que passeia do cartum cômico (como em Jayne Mastodonte), aos quadrinhos adultos (como em O Messias), passando pela charge, tiras, caricatura e trabalhos publicitários.

"Agradeço ao Gonçalo por apostar na parceria e à Lica e Marina (mulher e filha) pelo amor e paciência comigo", conclui.

SITE DE ITIÚBA É UM DOS MELHORES DO BRASIL

E quem diria: o interior da Bahia abriga o melhor site especializado em quadrinhos de terror do Brasil.

No Nostalgia do Terror (http://www.nostalgiadoterror.com/), fãs do gênero têm um vasto conteúdo de atrações para explorar a vontade, como galerias de capas com coleções inteiras de revistas clássicas dos anos 70 e 80, como Krypta, Capitão Mistério, Lobisomem, Drácula e Mestres de Terror - entre diversas outras que tiravam o sono da molecada - mais HQs escaneadas e em formato PDF, biografias, reportagens, galerias de imagens e contos.

Um verdadeiro baú onde está conservada a memória dos quadrinhos de terror no Brasil e um belo serviço em prol da HQ nacional.

O site é gerado a partir de Itiúba, a 380 km de Salvador e é editado pelo batalhador Ulisses Pinto de Azeredo e seu parceiro, conhecido apenas como Caveirinha Sombrio. "Apesar do cognome, ele existe", garante Ulisses, um soteropolitano ex-bancário e ex-gerente de loja de departamentos. Hoje ele é dono de uma pequena escola de informática na cidade.

O rapaz de 36 anos mantém o site com dinheiro do próprio bolso, pelo puro prazer de fazer algo relacionado aos quadrinhos. "Coloquei alguns anúncios do Google, mas só rende algo se clicarem, e até agora só rendeu R$1,95, acredite se quiser!".

Colecionador criterioso, Ulisses diz nem ter tantas revistas assim em sua coleção, "mas as que tenho são importantes para o cenário de HQ de terror em nosso país, pois muitas são antigas e viraram até preciosidades do gênero", conta.

Como seria de se esperar, Ulisses ainda é visto meio de esguelha pela população local, mas nos meios especializados em quadrinhos, porém, o Nostalgia do Terror já é comemorado como o melhor do seu gênero no Brasil. Sites como os conceituados Universo HQ e Blog dos Quadrinhos, veículo oficial do Portal UOL sobre o assunto, noticiaram a existência do site com entusiasmo e o recomendaram aos leitores.

E agora, até o conceituado Troféu HQ Mix, o mais importante do gênero no Brasil, reconheceu sua importância, indicando-o para concorrer na categoria Melhor Site de HQ. "É uma honra ser indicado a este prêmio, visto que é muito difícil obter incentivo no segmento, ainda mais radicado no interior. Não há espírito de colaboração, inclusive de certos profissionais... foi uma brincadeira que deu certo e com muitas madrugadas de trabalho...estou muito feliz com esta indicação!", disse Ulisses.

Não é para menos. No Nostalgia do Terror, mestres da arte seqüencial brasileira têm seu trabalho conservado e disponível para ser conferido pelas novas gerações. Monstros sagrados - alguns já falecidos - e carentes de reconhecimento popular como Jayme Cortez, Nico Rosso, Mozart Couto, Eugênio Colonnese, Antonino Homobono e Flávio Colin, entre muitos outros, têm alguns de seus melhores trabalhos ao alcance de um clique do mouse.

São diversas pin-ups, capas e histórias completas, escaneadas e prontas para ler no computador, com destaque para uma raridade dos quadrinhos nacionais: a HQ Garra Cinzenta, publicada entre 1937 e 1939 no periódico A Gazetinha. Escrita por Francisco Armond e desenhada por Renato Silva, a historinha é uma agradável mistura entre o terror e o (então nascente) gênero dos super-heróis.

E assim, Ulisses vai levando o site com seu próprio suor e dinheiro: "eu continuo aqui, firme e forte com o meu trabalho, que por muitos é valorizado. Tenho contatos em todo o país, através de artistas, editores e profissionais da área. De vez em quando, chegam até os convites para encontros sobre HQs", conta, orgulhoso - e com toda a razão.

Matéria publicada no Caderno 2 do jornal A Tarde de 21 de abril de 2007. Texto sem a edição do jornal.

sexta-feira, abril 20, 2007

NÃO&PROLIFERAÇÃO MANTÉM ACESA CHAMA PUNK ROCK

A Não&Proliferação, que faz punk '77 legítimo, toca amanhã

Como disse o poeta, as notícias sobre sua morte foram um tanto exageradas, pois o punk rock vive na periferia. A banda Não&Proliferação mantém viva a tradição do punk '77 em show amanhã, no Galpão das Artes no bairro do São Caetano, com participação da banda convidada Confusão, mais afeita à mistura de ritmos à Chico Science.

Para quem estranhou o nome, Não&Proliferação eram duas bandas diferentes, cada uma com uma metade do nome atual. A Proliferação surgiu no longínquo ano de 1984, em plena agitação da ascensão do Camisa de Vênus, fundada pelo artista plástico Eduardo Tadeu, um dos primeiros grafiteiros surgidos naquela época.

"Eu tocava na Revolta Suburbana, que era outra banda punk, e só entrei na Proliferação em 88. Como ela só tocava de caju em caju, criei outra banda, a Não, no início dos anos 90", conta Carlos Alberto, vocalista e guitarrista.

Eduardo Tadeu faleceu em 1996 e Dinho, baixista da Não (e também da Bosta Rala), também morreu pouco depois, durante uma infame batida policial na Gamboa de Baixo (Avenida Contorno), na qual faleceu ainda Morcego, que também era da Bosta.

Somente em 2005, após alguns shows esparsos, os remanescentes das duas bandas resolveram se juntar na Não&Proliferação. "A gente sempre teve essa vontade, mas não tinha muito tempo", conta Carlos, que é técnico em Eletro-eletrônica formado pelo SENAI e trabalha numa empresa que presta serviço para a fábrica da Ford.

Carlos, mais o baixista Henrique Simões e o baterista Dielson Portella gravaram então seu primeiro CD, Mordendo e Dando Coice, em apenas seis horas da sexta-feira de Carnaval de 2006 no Estúdio Clã, da Baixa do Bonfim. O disco apresenta 12 petardos punk cheios de contestação e ironia, na linha do Camisa dos primórdios, e poderá ser adquirido no local do show por apenas R$3.

No show de amanhã, o pessoal da N&P caprichou na produção, garantindo som de qualidade e um cenário composto por obras de artistas plásticos do bairro de São Caetano, como J.C. Barreto, Devarnier, Mendes e do falecido Eduardo Tadeu. Haverá ainda uma performance da artista plástica Vânia Lima.

Não&Proliferação e Confusão Show no Galpão das Artes (Rua Mário Lisboa Sampaio s/n, São Caetano, ao lado do Bompreço) R$ 3 e R$6 (com CD da Não&Proliferação) Sábado 16h

Matéria publicada no jornal A Tarde de 20 de abril de 2007. Texto sem a edição do jornal.

quarta-feira, abril 18, 2007

O RETORNO DO FILHO DA NOIVA DAS MICRO-RESENHAS

Mestres do soft rock ao vivo
DVD: In Concert
America
Warner
R$ 45,90
www.venturahighway.com

O grupo America, pioneiro do soft rock, voltou com tudo em 2006, quando lançaram Here and Now, álbum com músicas inéditas produzido pelo ex-Smahing Pumpkins James Iha e Adam Schlesinger, do Fountains of Wayne. A moral dos tiozões com a moçada do indie rock é tanta, que nomes como Ryan Adams e Ben Kweller também participaram do CD, que ainda conta com com covers do Nada Surf e My Morning Jacket. Neste DVD ao vivo gravado na Austrália também no ano passado, é possível conhecer as razões da adoração: belas canções folk rock, melodias vocais trabalhadas, clima estradeiro. Atenção para os hits A Horse With No Name (que muita gente confunde com Neil Young quando ouve pela primeira vez - inclusive eu), Ventura Highway e Sister Golden Hair.

Padrão hostilidade total
Are You Dead Yet?
Children of Bodom
Universal
R$ 30,50
www.cobhc.com
Os finlandeses do Children of Bodom (o nome é em homenagem ao mais famoso assassino serial daquelas terras geladas) chegam ao quinto álbum de estúdio com Are You Dead Yet?. Lançado lá fora em 2005, só agora chegou ao mercado em edição nacional - e sem a faixa-bônus Somebody Put Something in my Drink, dos Ramones. Não que o público-alvo dê a mínima. O que realmente importa já consta em altíssimo e bom som nas nove faixas do álbum: heavy metal escandinavo extremo, virtuosismo técnico, solos de guitarra executados à jato, bumbo duplo igualmente veloz, vocais guturais e sabor erudito nas melodias. Só para iniciados.

O primeiro manifesto ecológico
Livro: A Carta do Cacique Seattle
Escrito por Ted Perry, inspirado no discurso do Cacique Seattle
Versal Editores 80 págs. R$ 24,90 www.versal.com.br

"O grande chefe de Washington diz que quer comprar a nossa terra. Essa idéia é estranha para nós. Como é possível comprar ou vender o céu e o calor da terra? Se o ar fresco e o brilho das águas não nos pertencem, como podemos vendê-los"?

Se essas palavras não lhe soam estranhas, não se admire muito. Esse é o trecho inicial do famoso discurso do Cacique Seattle, chefe da tribo Suquamish, proferido em 1854 diante do governador do estado de Washington , quando este veio as terras dos índios no intuito de comprá-las.

Carregado da sabedoria natural das coisas da terra que só mesmo um índio poderia ter, o discurso é agora lançado no Brasil em uma primorosa edição ricamente ilustrada e em capa dura pela Versal Editores.

Na ocasião do discurso, o bravo Cacique, que já havia lutado em inúmeras batalhas pelo seu povo, sabia que recusar a oferta do presidente americano significaria, cedo ou tarde, o extermínio de seu povo.

Com o coração pesaroso, cedeu e retirou-se com sua gente para uma reserva indígena – mas não sem antes dizer umas verdades para o menino de recados de Washington.

E assim, nasceu o famoso discurso. Presente à ocasião estava o médico Henry Smith, que o verteu para o inglês a partir das anotações apressadas que fez ali na hora. 33 anos depois, em 1887, Smith publicou o discurso no jornal Seattle Sunday Star.

Mas foi somente quase um século depois, já na década de 1970, que o documento ganhou a dimensão de manifesto ecológico que lhe cabia.

Ted Perry, roteirista e diretor do Programa de Cinema e Cultura Midiática da Middlebury College, adaptou a versão de Smith e a distribuiu pelas faculdades americanas. Em plena era da efervescência hippie, o documento prontamente caiu no gosto da rapaziada, espalhando-se rapidamente pelo mundo.

Não é para menos. Em uma época em que a ameaça de auto-extermínio da humanidade é mais do que nunca real, vide o advento do aquecimento global, o texto adquire uma atualidade impressionante.

Valorizado pelo belo projeto gráfico e ilustrações de Luciana Gobbo, o discurso ganha ainda mais significado em trechos envolventes como este: "O destino é um mistério para nós. Não entendemos por que búfalos são mortos, cavalos selvagens são domesticados. (...) Onde está o bosque? Desapareceu. Onde está a águia? Foi embora. Sabem o que significa dizer adeus ao potro veloz e à caça? É o fim da vida e o começo da sobrevivência".

Micro-resenhas e matéria publicadas no jornal A Tarde em diversas datas que não lembro agora. Textos sem a edição do jornal.

sábado, abril 14, 2007

FAZ 40 ANOS QUE O SARGENTO PIMENTA ENSINOU A BANDA A TOCAR

Em 1967, um disco transformou o rock em grande arte

Essa semana, uma notícia agitou os fãs dos Beatles: deu no jornal The Times que, em comemoração aos 40 anos de lançamento do disco Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band (1967), uma seleção de bandas do novo rock britânico se reunirá no estúdio Abbey Road para regravar o LP, nos mesmos equipamentos analógicos em que o disco foi gravado.

Bandas como Oasis, The Killers, Razorlight, Travis e Kaiser Chiefs, entre outras, serão supervisionadas pelo mesmo Geoff Emerick que foi o engenheiro de som do LP original, lançado no dia 1º de junho de 1967.

Naquele ano, após quatro meses de "laboratório" nos estúdios da EMI em Abbey Road, Sargeant Pepper's caiu como uma bomba - não apenas na sociedade inglesa, mas no mundo inteiro.

ENCONTRO COM BOB - Tudo começou em Nova Iorque, em 1964, quando os Beatles se encontraram com Bob Dylan.

Já existia uma admiração mútua entre eles. Dylan, um músico essencialmente acústico, admirava as guitarras estridentes dos Beatles. Já estes últimos - especialmente John Lennon - admiravam as letras irônicas e socialmente conscientes de Dylan.

Quando foram a Nova Iorque, Lennon pediu ao jornalista Al Aronowitz que o apresentasse a Dylan. Este encontrou-os no Hotel Delmonico, e foi logo oferecendo um cigarro de maconha aos Beatles, que até então só usavam anfetaminas para virar as noites tocando nos shows e consideravam maconha coisa pesada, restrita a vagabundos e músicos de jazz.

Dylan riu e acendeu o tal cigarro, passando-o para Lennon, que passou para Ringo Starr, que fumou tudo sozinho. Mais cigarros foram enrolados, muitas risadas ecoaram pelos corredores do Delmonico e muitas idéias foram trocadas naquela noite.

Depois deste encontro lendário, Dylan adotou a guitarra elétrica, gerando álbuns fundamentais como Highway 61 Revisited (1965) e Blonde on Blonde (1966). Já os Beatles começaram ali a abandonar o iê iê iê e os terninhos pretos, partindo para caminhos totalmente diferentes e revolucionários, gerando álbuns como Rubber Soul (1965) e Revolver (1966).

Revolução que culminaria no mais ousado e extraordinário disco de todos os tempos: Sargeant Pepper's Lonely Hearts Club Band (1967), o LP que transformou o rock, até então considerado um gênero menor, em "grande arte".

CORETO - Em 1966, os Beatles estavam exaustos. E de basicamente tudo: das fãs histéricas que não paravam de gritar e sequer ouviam a música, da agenda lotada de apresentações, da correria, das músicas ingênuas do início da carreira.

Era hora de mudar, ou então seria o fim. Inspirado em uma bandinha de coreto, Paul McCartney surgiu, no final de 1966, com a música que seria o título do álbum, e foi logo sugerindo ao maestro George Martin, que produzia os discos dos Beatles desde seus primórdios, que fizessem um LP inteiro como se eles fossem a própria banda do Sargento Pimenta.

Martin se espantou com a proposta inusitada, mas encarou o desafio.

SWINGIN' LONDON - É preciso lembrar que, naquela altura, Londres era um verdadeiro caleidoscópio de criatividade em praticamente todas as áreas, sendo aquele período lembrado até hoje como Swingin' London.

A transgressão estava em toda parte: nas minissaias de Mary Quant, no movimento Free Cinema de Lindsay Anderson (If...) e Tony Richardson (A Taste of Honey) e nas figuras loucas que circulavam pela Carnaby Street, centro da psicodelia e de uma intensa vida noturna.

Era a época dos Animals de Eric Burdon e do Pink Floyd de Syd Barret, entre muitas outras bandas que marcaram a época. Londres respirava psicodelia nos clubes, ruas e parques.

Ainda assim e apesar de tudo isso, a capital inglesa ainda tinha características comuns à qualquer província, como uma classe média careta que achava tudo aquilo um absurdo - e as bandas de coreto que inspiraram Paul McCartney.

Todo esse momento histórico e suas contradições foram traduzidos pelos Beatles em Sargeant Peppers.

BARÔMETRO - Quando o disco foi lançado, foi um assombro geral. Nunca se tinha visto nada como aquilo. Era rock misturado com vaudeville, instrumentos indianos e cravos renascentistas, que por sua vez, faziam a cama para as orquestrações que evocavam um clima circense.

Tudo isso embalado por uma promiscuidade de geniais truques de estúdio engendrados por George Martin e Geoff Emerick, que sobrepunham tapes em reverso e interligavam gravadores, tudo para dar conta da criatividade desembestada dos Fab Four, então deslumbrados com as possibilidades do LSD.

O mais surpreendente é que, no fim, toda essa orgia sonora fez sentido - como nenhum outro disco até então fizera antes.

Na época, as letras foram consideradas pelo jornal The Times como um "barômetro dos nossos tempos". Um exemplo era a comovente She's Leaving Home, onde um casal de meia idade lamentava a fuga de sua única filha de casa: "O pai ronca enquanto a mãe veste o robe / e pega a carta ali jogada / Em pé sozinha, no alto da escada / ela desaba e grita 'papai, nosso bebê foi embora! / Como ela pôde ter agido tão impulsivamente / como ela pôde ter feito isso comigo?'".

Era ao mesmo tempo uma crônica do dia-a-dia e uma metáfora para a própria trajetória dos Beatles, que em breve deixariam a EMI para criar sua própria gravadora, a Apple.

Na capa do artista Peter Blake, igualmente genial, os Beatles posam em trajes de bandinha de coreto, em meio à diversas personalidades como Oscar Wilde, Bette Davis, W.C. Fields e Aleister Crowley, entre muitos outros.

Ópera - Existem muitas outras interpretações, histórias e anedotas que cercam esse monumento da música, coisa para encher uma enciclopédia.

"Sgt. Pepper's me soa como uma ópera psicodélica, com abertura, final e um coda" (seção conclusiva de uma composição), observa Sérgio Cebola Martinez, baixista da banda Berlinda e beatlemaníaco desde os cinco anos.

Outra autoridade local em Beatles, Fábio Cascadura, vai além e define o disco como "um divisor de águas. Não só o rock, mas a própria cultura ocidental se divide entre antes e depois de Sgt. Peppers. Ele não vai deixar de ser moderno nunca", arremata.

Matéria publicada no jornal A Tarde de 14 de abril de 2007. Texto sem a edição do jornal.

quarta-feira, abril 11, 2007

A SINFONIA DO SONHO FEBRIL

Air, o duo francês que embasbacou o mundo com Moon Safari (1998), está de volta com Pocket Symphony

A melhor e também a pior coisa que pode acontecer para um artista é lançar uma obra-prima. Ao mesmo tempo em que esta o alça a condição de "mestre", "gênio", "magnânimo", "necessário", ela também pode simplesmente acabar com sua carreira, fazendo com que toda a sua produção subseqüente se resuma a tentativas de superar aquele fugaz - e ao mesmo tempo, eterno - momento de genialidade. Claro que há exceções, mas estas, como se sabe, existem exatamente para confirmar a regra.

O Air, um duo francês surgido no enclave burguês de Marselha em 1995, formado por Nicolas Godin e Jean-Benoît Dunckel, meio que é um exemplo disto. Em 1998, após uma brilhante seqüência de singles publicados por selos de música eletrônica, eles lançaram seu primeiro CD, intitulado Moon Safari. Este excedeu - e muito - os ótimos singles anteriores com um álbum genial - desde o primeiro segundo de som até o último acorde.

Moon Safari, que ainda rendeu os hits Sexy Boy e Kelly, Watch the Stars, trouxe para o público todo um requinte europeu que conjugava o experimentalismo sexualmente perverso de um Serge Gainsbourg com influências de autores eruditos do século XX como Maurice Ravel e Erik Satie e a melancolia das trilhas sonoras de filmes italianos, aliada a uma pegada pop eletrônica absolutamente irresistível e de apelo universal - ainda que distante da pista de dança e mais afeita à sala de estar. Esse tempero eletrônico e o clima de sonho eram tirados do som de teclados vintage como Moog e Rhodes, remetendo à nomes como Vangelis e seu conterrâneo Jean-Michel Jarre.

O resultado dessa salada toda foram melodias que eram ao mesmo tempo confortáveis e inusitadas, causando uma estranha nostalgia, uma idéia de futuro ultrapassado, como um desenho dos Jetsons em slow motion. De forma genial, a música do Air conseguia ser tão etérea, leve - e necessária - quanto o próprio elemento que lhe dá nome.

Montados sobre tamanho elefante branco logo no início da carreira, só restava ao duo seguir em frente, tentando - ou não - superar o disco que os alçou à fama mundial.

A tentativa mais recente, intitulada Pocket Symphony - entregue-se logo -, não deu conta da hercúlea tarefa. Contudo, que bom que eles continuam tentando, e com isso, gerando mais e melhores álbuns do Air.

A novidade agora é uma maior aproximação com a música japonesa, já ensaiada desde o disco anterior, Talkie Walkie (2004), com a faixa Alone in Kyoto. Para isso, Godin aprendeu a tocar dois instrumentos de cordas básicos para a musicalidade nipônica: o koto e o shamisen. O ouvinte leigo dificilmente fará a ponte entre o som do Air e as escalas orientais ensaiadas em faixas como Mer du Japon e One Hell of a Party, tamanha a sutileza com que são utilizadas.

"Sutileza", aliás, é palavra-chave para entender o som de Nicolas e Jean-Benoît. Em Pocket Symphony, o Air nos traz uma música tão rica quanto econômica. Não há profusão de notas ou acordes emitidos a esmo, e sim, uma miríade de climas e harmonias meticulosamente planejadas para fazer o ouvinte flutuar no espaço - mesmo que esteja com os dois pés firmemente plantados no chão e nem faça uso de substâncias não recomendadas pela Constituição.

Os recursos eletrônicos são usados com parcimônia e elegância, cedendo a predominância aos instrumentos orgânicos como violões, pianos, percussões (sequer há bateria em todas as músicas) e os tais instrumentos orientais.

A música desses dois franceses alienígenas leva o ouvinte embora para um passeio, um suave navegar por um Mar do Japão imaginário, uma seqüência de paisagens de sonho.

Fãs antigos certamente não se decepcionarão. Todo o climão de sonho febril, as melodias a la française e o romantismo frio de robô de comercial de whisky estão de volta em faixas como Space Maker, Once Upon a Time e Left Bank.

Apreciadores do brit pop dos anos 90 terão uma razão a mais para curtir o álbum com a participação de Jarvis Cocker, o ex-líder do Pulp, em One Hell of a Party, cantando e na autoria da letra. Não é a melhor faixa do disco, mas na falta do Pulp, está valendo.

Música sensual e onírica é a marca do Air

O Air surgiu em 1995, depois que os estudantes de arquitetura Nicolas Godin e Jean-Benoît Dunckel, que tocavam numa banda chamada Orange, decidiram trabalhar juntos em um novo projeto.

Após lançarem alguns singles, botaram na rua seu primeiro álbum, Moon Safari (1998). Com o sucesso inesperado, passaram a ser requisitados para assinar trilhas sonoras de filmes (como As Virgens Suicidas, de Sofia Coppola), espetáculos de dança contemporânea, desfiles de moda e exposições de artes plásticas.

Em 2001, lançaram o segundo álbum, The 10,000 Hz Legend. Mais experimental, decepcionou um pouco quem esperava por um novo Moon Safari.

Em 2004, voltaram às boas com Talkie Walkie, onde faziam a ponte entre o experimentalismo árido de The 10,000 Hz Legend e o frescor criativo de Moon Safari.

Engana-se porém, quem imagina que o Air produz música new age para meditação. Os ares por onde flanam Nicolas e Jean-Benoît são bem mais excitantes do que um ouvinte desavisado pode imaginar.

A música para meditação pressupõe o esvaziar da mente para se atingir um determinado estado de relaxamento. A música do Air, ao contrário, povoa a mente do ouvinte com imagens oníricas de forma sedutora, sensual mesmo. Em suma: tem coisas que só os franceses podem fazer por você.

Matéria publicada no jornal A Tarde de 11 de abril de 2007. Texto sem a edição do jornal.

segunda-feira, abril 09, 2007

HUMOR À PROVA DO TEMPO E DA FERRUGEM

Editora L&PM lança na sua coleção Pocket coletânea dos melhores trabalhos do cartunista Angeli em sua revista Chiclete com Banana, registro definitivo de uma época

Nos anos 80, quem não gostava da revista Chiclete com Banana (absolutamente nenhuma relação com a banda), bom sujeito não era. Ou então era membro do TFP, PFL, PT, PMDB, PC do B ou qualquer outra siglazinha maligna. Desde seu primeiro número, lançado em maio de 1985, a Chiclete imediatamente se tornou o refúgio de anarquistas, inconformados e desconfiados de todas as correntes.

Em cada uma de suas tiras, HQs ou artigos em texto, o cartunista Angeli destilava, com brilhante maestria e o humor agressivo que o tornou famoso, toda sua raiva e desprezo contra tudo o que o irritava: políticos, o rock brasileiro da época, empresários, tribos urbanas, jornalistas, socialites, medalhões da MPB, a classe média, economistas, farristas e por aí vai.

Parte da sua inesquecível (e incrivelmente atual) produção da época é agora resgatada pela coleção L&PM Pocket, da editora gaúcha homônima. Primeiro foi Rê Bordosa - Do começo ao fim, lançada no ano passado. No início do ano, saíram Os Broncos também amam, Walter Ego - O mais Walter dos Walters e ainda em abril sai E agora são cinzas.

Os Broncos também amam é uma coletânea de historietas, textos e artigos ilustrados onde o cartunista desfiava sua visão daqueles anos de Nova República. Sem contar com os personagens fixos da revista, como os imortais Bob Cuspe, Rê Bordosa ou Os Skrotinhos, Angeli preenchia páginas e páginas mensais com suas observações do cotidiano brasileiro a partir da sua vivência em uma São Paulo cinza, esfumaçada, poluída e habitada por uma fauna mais do que exótica.

CRÔNICA - Como destaca o jornalista baiano Gonçalo Júnior no prefácio da edição, "assim como os cronistas e aventureiros que relataram suas viagens pelo mundo entre os séculos XVI a XIX, esse artista paulistano registra suas impressões do caos de um período fundamental para a história brasileira nos últimos cinqüenta anos: a década de 1980".

A afirmação é corretíssima. Até mesmo jovens que não viveram a época podem ter uma boa idéia do que foram aqueles anos apenas lendo a Chiclete com Banana. Estão lá, devidamente esculachados, todos os tipinhos inúteis (definição do próprio Angeli) que pululavam alegre ou melancolicamente pelos becos, bares, redações e lares brasileiros.

Para quem era adolescente, tinha espinhas na cara e se sentia marginalizado na escola naquela segunda metade da década, era praticamente uma religião abrir aquela revista em preto & branco, impressa em papel jornal e se deparar com artigos do quilate de Somos todos idiotas.

Era a própria vingança dos inconformados: "Muitos pensam que não, mas no meio cultural também existem muitos idiotas. Alguns deles com livre trânsito pelos meios de comunicação. Acham-se donos da verdade e da razão. Escrevem bestessélers, cantam para grandes multidões, são críticos implacáveis e se levam muito a sério. Pronto! Taí a idiotice!".

Ou então: "Não existe idiota que não goste de mexer com mulher na rua, aparar o bigode, comprar carro do último tipo, escutar rock carioca, grudar em gente famosa, falar alto em festas, namorar mulher mais alta, achar-se um sujeito genial, ler coluna social e, principalmente, fingir que não é tão idiota assim", estocava, com a precisão de um mosqueteiro dos infernos.

TURFE - Como se vê, a classe média, com sua eterna mania de grandeza e mentalidade tacanha, era um dos principais alvos do cartunista. Na historieta Todo homem tem direito a um peru, ele registrava a franca decadência econômica da burguesia na ressaca do Plano Cruzado.
No Natal do cidadão médio, não havia mais castanhas, nozes, presentes ou árvore decorada, mas (como todo idiota) ele insistia acreditando no Papai Noel.

Cartunista do jornal Folha de São Paulo desde aquela época, Angeli tinha na chamada intelligentsia paulista, representada principalmente pelos jornalistas Paulo Francis, Matinas Suzuki e Pepe Escobar, outro alvo preferencial para seus mísseis humorísticos.

Francis era o modelo - e também a obsessão - do personagem Benevides Paixão, um repórter medíocre que mofou durante anos na coluna de turfe, mas que sonhava em se mandar para o exterior e posar de colunista influente: "Odeio cavalos. Meu talento está acima de qualquer pangaré. É impossível a redação do jornal não reconhecer isso, porra! Não agüento mais bauru com Coca-Cola nesse sujinho aqui ao lado da redação. Meu negócio é Nova Iorque. O diretor do jornal prometeu pensar numa transferência. Estou ansioso", escrevia o iludido colunista de turfe em seu diário.

Segundo Gonçalo Júnior, esse personagem fez tanto sucesso, que virou até nome do Centro Acadêmico da Faculdade de Jornalismo da PUC-SP, tal era sua identificação com as primas-donas da Folha.

O rock 'n' roll posudo e colorido dos anos 80 também levava bordoada direto. Ora era o clima fútil das danceterias, como na genial historieta The Fate of mankind ("Berlim puro!") que era impiedosamente dissecado e ridicularizado, ora era a absorção do rock em si pela sociedade careta, como na sequência de charges A onda agora é esse tal de rock 'n' roll.

Numa das mais engraçadas, Angeli denuncia a mercantilização do estilo a partir da figura de três investidores da Bolsa de Valores. "Eu aplico no Open", diz o primeiro. "Eu, no Over", fala o segundo. "E eu, no rock!", arremata o terceiro.

Catalisador - Com seu humor inteligente e ao mesmo tempo acessível, direto e incisivo, Angeli fez escola, abrindo caminho para sua própria geração e influenciando decisivamente a leva seguinte de cartunistas e quadrinistas brasileiros.

Pouco depois da Chiclete com Banana, foram lançadas nas bancas as revistas Circo, Geraldão e Piratas do Tietê, sendo as duas últimas, dos colegas Glauco e Laerte, hoje tão medalhões do humor gráfico e urbano quanto o próprio Angeli. Na década seguinte, surgiriam nomes como Adão Iturrusgarai e Alan Sieber, clara e declaradamente influenciados pelo paulistano eternamente em crise.

Adão foi tão puxa-saco (no bom sentido) do trio, que acabou convidado para se integrar ao grupo Los Tres Amigos, o grupo de pistoleiros mexicanos formado por Angeli, Glauco e Laerte, em diversas HQs criadas coletivamente.

Hoje, vista com a perspectiva de vinte anos passados, é possível dizer que a Chiclete com Banana foi para os anos 80 o que o Pasquim foi para os 70: o último refúgio da sensatez, o centro do inconformismo, o último bastião do jornalismo descomprometido com a notícia, mas comprometido com a crônica do seu próprio tempo. O squat definitivo dos outsiders. Sem Angeli, os anos 80 teriam sido ainda piores, muito piores.

Matéria publicada no jornal A Tarde de 7 de abril de 2007. Texto sem a edição do jornal.

sexta-feira, abril 06, 2007

FESTIVAL NO PAU DA LIMA REÚNE NATA DO UNDERGROUND BAIANO

Bosta Rala, Os Carniça, Ecos & Sussurros, Os Gralhas, Insurgentes e mais 5 bandas se apresentam hoje no Rock Underground Festival 2007.

Não é novidade para ninguém que rock na Bahia sempre foi uma coisa subterrânea, relegada ao desconhecimento do grande público, aos esquemas amadores e tratada a pontapés pelo empresariado local, classe que chega a ter urticárias só de ouvir falar no tal do "rock baiano". Apesar disso, bandas como Cascadura, Ronei Jorge & Os Ladrões de Bicicleta e Retrofoguetes seguem com suas carreiras, comendo pelas beiradas e ganhando o público aos poucos - na raça e no talento.

O que menos gente ainda sabe é que, sob esse underground, existe uma outra camada ainda mais subterrânea: a das bandas de rock do subúrbio, off-circuito do Rio Vermelho. São essas bandas - nove delas para ser mais exato, que agitarão o único evento de rock da cidade nesta Semana Santa: o Festival Rock Underground 2007.

Esses anti-heróis, que vivem à margem da margem, são hoje o que há de mais legítimo dentro de um estilo que, em suas representações mais expostas, vive hoje o dilema de ou se tornar mais palatável ao gosto do grande público ou bater pé e continuar tocando para as mesmas 50 pessoas até o fim da vida.

No subúrbio, isso não existe. Ninguém faz concessão. O radicalismo começa nos próprios nomes de algumas das bandas que vão tocar no festival. Atenção para a chamada: Bosta Rala, Os Carniça, Insurgentes, Ecos & Sussurros, Os Gralhas, Almas Mortas, Declinium, Memórias de P.A.N e Insetos S.A."Os nomes são exatamente para diferenciar daquelas coisas adequadas ao gosto médio. É uma forma de protesto. Enquanto fica todo mundo falando de amor, o povo tá na miséria", afirma Kojak, vocalista da Os Gralhas.

Muito bem estruturado, o festival será realizado em um grande espaço com área coberta e capacidade para três mil pessoas no bairro do Pau da Lima, com bar, lanchonete, banheiros decentes, camarote para o público, camarim para as bandas e, segundo a organização do evento, policiamento ostensivo dentro e fora do local, além do ingresso a preço popular (R$ 4).

"Aqui no bairro não tem quase nenhuma oportunidade de fazer esse tipo de programação cultural. O que a Bahia precisa entender é que rock é cultura também", reivindica Jairo Bahia, um dos organizadores do evento e integrante da Insurgentes.

As nove bandas seguem estilos mais ou menos distinto, o que também garantirá uma certa diversidade na seqüência das atrações. Tem desde o hardcore grind da Bosta Rala (provavelmente a mais antiga banda do festival) ao gótico anos 80 do Ecos & Sussurros, passando pelo punk '77 da Insurgentes e a surf music d'Os Gralhas.

Há ainda Os Carniça, uma banda "sem definição da base instrumental, mas que vive na convicção da causa anarquista", garante Wander Esquivel, outro membro da organização.

Quanto a cena rock local, Wander acha que "tá fluindo legal, há pessoas novas no cenário. Mas está faltando mais compreensão das músicas, viver a mensagem que há nelas para não continuar essa diversão que rola na cena rock 'n' roll de Salvador de forma inconsequente", reflete.

Ouça algumas das bandas e saiba mais sobre o Rock Underground Festival 2007 no site:
http://www.romeurodrigues.com/festivalrockunderground/

Rock Underground Festival 2007
Hoje, no Espaço Axé, a partir das 15h. (Rua Direta do Colina Azul, pertinho do Bompreço)
R$ 4

Matéria publicada no jornal A Tarde do dia 6 de abril de 2007. Texto sem a edição do jornal.

quinta-feira, abril 05, 2007

QUANTO VALE ESSE HYPE?

A banda inglesa The Long Blondes tem seu primeiro álbum lançado no Brasil pela Trama. Queridinha dos críticos e com pose de manifesto fashion, a banda é um dos hypes do momento. Mas e a música? Vale essa frescura toda?

Ao contrário do que se possa pensar, o rock vive de hype não é de hoje. Elvis, a beatlemania, a british invasion, a psicodelia hippie. Tudo isso foi hype - antes mesmo da chegada dos anos 70, com o punk e a onda disco.

A grande diferença para os hypes daqueles tempos para os de hoje em dia são na verdade, dois fatores importantes: a internet - que naquele tempo não havia, e a originalidade - que, no tempo de hoje, não há mais.

A cultura pop é um grande supermercado de referências, enlatadas e prontinhas para serem utilizadas da melhor (ou pior) forma possível. E aí elas se cruzam, se misturam, se peneiram, se refogam e se servem ao gosto do freguês. Com ou sem molho para você?

Tudo isto pode ser facilmente confirmado ouvindo-se uma banda como The Long Blondes, que acaba ter seu primeiro disco, Someone to Drive You Home, lançado no Brasil pela Trama. Natural de Sheffield, lar de gigantes do pop inglês como Human League e Pulp, esta banda surgiu há pouco mais de 2 anos e logo chamou atenção dos chamados jornalistas "pilheiros", por conta de suas garotas estilosas, roupas chiques e apresentações festivas. Ah, e tem a música também.

De fato, esta não é das piores. Mas o que ocorre é que o Long Blondes é, a exemplo das 99,9% das bandas de sua geração, uma banda de singles, e não de álbuns. O que equivale a dizer que, isoladamente, ela tem algumas canções muito boas para baixar, ouvir na balada e até mesmo para dançar com a vassoura em casa. Mas por inteiro, o disco não chega a convencer - não fecha, por assim dizer.

O som em si não é nada que já não tenha sido feito antes - e melhor, mas quem está preocupado com isto?

Com os dentes cravados na jugular do pós-punk e da velha new wave, lembra bastante o primeiro Elastica (1995) e mais recentemente, as estréias dos Strokes (2001) e Franz Ferdinand (2004). A diferença é que todos esses são (bem) melhores do que o debut do Long Blondes.

Não chega a ser um disco ruim, longe disso. Tem pelo menos, 4 ótimos momentos. O resto é mediano. Uma outra banda inglesa recente e hypada, o Kaiser Chiefs, tem uma música em seu segundo (e mediano) disco cujo título resume bem o caso Long Blondes: "Nowadays, Everything is Average". Em bom português, "Hoje em dia, tudo é mediano".

Belo Verniz - O que pega é que as aspirações (ênfase em ?pirações?) do pessoal de Sheffield não são poucas. No seu site, o texto biográfico denuncias suas obscuras intenções de soarem como "The Slits tocando Roxy Music ou Donna Summer recitando as obras completas de Harold Pinter", ente outras referências mais ou menos sofisticadas como Nico, Nancy Sinatra e Diana Dors: "sexies e literatas", como está definido no texto.

Um belo verniz. Para deslumbrar universitárias saltitantes, sem dúvida - mas difícil de engolir quando já se passou dos trinta.

O CD abre com a guitarra apitando em Lust in the movies, um rockão divertido e dançante que lembra Franz Ferdinand. A faixa seguinte, Once and Never Again, é talvez a melhor do disco e tem também o refrão do ano: "Dezenove anos /você só tem dezenove anos / pelo amor de Deus / você não precisa de um namorado".

Em Only Lovers Left Alive e Giddy Stratospheres, a banda consegue criar mais dois momentos memoráveis no CD, com refrões gostosos de cantar junto.

A partir daí, disco segue regular - sem muitos altos, mas também sem baixar o nível em nenhum momento. O Long Blondes conseguiu uma estréia razoável e tem tudo para ser uma grande banda: uma ótima cantora (Kate Jackson), um guitarrista afiado e também bom letrista (Dorian Cox), um baterista decente (Screech Louder) e mais duas meninas que seguram a onda na guitarra-base e baixo (Emma Chaplin e Reenie Delaney, respectivamente.

Eles têm o visual, as referências e o potencial para ainda chegarem "lá" no som. A dúvida agora, com o ritmo de produção da fábrica de hypes cada vez mais acelerado, é uma só: eles terão tempo para isso?

The Long Blondes: Kate Jackson (vocal), Dorian Cox (guitarrista), Emma Chaplin (guitarrista), Rennie Delaney (baixista), Screech Louder (baterista).

Site: http://www.thelongblondes.co.uk
MySpace:
http://www.myspace.com/thelongblondes

Matéria publicada no jornal A Tarde de 5 de abril de 2007. Texto sem a edição do jornal.