Ô dona Folha, dá licença, mas essa matéria aqui eu faço questão de passar adiante. Nem gosto do Marcelo D2, mas fiquei até emocionado qdo li essa matéria do senhor Pedro Alexandre Sanches. Já passou da hora de alguém se levantar contra essa babaquice de ficar gravando acústico e "ao vivo", recurso artístico dos mais covardes que conheço. Leiam e vcs vão entender.
16/07/2004 - 08h01
Bêbado, D2 afronta caretice MTV
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Folha de S.Paulo
Você nunca verá nem ouvirá o "Acústico MTV" de Marcelo D2, ao menos não como ele foi gravado anteontem, em primeira sessão, em São Paulo. É que, de acordo com definições convencionais, deu tudo errado.
O rapper carioca bebeu cerveja sem parar, errou a letra na hora de cantar "Loadeando" com seu filho Stephan, irritou-se com a ordem da MTV de repetir boa parte das canções. Ao saber que devia começar tudo de novo, fez cara de desapontamento e correu para fazer xixi, dispersando o grupo de músicos sambistas, rappers, violonistas MPB, até uma orquestra de cordas que ia ficando embevecida com a rebeldia antipop do líder da gandaia. Sob o pretexto da bebedeira, comandou um show de sabotagem e auto-sabotagem.
O que estava em curso era um legítimo embate roqueiro. A MTV é ágil e moderna, mas tem submetido artistas brasileiros também ágeis e modernos ao formato disciplinado, careta, pseudo-sofisticado do sucesso comercial que é a grife "Acústico".
Mesmo sem querer, o indócil D2 deu o troco à MTV. Reagiu ao "quadradismo dos seus versos", com diriam Antonio Carlos & Jocafi, que ele gosta de samplear. "É mentira", cantavam as vocalistas, citando o rebelde Marcos Valle.
D2 tem apenas dois discos solo. Um deles é "À Procura da Batida Perfeita" (2003), um dos mais importantes trabalhos musicais do Brasil recente. O natural era que seu sucessor fosse um disco de volta do Planet Hemp, sua banda, e não mais um solo feito de reprises em formato acústico. D2 aceitou fazê-lo, de comum acordo com os conglomerados comerciais Sony Music e MTV. Mas na hora H a receita desandou.
O desenho de palco era inovador; o público se dispunha em arquibancadas tipo teatro Oficina, proibitivas para dança e movimento; playboys paulistanos presentes não tinham nada a ver com o subúrbio colorido que dá razão de ser ao Planet e a D2.
Pouco a pouco, ia ficando explícito o desinteresse manso do artista pelas novas versões de seus samba-raps. Derrubou a caneca de cerveja no chão em que dois bailarinos de hip hop faziam evoluções comoventes de tão rebuscadas. Impacientou-se com o ponto eletrônico que devia veicular broncas colossais --tirava-o do ouvido, levava mais bronca.
Já embriagado, disse que a maconha estava liberada no recinto, levando à ira uma das produtoras frenéticas que se desesperavam com o descontrole.
Obrigado a regravar (mesmo sem condições), convocou de volta ao palco o gênio maluco do piano João Donato, que em cumplicidade com seu fã forjou uma genial improvisação estendida por minutos incontáveis --tudo que não caberia num programa de TV cheio de regras e contra-regras.
Frases ébrias iam entregando o ouro aos bandidos que gostam de música nova e inventiva, não de formatos engessados. "Eu sou do Rio de Janeiro, pô." "Não sou daqueles caras que quer vender disco, não." "Isso é um programa de TV, mas ninguém está aqui para mostrar a bunda." "Sabia que não podia ficar bebendo, porque fico emocionado."
Foi triste? Foi. Bebida é porcaria e faz mal a D2? Faz. Mas não era só isso. Em seu descontrole, D2 cantava fora do microfone, pedia liberdade, desobedecia vozes castradoras de autoridade, como fez a vida toda. Não quis se deixar domar pela caretice dos outros, esse tem sido sempre seu jargão.
Se alguém tinha que se enquadrar ali era a MTV, não o artista --nervoso, o povo da TV talvez nem tenha percebido a linda roda que se formou ao final, as vocalistas gentis sambando descalças para apoiar o líder rebelado. O conflito está posto à mesa, vivas à música e à arte do Brasil.
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