O documentário Guidable - A Verdadeira História do Ratos de Porão sai em DVD. Precisa dizer que é imperdível?
Eles são, muito provavelmente, a representação mais significativa do punk rock brasileiro e um dos artífices, como outras bandas ao redor do mundo, do principal subgênero do punk: o hardcore. Ainda assim, são poucos aqueles que lhes atribuem a devida importância.
Lançado há pouco tempo no circuito alternativo de salas de cinema (não em Salvador) e recentemente em DVD, o documentário Guidable - A Verdadeira História do Ratos de Porão, vem oferecer, finalmente, a real dimensão da importância e representatividade da banda liderada pelo popular João Gordo.
“Desde que eu comprei minha primeira câmera, em 1995, eu filmava tudo do Ratos”, conta João, por telefone. “E há alguns anos eu queria fazer uma compilação desse material, mas ainda não tinha rolado”.
A oportunidade surgiu quando ele conheceu o cineasta de filmes de terror trash Fernando Rick. “Ele é tipo um jovem Zé do Caixão, faz umas coisas bem extremas. Em 2006, pedi para ele fazer um clipe para a gente, da música Covardia de Plantão, que tem cenas reais de um cara sendo linchado. A MTV se recusou a passar”, diverte-se.
Black Vomit
João, claro, gostou da pegada brutal do rapaz, que responde pela produtora de filmes trash Black Vomit. Daí para o convite de realizar um documentário sobre a banda, foi um pulo.
Ou melhor, um pogo (a dança típica dos punks rockers). A empreitada, duríssima e realizada com um orçamento ínfimo, logo contou com outro aliado a bordo: Marcelo Appezzato, como co-diretor, pesquisador e entrevistador.
O resultado foi um senhor documentário de 120 minutos, com entrevistas com todos os integrantes (ex e atuais) e muitas imagens de arquivo.
Em Guidable - A Verdadeira História do Ratos de Porão, não há censura, rodeios ou meias-palavras. Drogas, brigas, pirraças e loucuras são vistas e resgatadas de forma direta. “Guidable só passou em cinemas alternativos”, conta João Gordo. “Quem viu gostou, porque é super engraçado e não tem papas na língua”.
“Quem viu gostou, por que é super engraçado e não tem papas na língua. Eu cito como exemplo (do contrário disso) o documentário dos Titãs (A Vida Até Parece Uma Festa, 2008): os caras tudo bicudo e ninguém toca no assunto! O nosso, não: ficou uma coisa bem espontânea, para dar credibilidade”, diferencia.
E deu mesmo. Entre outras cenas mais ou menos “pouco enaltecedoras”, é possível ver João Gordo & Cia fumando crack, cheirando cocaína e xingando-se mutuamente.
O clima nos camarins era tão bagaceiro que, para os desavisados, há uma cena digna de Scarface (1983): diante de um pequeno Everest de pó, João surge cheio de más intenções com uma folha de papel ofício em forma de canudo.
Mas, pelo menos dessa vez, a cena não passa disso mesmo: “Aquele monte de coca é mentira, cara! A gente tava no País Basco (Espanha) e tinha um saco de cal no camarim, tava rolando uma reforma lá. A gente pegou e despejou. Se você reparar, não tem ninguém cheirando de fato. Zoeira pura”, diz.
“Nem era para te contar isso, para falar a verdade. Não que eu nunca tenha visto em quantidades iguais, mas ali foi brincadeira nossa”, acrescenta João, cioso da sua fama de mau.
Punk é amor, bicho
No filme, a história da banda é contada não apenas pelos seus integrantes, mas também por ícones do punk, contemporâneos dos Ratos, como Redson (Cólera), Clemente (Inocentes) e Fabião (Olho Seco). Marcam presença também grandes nomes do heavy metal, como o ex-Sepultura Iggor Cavalera, o atual Andreas Kisser, Pompeu e Dick Siebert (ambos Korzus).
Além de funcionar perfeitamente bem sozinho, o documentário é também o complemento perfeito para o já clássico documentário de Gastão Moreira sobre o surgimento do punk no Brasil, Botinada (2006).
“Com exceção do Olho Seco, todas aquelas bandas ainda existem. Só nego grisalho. Mas como elas duram tanto, você pergunta? Foi amor pelo bagulho (punk). Tudo era tão difícil na época, que é amor, mesmo. Por isso dura até hoje”, garante o hoje pai de família João Gordo. É como dizia o ancestral hit underground da banda Lixomania:
Os Punks Também Amam
Guidable é mesmo uma diversão dos diabos, mesmo para quem não é exatamente fã dos Ratos de Porão.
Sobram bagaceira (ex-membros dão entrevista de bermuda e sandália, na mesa do boteco), atitude (ninguém parece se importar em ser filmado enquanto se droga), revelações (os caras chegaram ao ponto de fabricar o próprio crack!) e até, pasmem, lições de vida (chega a ser tocante o depoimento do Gordo sobre sua quase-morte).
Mas claro, tudo isso está longe de ser o que realmente importa sobre o documentário.
Guidable deixa clara a dimensão e a importância da banda no contexto brasileiro e mundial. Adorada ao redor do mundo por punks de todas as gerações e até por headbangers (fãs de heavy metal, por definição, avessos ao punk rock), o Ratos é um exemplo de banda que soube transformar deficiências em qualidades, superando todos os obstáculos ao longo de três décadas.
Chega mesmo a ser emocionante ver aqueles garotos do subúrbio dividindo o palco com o ídolo Jello Biafra (Dead Kennedys) em uma execução alucinante do clássico Hollydays in Cambodja diante de uma plateia enlouquecida, em uma de várias cenas inesquecíveis.
“Trinta anos depois, vamos chegando aonde der”, comenta João. “Esse ano, lançamos esse doc, um split com uma banda da Espanha e ano que vem sai em DVD um show gravado no Circo Voador em 2006”, diz.
“Aqui no Brasil, nego não tá nem aí. Quando eu morrer, vou ser O Cara. Enquanto isso, somos adorados lá fora. Continuamos tocando no exterior, sempre com casa cheia”, conclui.
GUIDABLE – A Verdadeira História do Ratos de Porão / Black Vomit Filmes - Läjä Records - Ideal Records / R$ 26,50
Blog (que, nos seus primórdios, entre 2004-05, foi de um programa de rádio) sobre rock e cultura pop. Hoje é o blog de Chico Castro Jr., jornalista formado pela Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia. Atualmente, é repórter do Caderno 2+ do jornal A Tarde, no qual algumas das matérias vistas aqui foram anteriormente publicadas. Assina a coluna Coletânea, dedicada à música independente baiana. Nossa base é Salvador, Bahia, a cidade do axé, a cidade do terror.
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4 comentários:
conheci a banda pelos idos 83/84...nunca fez minha cabeça...os deuses da música me pouparam...
cláudio moreira
Nessa época vc não deveria estar, como eu e muitos outros, afundado até o pescoço na cena punk soteropolitana. Tá perdoado.
MAO ex vocalista do Garotos Podres gravou uma musica com participação do polemico vocalista Pekinez Garcia da lendária banda punk Excomungados! A musica é Hospícios da banda Excomungados, e tem participação de João Gordo! Aguardem!
Um clássico já nasce clássico por isso o Joao Gordo resolveu gravar a musica Hospicios dos Excomungados, e o Pekinez Garcia tem causado bastante tumulto em seus shows, tocando pelado, jogando cerveja no publico, dando mosh e ate arranjando suas tretas com o publico, fui num show onde um anarko xingou ele de sexista e ele deu uma garrafada no cara, depois o publico ficou cuspindo nele e ele cuspia de volta... desde 77 num via algo assim!
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