Gênio revolucionário do tango faria hoje 90 anos
Há muito tempo atrás, em uma galáxia muito, muito distante, havia um ditado popular que rezava: “Na Argentina, tudo pode mudar – menos o tango”.
E foi assim.
Até que um rebelde se insurgiu e mudou tudo. Nascido há exatos 90 anos em Mar del Plata, o genial Astor Pantaleón Piazzolla (1921-1992) dividiu a história do tango em antes e depois dele mesmo.
Música eminentemente popular, o tango surgiu nos bordeis do Uruguai e da Argentina, no final do século XIX, e se caracterizava pelo intenso apelo emocional concentrado na figura do crooner, o cantor de cabelos gomalinados, cravo na lapela e não raro, chifres na testa. Com Carlos Gardel (1890-1935), o tango ganhou seu primeiro grande ídolo de massa e alguma sofisticação.
Mas foi com Piazzolla que o tango deixou de ser só popular para se tornar também erudito, jazzístico, complexo, libertário e revolucionário. Os puristas argentinos, a princípio, odiaram suas inovações. Mas o resto do mundo amou sua música – e o reconheceu como um gênio.
“Astor Piazzolla foi o compositor que levou mais longe o diálogo entre popular e erudito, além de ser um compositor inspirado e um instrumentista excepcional”, diz o violonista carioca Thomas Saboga, do Quarteto Impressons, fortemente influenciado pelo argentino.
Inovação no contraponto
“Por eu me identificar com a sua forma original de ver a música, de se aproximar dela e de manipulá-la, é Astor Piazzolla a minha maior influência”, admite.
Já o gaúcho Guilherme Bertissolo, doutorando da Escola de Música da Ufba, crê que sua maior inovação, pescada da música clássica de Johann Sebastian Bach (1685-1750) foi a adoção do contraponto.
“O contraponto é uma textura musical que traz uma simultaneidade de linhas melódicas interdependentes e autônomas”, explica. “Isso trouxe uma grande renovação no tango. Nos quintetos dele, os instrumentos tinha uma grande liberdade de execução, sempre influenciados pelo contraponto”, aponta.
Filho de italianos, nascido na Argentina, criado em Nova York – para onde seus pais emigraram quando ele tinha 3 anos –, Piazzolla era um erudito apaixonado pela música popular.
Educadora francesa foi essencial no direcionamento de Astor Piazzolla
Em sua biografia, Piazzolla tem pelo menos dois momentos cruciais, que o marcariam para sempre. O primeiro foi em 1938, quando assumiu a linha de frente, como arranjador e bandoneonista, da orquestra de Anibal Troilo, o que lhe garantiu notoriedade local.
O segundo momento – e certamente aquele que definiu a revolução que ele promoveu – foi seu encontro em Paris, em 1952, com a compositora e diretora de orquestra Nadia Boulanger (1887-1979). (A foto ao lado é documento justamente deste encontro).
Piazzolla, então com 31 anos, havia ganhado uma bolsa para estudar harmonia e música erudita com Boulanger, uma das maiores educadoras musicais de todos os tempos, ex-aluna de Sergei Rachmaninoff.
“Nadia Boulanger foi professora de (Karlheinz) Stockhausen, Quincy Jones e Philip Glass. Do Brasil, ela teve como alunos Egberto Gismonti e Almeida Prado, compositor morto em 2010”, diz Bertissolo.
Cadê você, Astor?
Consta que, quando Piazzolla mostrou as partituras com suas composições para a Boulanger, ela disse: “Está tudo muito bem escrito. Aqui eu vejo Stravinsky, Bartók, Ravel, mas sabe de uma coisa? Só não vejo Piazzolla”.
Foi Boulanger quem encorajou o argentino a deixar o piano de lado, assumir como instrumento o bandoneon e se voltar para a música do seu país – mas para renova-la, com o rigor do erudito e a liberdade do jazz.
“Nadia era famosa por fazer isso com vários compositores. Ela chegava e dizia ‘olhe para a música do seu país’. Dizem que ela fez a mesma coisa com o Gismonti. Mandou ele voltar para o Brasil e fazer a música brasileira”, conta Bertissolo.
Homenagens pelo Brasil: aqui, Instituto Cervantes prepara show
O Brasil não esquece do gênio hermano. Aqui e ali, algumas homenagens aos 90 anos de Piazzolla surgem para não deixar a data passar em branco.
Em Salvador, o Instituto Cervantes (Ladeira da Barra) prepara concerto com o bandoneonista virtuose Hugo Satorre, líder do grupo Quatrotango, que acaba de lançar um CD-tributo: Quatrotango Plays Piazolla.
“Este ano teremos três eventos de uma série denominada Tanguíssimo. Um deles será esta homenagem à Piazzolla, com o Quatrotango”, conta Alberto Tuá, gestor cultural do I.C.
“Inclusive, estamos reformando o auditório do Instituto e este deverá ser o evento de reinauguração. Assim que fecharmos a data, divulgaremos à imprensa”, acrescenta.
Já em São Paulo, o bandoneonista argentino Rodolfo Mederos e a Orquestra Sinfônica Municipal fizeram uma noite de gala no SESC Pinheiros, no último dia 3, sob a regência de Marcelo Ghelfi.
A outra homenagem mais significativa vem do Centro-Oeste: em novembro, a Orquestra Estadual do Mato Grosso receberá o bandoneonista Carlos Corrales para dois concertos no Cine Teatro Cuiabá, nos dias 5 e 6.
Piazzolla imperdível
Libertango: Tensa, apasionada, com bateria nervosa (ênfase no contratempo) e guitarra elétrica, é uma de suas músicas mais belas e conhecidas. Lançada em 1974, uma provocação aberta à ditadura porteña.
Adiós Nonino: Composta ao lado do leito de morte do seu pai, Vicente Nonino Piazzolla. De cortar os pulsos, de tão linda. “A mais bela melodia que escrevi. Estava rodeado de anjos”, disse Piazzolla.
Jacinto Chiclana: Piazzolla toca para Edmundo Rivera (tremendo vozeirão) recitar versos de Jorge Luis Borges. Precisa dizer mais?
Blog (que, nos seus primórdios, entre 2004-05, foi de um programa de rádio) sobre rock e cultura pop. Hoje é o blog de Chico Castro Jr., jornalista formado pela Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia. Atualmente, é repórter do Caderno 2+ do jornal A Tarde, no qual algumas das matérias vistas aqui foram anteriormente publicadas. Assina a coluna Coletânea, dedicada à música independente baiana. Nossa base é Salvador, Bahia, a cidade do axé, a cidade do terror.
6 comentários:
Parem as rotativas!
Ppode parara, paaaara tudo!
http://www.omelete.com.br/musica/paul-mccartney-no-rio-de-janeiro-em-maio/
Cê que não foi, bestão, proveita aí...
Miguel Cordeiro
bela matéria, Chico! e lendo seu texto lembrei que assisti Piazzolla no Teatro Castro Alves, se não me engano, em 1977, onde ele fez um showzaço de pegada elétrica com o seu bandoneón detonando puro fusion. e acho que ele voltou ao mesmo palco em 1986.
ah, mas isso era uma outra Bahia num outro Teatro Castro Alves, que atualmente recebe por diversas vezes em seu palco a genialidade do pernambucano Otto...
chicón, cometi mais uma traquinagem no fim de semana de carnaval
teclas pretas | "vaudevida" [webvideo]
http://www.youtube.com/watch?v=RRX8ZnR_E2Y
GLAUBER
piazzolla, mestre...devo a ti o fundo musical de uma das melhores transas da minha vida...
cláudio moreira
Belíssima traquinagem psicodelicamente derretida! Massa, Gláuber!
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