O som veloz e para dançar dos Autoramas é a atração do Groove Bar neste sábado
Depois de tocar em cima de um trio elétrico com os Retrofoguetes em pleno carnaval baiano, uma das melhores bandas de rock em atividade no Brasil volta à Salvador. São os Autoramas, que fazem show único sábado (29), no palco do Groove Bar.
Formado por Gabriel Thomaz (voz e guitarra), Bacalhau (bateria) e Flávia Couri (baixo), o trio se caracteriza por praticar um rock ‘n‘ roll tradicional, destituído de mudernagens, mas bastante contemporâneo na sua pegada veloz, de alta octanagem.
No momento, o grupo atravessa uma fase de transição, cumprindo uma agitada agenda de shows pelo País enquanto prepara para o mês de novembro o lançamento do seu próximo CD (e primeiro DVD), MTV Apresenta Autoramas, gravado ao vivo e acústico em junho último, no Rio de Janeiro.
Com influências de rock primordial dos anos 50, psicodelia dos anos 60, punk rock dos anos 70 e new wave dos anos 80, o trio costuma fazer shows incendiários, sem frescura, tocando pra frente, pra fazer o povo dançar.
Totalmente independente, é uma das bandas que provam por A + B que é possível sobreviver de rock com dignidade, sem abrir as pernas para as gravadoras nem apelar pro chororô emo.
Autoramas + DJ Bigbross e DJ Pinguim
Sábado, 22 horas | Groove Bar | R$ 25 (m) e R$ 20 (f)
Blog (que, nos seus primórdios, entre 2004-05, foi de um programa de rádio) sobre rock e cultura pop. Hoje é o blog de Chico Castro Jr., jornalista formado pela Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia. Atualmente, é repórter do Caderno 2+ do jornal A Tarde, no qual algumas das matérias vistas aqui foram anteriormente publicadas. Assina a coluna Coletânea, dedicada à música independente baiana. Nossa base é Salvador, Bahia, a cidade do axé, a cidade do terror.
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quinta-feira, agosto 27, 2009
terça-feira, agosto 25, 2009
ESTILO DE VIDA À MODA ROCKER
Livro de fotógrafo dinamarquês registra em 300 imagens o início da carreira dos Rolling Stones
Um testemunho inédito dos primórdios da maior banda de rock do mundo ainda em atividade. Isso é o que oferece o fotógrafo dinamarquês Bent Rej, no seu livro Rolling Stones - O começo (Larousse), já nas prateleiras das livrarias.
O relacionamento do fotógrafo com os roqueiros ingleses começou em março de 1965, quando ele foi contratado para acompanhar o grupo, registrando uma turnê pelos países escandinavos. Entre um voo e outro, Rej acabou travando amizade com o guitarrista Brian Jones (1942-1969), e, ao fim da turnê, este acabou se hospedando por alguns dias na casa do primeiro, em Copenhague.
No início do ano seguinte, pouco antes do lançamento do clássico single de (I Can‘t Get No) Satisfaction, Rej foi à Londres visitar Jones, e, aproveitando a estadia, registrou o dia-a-dia do Stone em casa. Satisfeito com o resultado das sessões, que mostravam um astro pop à vontade no recesso do lar – algo até então nunca visto –, Rej resolveu propor fazer o mesmo com o resto do grupo.
Só Mick Jagger resistiu um pouco à ideia, mas – economista por formação – acabou cedendo quando o fotógrafo acenou com a possibilidade de as fotos renderem um bom lucro para todos, quando vendidas para revistas e jornais mundo afora.
Com tudo acertado, Bent Rej tornou-se um dos poucos fotógrafos a ter acesso total a intimidade dos Rolling Stones durante um período crucial de sua trajetória (A célebre Annie Leibovitz também gozou desse privilégio ainda nos anos 70, e quase morreu no processo, ao tentar acompanhar o ritmo da rapaziada. O resultado foi um vício em heroína, hoje já superado).
“Quando Bent Rejme mostrou sua coleção de fotos, feitas entre 1965 e 1966, fiquei sem palavras. Ele estava ali, ao nosso lado, em um momento crucial de nossa vida, como nenhum outro fotógrafo esteve depois“, relata Bill Wyman, o ex-baixista, no prefácio.
O Estilo “Caras“ – Ao longo do livro, o fã dos Rolling Stones poderá conhecer, em 300 imagens, o modo de vida dos cinco jovens astros do rock em ascenção, em plena swingin‘ London e em turnê. Os apartamentos, os objetos de uso pessoal, carros, instrumentos, fãs enlouquecidos, caras e bocas dos Stones oferecem um painel completo de uma época lendária, inesquecível até para quem não viveu aquela época e lugar.
Uma das curiosidades do livrão – uma belíssima edição em capa dura e papel couchê da Larousse – é como as fotos dos rebeldes Stones em casa se parecem com as que se vê hoje com qualquer celebridade de segunda mão em revistas como Caras e Quem.
Mick Jagger, por exemplo, é própria imagem da confiança em seu sóbrio apartamento de subsolo em Londres. “Achei engraçado Mick ter ido morar num apartamento de subsolo num bairro tradicional“, comenta Bill Wyman, o baixista dos Stones até a turnê do álbum Steel Wheels (1989) e que assina o prefácio do livro, bem como diversos comentários das fotos.
Baderna em Hamburgo – Outro atrativo do livro de Bent Rej é a visão de dentro da baderna que acompanhava os Stones aonde quer que eles fossem, graças à loucura do público – que aliás, era constituído na sua maioria por homens, (segundo o fotógrafo) – ao contrário do que acontecia com os Beatles.
Em Hamburgo (Alemanha), por exemplo, Rej relata que “à espera de entrar no palco, a banda não sabia o que estava acontecendo fora do teatro. A polícia enfrentava com cassetetes a turba de fãs, e um canhão de água precisou ser usado para controlar a situação“.
Depois de toda essa aventura, Rej acabou rompendo com Brian Jones em 1966, depois que este batizou seu copo de vinho. “Me senti péssimo com aquilo, não conseguia dormir; acabei passando quatro dias na banheira, lendo os quadrinhos de Barbarella“, conta. Ninguém passa impune uma temporada com os Stones.
Rolling Stones - O começo
Bent Rej
Larousse
320 p. R$ 180
www.larousse.com.br
Oito CDs são relançados e documentário proibido cai na net
Como que para provar que os Rolling Stones nunca saem da ordem do dia – como se precisasse de prova – uma leva de oito álbuns remasterizados da banda foi relançada, ao tempo em que um antigo documentário, rodado nos anos 70 e depois proibido, por conta das imagens fortes de sexo e drogas, caiu na internet.
A reedição dos álbuns – que, por enquanto, abrangem um período que vai de 1971 a 1983 – se dá por conta do contrato assinado pelo grupo com a major Universal.
Já o documentário Cocksucker Blues, com seu título de tradução impublicável, é um registro do célebre fotógrafo suíço naturalizado americano Robert Frank, da turnê americana de 1972. Depois de exigir acesso total, o resultado angariado por Frank foi definido pelo guitarrista Keith Richards da seguinte maneira: “Se alguém nos Estados Unidos assistisse, nunca mais nos deixariam entrar lá”.
Proibido na época pela própria banda, o documentário caiu na internet, no site www.wat.tv, similar do You Tube.
GUIA RÁPIDO DOS RELANÇAMENTOS ATÉ O MOMENTO
Sticky Fingers (1971)
Apontado por muitos como O Melhor Álbum dos Stones, é um clássico absoluto do início ao fim. Hits: Brown Sugar, Bitch, Dead Flowers, Sister Morphine etc etc...
Goats Head Soup (1973)
Já mega-stars do jet set internacional, este LP reflete a decadência em que os Stones estavam metidos. Hit: Angie, Doo Doo Doo (Heartbreaker).
It's Only Rock'n'Roll (1974)
Um pouco mais inspirados, aqui os Stones conseguiram fazer sua profissão de fé. Hits: faixa-título e Ain‘t Too Proud To Beg
Black and Blue (1976)
Primeiro LP com os ex-Faces Ron Wood (guitarra), na trupe até hoje. Irregular, experimentam funk e reggae. Hit: Hot Stuff, Memory Motel, Fool To Cry.
Some Girls (1978)
Subestimado, traz os Stones namorando com a disco music. Hits: Miss You, Some Girls, Just My Imagination
Emotional Rescue (1980)
Segunda parte da fase disco, é universalmente considerado o ponto mais baixo da discografia stoneana. Hit: faixa-título
Tattoo You (1981)
Retorno às boas, é o melhor álbum dos Stones na década de 80 e uma gloriosa retomada do rock ‘n‘ roll. Hit: Start Me Up, Hang Fire, My Little T&A.
Undercover (1983)
Outro álbum subestimado, traz ótimas faixas com Keith Richards cantando, reggaes e funks. Hits: faixa-título, She Was Hot, Tie Me Up (The Pain of Love).
Um testemunho inédito dos primórdios da maior banda de rock do mundo ainda em atividade. Isso é o que oferece o fotógrafo dinamarquês Bent Rej, no seu livro Rolling Stones - O começo (Larousse), já nas prateleiras das livrarias.
O relacionamento do fotógrafo com os roqueiros ingleses começou em março de 1965, quando ele foi contratado para acompanhar o grupo, registrando uma turnê pelos países escandinavos. Entre um voo e outro, Rej acabou travando amizade com o guitarrista Brian Jones (1942-1969), e, ao fim da turnê, este acabou se hospedando por alguns dias na casa do primeiro, em Copenhague.
No início do ano seguinte, pouco antes do lançamento do clássico single de (I Can‘t Get No) Satisfaction, Rej foi à Londres visitar Jones, e, aproveitando a estadia, registrou o dia-a-dia do Stone em casa. Satisfeito com o resultado das sessões, que mostravam um astro pop à vontade no recesso do lar – algo até então nunca visto –, Rej resolveu propor fazer o mesmo com o resto do grupo.
Só Mick Jagger resistiu um pouco à ideia, mas – economista por formação – acabou cedendo quando o fotógrafo acenou com a possibilidade de as fotos renderem um bom lucro para todos, quando vendidas para revistas e jornais mundo afora.
Com tudo acertado, Bent Rej tornou-se um dos poucos fotógrafos a ter acesso total a intimidade dos Rolling Stones durante um período crucial de sua trajetória (A célebre Annie Leibovitz também gozou desse privilégio ainda nos anos 70, e quase morreu no processo, ao tentar acompanhar o ritmo da rapaziada. O resultado foi um vício em heroína, hoje já superado).
“Quando Bent Rejme mostrou sua coleção de fotos, feitas entre 1965 e 1966, fiquei sem palavras. Ele estava ali, ao nosso lado, em um momento crucial de nossa vida, como nenhum outro fotógrafo esteve depois“, relata Bill Wyman, o ex-baixista, no prefácio.
O Estilo “Caras“ – Ao longo do livro, o fã dos Rolling Stones poderá conhecer, em 300 imagens, o modo de vida dos cinco jovens astros do rock em ascenção, em plena swingin‘ London e em turnê. Os apartamentos, os objetos de uso pessoal, carros, instrumentos, fãs enlouquecidos, caras e bocas dos Stones oferecem um painel completo de uma época lendária, inesquecível até para quem não viveu aquela época e lugar.
Uma das curiosidades do livrão – uma belíssima edição em capa dura e papel couchê da Larousse – é como as fotos dos rebeldes Stones em casa se parecem com as que se vê hoje com qualquer celebridade de segunda mão em revistas como Caras e Quem.
Mick Jagger, por exemplo, é própria imagem da confiança em seu sóbrio apartamento de subsolo em Londres. “Achei engraçado Mick ter ido morar num apartamento de subsolo num bairro tradicional“, comenta Bill Wyman, o baixista dos Stones até a turnê do álbum Steel Wheels (1989) e que assina o prefácio do livro, bem como diversos comentários das fotos.
Baderna em Hamburgo – Outro atrativo do livro de Bent Rej é a visão de dentro da baderna que acompanhava os Stones aonde quer que eles fossem, graças à loucura do público – que aliás, era constituído na sua maioria por homens, (segundo o fotógrafo) – ao contrário do que acontecia com os Beatles.
Em Hamburgo (Alemanha), por exemplo, Rej relata que “à espera de entrar no palco, a banda não sabia o que estava acontecendo fora do teatro. A polícia enfrentava com cassetetes a turba de fãs, e um canhão de água precisou ser usado para controlar a situação“.
Depois de toda essa aventura, Rej acabou rompendo com Brian Jones em 1966, depois que este batizou seu copo de vinho. “Me senti péssimo com aquilo, não conseguia dormir; acabei passando quatro dias na banheira, lendo os quadrinhos de Barbarella“, conta. Ninguém passa impune uma temporada com os Stones.
Rolling Stones - O começo
Bent Rej
Larousse
320 p. R$ 180
www.larousse.com.br
Oito CDs são relançados e documentário proibido cai na net
Como que para provar que os Rolling Stones nunca saem da ordem do dia – como se precisasse de prova – uma leva de oito álbuns remasterizados da banda foi relançada, ao tempo em que um antigo documentário, rodado nos anos 70 e depois proibido, por conta das imagens fortes de sexo e drogas, caiu na internet.
A reedição dos álbuns – que, por enquanto, abrangem um período que vai de 1971 a 1983 – se dá por conta do contrato assinado pelo grupo com a major Universal.
Já o documentário Cocksucker Blues, com seu título de tradução impublicável, é um registro do célebre fotógrafo suíço naturalizado americano Robert Frank, da turnê americana de 1972. Depois de exigir acesso total, o resultado angariado por Frank foi definido pelo guitarrista Keith Richards da seguinte maneira: “Se alguém nos Estados Unidos assistisse, nunca mais nos deixariam entrar lá”.
Proibido na época pela própria banda, o documentário caiu na internet, no site www.wat.tv, similar do You Tube.
GUIA RÁPIDO DOS RELANÇAMENTOS ATÉ O MOMENTO
Sticky Fingers (1971)
Apontado por muitos como O Melhor Álbum dos Stones, é um clássico absoluto do início ao fim. Hits: Brown Sugar, Bitch, Dead Flowers, Sister Morphine etc etc...
Goats Head Soup (1973)
Já mega-stars do jet set internacional, este LP reflete a decadência em que os Stones estavam metidos. Hit: Angie, Doo Doo Doo (Heartbreaker).
It's Only Rock'n'Roll (1974)
Um pouco mais inspirados, aqui os Stones conseguiram fazer sua profissão de fé. Hits: faixa-título e Ain‘t Too Proud To Beg
Black and Blue (1976)
Primeiro LP com os ex-Faces Ron Wood (guitarra), na trupe até hoje. Irregular, experimentam funk e reggae. Hit: Hot Stuff, Memory Motel, Fool To Cry.
Some Girls (1978)
Subestimado, traz os Stones namorando com a disco music. Hits: Miss You, Some Girls, Just My Imagination
Emotional Rescue (1980)
Segunda parte da fase disco, é universalmente considerado o ponto mais baixo da discografia stoneana. Hit: faixa-título
Tattoo You (1981)
Retorno às boas, é o melhor álbum dos Stones na década de 80 e uma gloriosa retomada do rock ‘n‘ roll. Hit: Start Me Up, Hang Fire, My Little T&A.
Undercover (1983)
Outro álbum subestimado, traz ótimas faixas com Keith Richards cantando, reggaes e funks. Hits: faixa-título, She Was Hot, Tie Me Up (The Pain of Love).
sábado, agosto 22, 2009
PARCEIROS DE VIDA E PALCO
Airto Moreira e Flora Purim, lendas vivas do jazz, antecipam o que o público vai ver e ouvir no palco do TCA
Residentes nos Estados Unidos desde o fim da década de 1960, o casal Airto Moreira (percussionista) e Flora Purim (cantora), são, ao lado da banda americana Beirut, uma das atrações mais aguardadas do 16º PercPan – Panorama Percussivo Mundial, que acontece em Salvador no Teatro Castro Alves, nos dias 4 e 5 de setembro.
“Faz um bom tempo que não vamos à Bahia“, nota Airto durante entrevista por telefone, direto de um quarto de hotel em Londres, onde ele e Flora cumprem temporada de seis datas no Ronnie Scott's Jazz Club.
“Recebemos convites para o PercPan durante uns oito anos, mas nunca dava certo. Desta vez rolou, e eu acho que vai ser muito bom, um presente dos céus. Tocar no Brasil já é bom. Tocar na Bahia – no PercPan, ainda por cima, é melhor ainda“, entusiasma-se.
“Esse festival tem uma energia que é a mesma que está no ar e no universo inteiro, a energia de Deus, que usamos para fazer música e tudo mais. Vamos usar essa energia para tocar bastante e lavar a alma“, promete, esotérico que só ele.
Em Salvador, Airto e Flora serão acompanhados pela banda Eyedentity, liderada por D. Booker, que é a filha do casal, e seu marido, o percussionista Krishna Booker – que vem a ser afilhado de Herbie Hancock e sobrinho de Wayne Shorter. Uma verdadeira nobreza do mundo do jazz. Completam a banda o baixista Gary Brown, o guitarrista Grecco Buratto e o tecladista Kit Walker.
Nada mais natural, para um casal que vive de música e na música há mais de 40 anos, que trabalho e vida familiar acabem por se fundir em uma coisa só. “Música é vida. Na realidade, não é uma profissão, nem uma carreira. É a vida da gente. Quando viajamos e tocamos para as pessoas, nosso negócio é esse: música ao vivo. Às vezes (gravamos) um CD aqui, outro ali. Mas o nosso negócio é ali, no palco, ao vivo“, demarca Airto.
É preciso resgatar – Já Flora, não menos entusiasmada que Airto, disse que, “na minha cabeça eu já estou aí“, riu.
Em seu último álbum, Flora‘s Song (2005), a cantora resgatou um esquecido clássico da MPB, de dois compositores baianos igualmente pouco lembrados: É Preciso Perdoar, de Carlos Coqueijo (1924-1988) e Alcyvando Luz (1937-1998).
Claro que esta já está garantida para o show do PercPan. “Essa aí é uma das que eu vou cantar. Não posso passar sem ela. Ele (Coqueijo) foi um dos maiores compositores da Bahia, e acho que ele não foi reconhecido como deveria. Vou cantar outras coisas dele também“, avisa.
“Aliás, o Coqueijo foi um dos maiores embaixadores da música baiana para o resto do Brasil. Foi ele que me levou pra casa de Caetano e Bethania, para me mostrar a ‘turma nova da Bahia‘. Estavam lá também o Gil e a Gal. Caetano ainda era tímido na época. Ele até cantou É de Manhã pra mim (cantarola ao telefone). ‘É de manhã / É de madrugada, é de manhã / Não sei mais de nada, é de manhã / Vou ver meu amor‘. É uma música muito legal, mas ele não deve cantar mais“, divaga.
Assim como Airto, Flora é basicamente um animal de palco, alguém que só se completa quando em comunhão com o público. “Quando eles gostam, batem palmas, gritam, dançam. É como uma premiação imediata, essa interação. Não depende de publicidade. Por que tem muita gente que bota uma máquina publicitária enorme por trás e aí quando você vai ver, fica decepcionado“, percebe.
Percpan Salvador | 04 e 05 de setembro, às 20 horas | Teatro Castro Alves | R$ 30 e R$15 | 14 anos | Informações e vendas: (71) 3117-4899
Casal-prodígio é parte da história do jazz fusion
Tudo começou com Bitches Brew (1970), revolucionário álbum duplo de Miles Davis que praticamente inaugurou um novo gênero: o jazz rock – ou como é mais conhecido, o jazz fusion. Neste álbum, Miles foi assessorado por um verdadeiro who‘s who dos músicos de jazz mais importantes da época: Joe Zawinul, Wayne Shorter, John McLaughlin, Chick Corea, Jack DeJohnette, Dave Holland e o brazuca Airto, que, experimentando uma ascenção meteórica, havia se mudado para os EUA havia apenas dois anos.
Misturando Jimi Hendrix, rock progressivo, psicodelia e jazz propriamente dito, o álbum fez a cabeça de muita gente – para o bem e para o mal. Na sua esteira, alguns dos músicos que tocaram em Bitches Brew formaram suas próprias bandas buscando aprofundar o estilo. As duas mais importantes foram o Return To Forever (liderada por Chick Corea) e o Weather Report (liderada por Joe Zawinul). Airto participou ativamente de ambas. Flora, apenas da primeira.
Ao longo de suas carreiras, tocadas simultaneamente – em conjunto e paralelamente –, Airto e Flora angariaram fama e respeito tanto no exterior, quanto no Brasil, especialmente entre os apreciadores de jazz.
É ponto pacífico entre críticos e fãs de jazz que a história da percussão no gênero se divide entre antes de Airto e depois de Airto. Foi ele quem redefiniu o papel dos instrumentos de percussão na música instrumental, tornando-os parte essencial do jazz moderno.
Daí em diante, colaborou com músicos do calibre de Paul Simon, Quincy Jones, Herbie Hancock, Stan Getz, Dizzy Gillespie e Carlos Santana, entre outros.
Outro ponto alto de sua carreira foi a participação na trilha sonora de filmes clássicos como O Exorcista (1973), de William Friedkin e Apocalypse Now (1979), de Francis Ford Coppola. Só pela revista Downbeat, considerada a bíblia do jazz, Airto foi eleito percussionista do ano por vinte vezes.
Já Flora Purim, na mesma revista, foi eleita cantora do ano por quatro vezes (um feito impressionante, visto que sua categoria é consideravelmente mais concorrida do que a do marido), além de ter sido indicada ao Grammy, na categoria de Melhor Performance Feminina de Jazz, por duas vezes.
Sua colaboração no Return to Forever – especialmente em faixas como 500 Miles High e Light As a Feather – ainda hoje é celebrada como um dos pontos altos do gênero na década de 70.
No currículo, apresenta parcerias musicais com um elenco não menos estelar que o de Airto: Gil Evans, Stan Getz, Chick Corea, Dizzy Gillespie, Thelonious Monk, Carlos Santana e Mickey Hart.
Ainda assim, tanto Airto quanto Flora não hesitam em apontar que sua maior influência veio daqui mesmo, do Brasil: Hermeto Pascoal.
Residentes nos Estados Unidos desde o fim da década de 1960, o casal Airto Moreira (percussionista) e Flora Purim (cantora), são, ao lado da banda americana Beirut, uma das atrações mais aguardadas do 16º PercPan – Panorama Percussivo Mundial, que acontece em Salvador no Teatro Castro Alves, nos dias 4 e 5 de setembro.
“Faz um bom tempo que não vamos à Bahia“, nota Airto durante entrevista por telefone, direto de um quarto de hotel em Londres, onde ele e Flora cumprem temporada de seis datas no Ronnie Scott's Jazz Club.
“Recebemos convites para o PercPan durante uns oito anos, mas nunca dava certo. Desta vez rolou, e eu acho que vai ser muito bom, um presente dos céus. Tocar no Brasil já é bom. Tocar na Bahia – no PercPan, ainda por cima, é melhor ainda“, entusiasma-se.
“Esse festival tem uma energia que é a mesma que está no ar e no universo inteiro, a energia de Deus, que usamos para fazer música e tudo mais. Vamos usar essa energia para tocar bastante e lavar a alma“, promete, esotérico que só ele.
Em Salvador, Airto e Flora serão acompanhados pela banda Eyedentity, liderada por D. Booker, que é a filha do casal, e seu marido, o percussionista Krishna Booker – que vem a ser afilhado de Herbie Hancock e sobrinho de Wayne Shorter. Uma verdadeira nobreza do mundo do jazz. Completam a banda o baixista Gary Brown, o guitarrista Grecco Buratto e o tecladista Kit Walker.
Nada mais natural, para um casal que vive de música e na música há mais de 40 anos, que trabalho e vida familiar acabem por se fundir em uma coisa só. “Música é vida. Na realidade, não é uma profissão, nem uma carreira. É a vida da gente. Quando viajamos e tocamos para as pessoas, nosso negócio é esse: música ao vivo. Às vezes (gravamos) um CD aqui, outro ali. Mas o nosso negócio é ali, no palco, ao vivo“, demarca Airto.
É preciso resgatar – Já Flora, não menos entusiasmada que Airto, disse que, “na minha cabeça eu já estou aí“, riu.
Em seu último álbum, Flora‘s Song (2005), a cantora resgatou um esquecido clássico da MPB, de dois compositores baianos igualmente pouco lembrados: É Preciso Perdoar, de Carlos Coqueijo (1924-1988) e Alcyvando Luz (1937-1998).
Claro que esta já está garantida para o show do PercPan. “Essa aí é uma das que eu vou cantar. Não posso passar sem ela. Ele (Coqueijo) foi um dos maiores compositores da Bahia, e acho que ele não foi reconhecido como deveria. Vou cantar outras coisas dele também“, avisa.
“Aliás, o Coqueijo foi um dos maiores embaixadores da música baiana para o resto do Brasil. Foi ele que me levou pra casa de Caetano e Bethania, para me mostrar a ‘turma nova da Bahia‘. Estavam lá também o Gil e a Gal. Caetano ainda era tímido na época. Ele até cantou É de Manhã pra mim (cantarola ao telefone). ‘É de manhã / É de madrugada, é de manhã / Não sei mais de nada, é de manhã / Vou ver meu amor‘. É uma música muito legal, mas ele não deve cantar mais“, divaga.
Assim como Airto, Flora é basicamente um animal de palco, alguém que só se completa quando em comunhão com o público. “Quando eles gostam, batem palmas, gritam, dançam. É como uma premiação imediata, essa interação. Não depende de publicidade. Por que tem muita gente que bota uma máquina publicitária enorme por trás e aí quando você vai ver, fica decepcionado“, percebe.
Percpan Salvador | 04 e 05 de setembro, às 20 horas | Teatro Castro Alves | R$ 30 e R$15 | 14 anos | Informações e vendas: (71) 3117-4899
Casal-prodígio é parte da história do jazz fusion
Tudo começou com Bitches Brew (1970), revolucionário álbum duplo de Miles Davis que praticamente inaugurou um novo gênero: o jazz rock – ou como é mais conhecido, o jazz fusion. Neste álbum, Miles foi assessorado por um verdadeiro who‘s who dos músicos de jazz mais importantes da época: Joe Zawinul, Wayne Shorter, John McLaughlin, Chick Corea, Jack DeJohnette, Dave Holland e o brazuca Airto, que, experimentando uma ascenção meteórica, havia se mudado para os EUA havia apenas dois anos.
Misturando Jimi Hendrix, rock progressivo, psicodelia e jazz propriamente dito, o álbum fez a cabeça de muita gente – para o bem e para o mal. Na sua esteira, alguns dos músicos que tocaram em Bitches Brew formaram suas próprias bandas buscando aprofundar o estilo. As duas mais importantes foram o Return To Forever (liderada por Chick Corea) e o Weather Report (liderada por Joe Zawinul). Airto participou ativamente de ambas. Flora, apenas da primeira.
Ao longo de suas carreiras, tocadas simultaneamente – em conjunto e paralelamente –, Airto e Flora angariaram fama e respeito tanto no exterior, quanto no Brasil, especialmente entre os apreciadores de jazz.
É ponto pacífico entre críticos e fãs de jazz que a história da percussão no gênero se divide entre antes de Airto e depois de Airto. Foi ele quem redefiniu o papel dos instrumentos de percussão na música instrumental, tornando-os parte essencial do jazz moderno.
Daí em diante, colaborou com músicos do calibre de Paul Simon, Quincy Jones, Herbie Hancock, Stan Getz, Dizzy Gillespie e Carlos Santana, entre outros.
Outro ponto alto de sua carreira foi a participação na trilha sonora de filmes clássicos como O Exorcista (1973), de William Friedkin e Apocalypse Now (1979), de Francis Ford Coppola. Só pela revista Downbeat, considerada a bíblia do jazz, Airto foi eleito percussionista do ano por vinte vezes.
Já Flora Purim, na mesma revista, foi eleita cantora do ano por quatro vezes (um feito impressionante, visto que sua categoria é consideravelmente mais concorrida do que a do marido), além de ter sido indicada ao Grammy, na categoria de Melhor Performance Feminina de Jazz, por duas vezes.
Sua colaboração no Return to Forever – especialmente em faixas como 500 Miles High e Light As a Feather – ainda hoje é celebrada como um dos pontos altos do gênero na década de 70.
No currículo, apresenta parcerias musicais com um elenco não menos estelar que o de Airto: Gil Evans, Stan Getz, Chick Corea, Dizzy Gillespie, Thelonious Monk, Carlos Santana e Mickey Hart.
Ainda assim, tanto Airto quanto Flora não hesitam em apontar que sua maior influência veio daqui mesmo, do Brasil: Hermeto Pascoal.
terça-feira, agosto 18, 2009
ANISTIA MUSICAL A CAMINHO
Ação de procuradora-geral da República pode inviabilizar OMB
Uma antiga reivindicação dos músicos brasileiros pode estar a caminho de ser atendida. No mês de julho último, a procuradora-geral da República Deborah Duprat ingressou com uma ação no Supremo Tribunal Federal contra dispositivos da Lei n° 3.857/60, que regulamenta a profissão de músico. (OBS.: A carteirinha do OMB a título de ilustração aí em cima foi retirada do blog Dois Rios e Uma Ilha de Concreto).
Trocando em miúdos: se o STF acatar as recomendações da procuradora, a Ordem dos Músicos do Brasil será praticamente invalidada, pois extinguirá suas atribuições de “seleção, disciplina, e fiscalização da profissão do músico“, como consta na lei citada.
O alvo de Duprat são 22 artigos do texto da lei, que criou, em 1960, a OMB, estabelecendo requisitos para o exercício da profissão de músico e instituindo poder de polícia sobre a atividade artística.
Ou seja: na prática, só podem atuar como músicos todos aqueles que estiverem regularmente registrados no Ministério da Educação e Cultura e no Conselho Regional dos Músicos (ou seja, a OMB) do seu estado. Só que se registrar na OMB custa dinheiro (R$ 96). E o registro só vale por um ano.
A grande queixa dos músicos – entre inúmeras outras – não é nem contra o pagamento da taxa anual em si, mas pelo simples fato de que, em todos esses anos, todo o dinheiro investido na OMB jamais retornou na forma de qualquer benefício à classe.
Inoperante – "Acho correta a iniciativa da procuradora-geral da República", declara Luís Caldas. "A OMB, seção Bahia, não age em defesa do músico. Quando inventei a Axé Music, em 1985, de nada a Ordem me serviu. Pelo contrário, é uma entidade que costuma ameaçar quem está inadimplente. O órgão não tem transparência e tampouco, força política", acredita.
De famosos a anônimos, músicos de todas as vertentes já passaram por aborrecimentos e constrangimentos com a atuação da Ordem dos Músicos. “Eu nunca utilizei a OMB pra nada“, diz Armandinho Macedo, que acaba de ter uma ação contra a OMB julgada a seu favor.
“Nunca soube de benefícios dela pra classe. Durante todo esse tempo, a OMB só tem servido de fiscal contra os próprios músicos, impedindo-os de tocar e usando até a polícia para apreender equipamentos“, conta.
Não à toa, a família Macedo entrou com uma liminar contra a obrigatoriedade de pagamento da taxa a entidade, atitude já tomada também por muitos e muitos outros músicos Brasil afora.
“Entramos com uma liminar, sim. E ganhamos. (A OMB) Deveria ser uma coisa para funcionar, mas eu nunca vi resultado nenhum daquilo lá“, continua o irmão de Armandinho, Aroldo.
“Inclusive ela já chegou até a nos impedir de tocar. Eles chegavam cobrando e você tinha que estar em dia. Senão, pagava multa. Fica um monte de fiscalzinho no Brasil todo cobrando isso e não temos nada em retorno. Então, pagar pra quê? Todo ano, uma taxa!“, indigna-se.
Rodrigo Moraes, advogado da família Macedo e especialista em direito autoral, vai mais longe: ”Pode colocar aí: sou absolutamente a favor da extinção da Ordem dos Músicos”, começa.
”Eles costumam chegar na hora do show, acompanhados de força policial e criando confusão. Poderiam até cobrar judicialmente, de forma legal, mas cobram na hora. Isso é totalmente irregular. Já teve caso de fiscal ir no aeroporto buscar o dinheiro na mão do artista”, conta.
Profissão de risco – Diferentemente do vergonhoso caso em que o STF derrubou a obrigatoriedade do diploma para se atuar como jornalista, configurando uma aberração jurídica, já que jornalismo é sim, uma profissão de risco, a ação de Déborah Duprat se baseia no fato óbvio de que músicos não oferecem riscos à sociedade.
Segundo a procuradora, “se um profissional for um mau músico, nenhum dano significativo ele causará a sociedade. Na pior das hipóteses, as pessoas que o ouvirem passarão alguns momentos desagradáveis. Não cabe ao Estado imiscuir-se nesta seara, convertendo-se no árbitro autoritário dos gostos do público”, declarou Duprat ao site do STF.
Sua concepção encontra eco em alguns dos mais destacados músicos atuantes no mercado baiano, como o cantor e compositor Alexandre Peixe: "Não há nenhum tipo de dano para sociedade o exercício da profissão do músico. O máximo que ele pode gerar é um afastamento do público que pode não se identificar com seu trabalho. Diferentemente de outras profissões, a exemplo do médico e do engenheiro, que caso não sejam fiscalizados pelos seus conselhos, podem colocar em risco a vida das pessoas", reflete.
Teste nunca reprovou, dizem os músicos
Outra queixa recorrente contra a OMB é o teste para filiação à entidade. O que se diz é que ninguém, jamais, em tempo algum, perdeu este teste, evidenciando o real propósito da entidade de angariar o maior número possível de associados com o fim de arrecadar o máximo.
Bem diferente do teste de outra ordem profissional, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), que costuma reprovar até 80% dos examinados todos os anos. ”Esse teste para a filiação é outra piada, ninguém jamais perdeu. Qualquer pessoa pode tirar a carteirinha da OMB, não precisa ser músico. Eles só querem grana”, garante Rex, baterista da banda Retrofoguetes.
No último mês de abril os três membros do grupo tiveram que desembolsar R$ 600 (R$ 200 por músico) para poderem se apresentar no último festival Abril Pro Rock (PE).
”Você vê os artistas pagando esse bagulho, e aí vai na sede da OMB aqui, é um escritório caindo aos pedaços no Centro, com uma galera que parece estar lá há milhões de anos”, conta Rex.
Como se pode imaginar, ele não é o único com queixas da entidade no rock local: ”Eu e os outros músicos da Cascadura já entramos com uma ação requerendo o não-pagamento da taxa e desconhecendo a OMB como órgão regulador das nossas carreiras”, conta Fábio Cascadura.
”Nunca vi a OMB atuante, nunca vi eles moverem uma palha para melhorar a carreira do músico e ajudar de alguma forma”, acrescenta.
O outro lado – Procurado pela reportagem, Emídio José dos Santos, presidente da OMB baiana há 22 anos, não parece, pelo menos a primeira vista, muito preocupado com o porvir da ação da procuradora.
“Tá cheio de gente aí que quer acabar com a Ordem. Mas a Ordem é Federal, não acaba assim, não. O Senado e o Presidente Lula é que vão decidir isso“, garante.
Para ele, não é atribuição da OMB auxiliar os músicos, e sim, fiscalizar. “Essa coisa de ajudar os músicos é coisa de sindicato. Só que não existe sindicato. A OMB foi feita para fiscalizar a profissão“, demarca.
Ainda assim, ele garante que atende a todos que o procuram na sede da entidade, localizada na Rua Chile. “Todo mundo que vem me procurar aqui na OMB-BA eu ajudo. Até dar dinheiro para ajudar a enterrar parente de músico quebrado eu já dei. Mas agora eles estão metendo os peitos aí, então vamos ver como é que fica“, desafia.
Para Emídio, só quem se importa com essa questão são músicos pequenos. “Um monte de gente importante (da música) não está nem aí pra isso. Até por que eles sabem que para viajar pra fazer show, tem que estar em dia“, lembra, referindo-se à taxa denominada “nota contratual“ que, segundo ele é de R$ 10 .
“O Supremo delegou essa decisão ao Presidente Lula e ao Senado. Eles é que vão decidir isso“, conclui.
ASSISTA O MTV DEBATE SOBRE A REGULAMENTAÇÃO PROPOSTA PELA PROCURADORA-GERAL
Uma antiga reivindicação dos músicos brasileiros pode estar a caminho de ser atendida. No mês de julho último, a procuradora-geral da República Deborah Duprat ingressou com uma ação no Supremo Tribunal Federal contra dispositivos da Lei n° 3.857/60, que regulamenta a profissão de músico. (OBS.: A carteirinha do OMB a título de ilustração aí em cima foi retirada do blog Dois Rios e Uma Ilha de Concreto).
Trocando em miúdos: se o STF acatar as recomendações da procuradora, a Ordem dos Músicos do Brasil será praticamente invalidada, pois extinguirá suas atribuições de “seleção, disciplina, e fiscalização da profissão do músico“, como consta na lei citada.
O alvo de Duprat são 22 artigos do texto da lei, que criou, em 1960, a OMB, estabelecendo requisitos para o exercício da profissão de músico e instituindo poder de polícia sobre a atividade artística.
Ou seja: na prática, só podem atuar como músicos todos aqueles que estiverem regularmente registrados no Ministério da Educação e Cultura e no Conselho Regional dos Músicos (ou seja, a OMB) do seu estado. Só que se registrar na OMB custa dinheiro (R$ 96). E o registro só vale por um ano.
A grande queixa dos músicos – entre inúmeras outras – não é nem contra o pagamento da taxa anual em si, mas pelo simples fato de que, em todos esses anos, todo o dinheiro investido na OMB jamais retornou na forma de qualquer benefício à classe.
Inoperante – "Acho correta a iniciativa da procuradora-geral da República", declara Luís Caldas. "A OMB, seção Bahia, não age em defesa do músico. Quando inventei a Axé Music, em 1985, de nada a Ordem me serviu. Pelo contrário, é uma entidade que costuma ameaçar quem está inadimplente. O órgão não tem transparência e tampouco, força política", acredita.
De famosos a anônimos, músicos de todas as vertentes já passaram por aborrecimentos e constrangimentos com a atuação da Ordem dos Músicos. “Eu nunca utilizei a OMB pra nada“, diz Armandinho Macedo, que acaba de ter uma ação contra a OMB julgada a seu favor.
“Nunca soube de benefícios dela pra classe. Durante todo esse tempo, a OMB só tem servido de fiscal contra os próprios músicos, impedindo-os de tocar e usando até a polícia para apreender equipamentos“, conta.
Não à toa, a família Macedo entrou com uma liminar contra a obrigatoriedade de pagamento da taxa a entidade, atitude já tomada também por muitos e muitos outros músicos Brasil afora.
“Entramos com uma liminar, sim. E ganhamos. (A OMB) Deveria ser uma coisa para funcionar, mas eu nunca vi resultado nenhum daquilo lá“, continua o irmão de Armandinho, Aroldo.
“Inclusive ela já chegou até a nos impedir de tocar. Eles chegavam cobrando e você tinha que estar em dia. Senão, pagava multa. Fica um monte de fiscalzinho no Brasil todo cobrando isso e não temos nada em retorno. Então, pagar pra quê? Todo ano, uma taxa!“, indigna-se.
Rodrigo Moraes, advogado da família Macedo e especialista em direito autoral, vai mais longe: ”Pode colocar aí: sou absolutamente a favor da extinção da Ordem dos Músicos”, começa.
”Eles costumam chegar na hora do show, acompanhados de força policial e criando confusão. Poderiam até cobrar judicialmente, de forma legal, mas cobram na hora. Isso é totalmente irregular. Já teve caso de fiscal ir no aeroporto buscar o dinheiro na mão do artista”, conta.
Profissão de risco – Diferentemente do vergonhoso caso em que o STF derrubou a obrigatoriedade do diploma para se atuar como jornalista, configurando uma aberração jurídica, já que jornalismo é sim, uma profissão de risco, a ação de Déborah Duprat se baseia no fato óbvio de que músicos não oferecem riscos à sociedade.
Segundo a procuradora, “se um profissional for um mau músico, nenhum dano significativo ele causará a sociedade. Na pior das hipóteses, as pessoas que o ouvirem passarão alguns momentos desagradáveis. Não cabe ao Estado imiscuir-se nesta seara, convertendo-se no árbitro autoritário dos gostos do público”, declarou Duprat ao site do STF.
Sua concepção encontra eco em alguns dos mais destacados músicos atuantes no mercado baiano, como o cantor e compositor Alexandre Peixe: "Não há nenhum tipo de dano para sociedade o exercício da profissão do músico. O máximo que ele pode gerar é um afastamento do público que pode não se identificar com seu trabalho. Diferentemente de outras profissões, a exemplo do médico e do engenheiro, que caso não sejam fiscalizados pelos seus conselhos, podem colocar em risco a vida das pessoas", reflete.
Teste nunca reprovou, dizem os músicos
Outra queixa recorrente contra a OMB é o teste para filiação à entidade. O que se diz é que ninguém, jamais, em tempo algum, perdeu este teste, evidenciando o real propósito da entidade de angariar o maior número possível de associados com o fim de arrecadar o máximo.
Bem diferente do teste de outra ordem profissional, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), que costuma reprovar até 80% dos examinados todos os anos. ”Esse teste para a filiação é outra piada, ninguém jamais perdeu. Qualquer pessoa pode tirar a carteirinha da OMB, não precisa ser músico. Eles só querem grana”, garante Rex, baterista da banda Retrofoguetes.
No último mês de abril os três membros do grupo tiveram que desembolsar R$ 600 (R$ 200 por músico) para poderem se apresentar no último festival Abril Pro Rock (PE).
”Você vê os artistas pagando esse bagulho, e aí vai na sede da OMB aqui, é um escritório caindo aos pedaços no Centro, com uma galera que parece estar lá há milhões de anos”, conta Rex.
Como se pode imaginar, ele não é o único com queixas da entidade no rock local: ”Eu e os outros músicos da Cascadura já entramos com uma ação requerendo o não-pagamento da taxa e desconhecendo a OMB como órgão regulador das nossas carreiras”, conta Fábio Cascadura.
”Nunca vi a OMB atuante, nunca vi eles moverem uma palha para melhorar a carreira do músico e ajudar de alguma forma”, acrescenta.
O outro lado – Procurado pela reportagem, Emídio José dos Santos, presidente da OMB baiana há 22 anos, não parece, pelo menos a primeira vista, muito preocupado com o porvir da ação da procuradora.
“Tá cheio de gente aí que quer acabar com a Ordem. Mas a Ordem é Federal, não acaba assim, não. O Senado e o Presidente Lula é que vão decidir isso“, garante.
Para ele, não é atribuição da OMB auxiliar os músicos, e sim, fiscalizar. “Essa coisa de ajudar os músicos é coisa de sindicato. Só que não existe sindicato. A OMB foi feita para fiscalizar a profissão“, demarca.
Ainda assim, ele garante que atende a todos que o procuram na sede da entidade, localizada na Rua Chile. “Todo mundo que vem me procurar aqui na OMB-BA eu ajudo. Até dar dinheiro para ajudar a enterrar parente de músico quebrado eu já dei. Mas agora eles estão metendo os peitos aí, então vamos ver como é que fica“, desafia.
Para Emídio, só quem se importa com essa questão são músicos pequenos. “Um monte de gente importante (da música) não está nem aí pra isso. Até por que eles sabem que para viajar pra fazer show, tem que estar em dia“, lembra, referindo-se à taxa denominada “nota contratual“ que, segundo ele é de R$ 10 .
“O Supremo delegou essa decisão ao Presidente Lula e ao Senado. Eles é que vão decidir isso“, conclui.
ASSISTA O MTV DEBATE SOBRE A REGULAMENTAÇÃO PROPOSTA PELA PROCURADORA-GERAL
sexta-feira, agosto 14, 2009
A GÊNESE DA SPACE OPERA
A clássica trilogia Fundação, de Isaac Asimov, ganha edição caprichada revista pelo autor e com novas traduções e caixa especial
Há controvérsias, mas na literatura de ficção científica do século XX pelo menos um quarteto fantástico sobressai acima de todos os outros: Ray Bradbury (Crônicas marcianas), Arthur C. Clarke (2001: Uma odisseia no espaço), Robert A. Heinlein (Estranho numa terra estranha) e Isaac Asimov. Este último, o romancista dos robôs por excelência, acaba de ter uma de suas obras mais representativas lançada no Brasil: Fundação.
Concebida ao longo de uma década (entre 1942 e 1953), Fundação é uma complexa trilogia que cristalizou o estilo que se convencionou chamar de space opera: grandes épicos ambientados em cenários grandiosos – majoritariamente no espaço e em planetas diversos, envolvendo muitos personagens e com desenvolvimento narrativo perpassando séculos, milênios.
São três volumes que devem ser lidos na seguinte ordem: Fundação, Fundação e império e Segunda Fundação.
No primeiro, o leitor conhece o personagem central da trama, o cientista Hari Seldon, criador de uma nova ciência: a psico-história, uma espécie de sociologia absoluta, que transforma o estudo do comportamento das massas em equações matemáticas.
Seldon, através da psico-história, prevê que o império galáctico, erigido na Via Láctea pelos terráqueos após milênios, está em processo de decadência e entrará em colapso total dentro de 300 anos, aniquilando toda a civilização e a história da humanidade.
Para evitar isso, ele cria um plano denominado Fundação para, dentro de um milênio, não só evitar a derrocada da civilização, como também alavancar uma nova era dourada de prosperidade e conhecimento.
Asimov baseou seu ultra-épico espacial na história dos grandes impérios da história, especialmente no monumental livro A História do Declínio e Queda do Império Romano (1778), do historiador inglês Edward Gibbon (1737-1794).
Temperou ainda com referências a diversas doutrinas políticas, como o Nazismo e o Destino Manifesto americano (a crença de que o expansionismo ianque é divino, já que os americanos seriam o povo escolhido por Deus).
Alta literatura – Asimov, que era judeu russo naturalizado americano e odiava os nazistas, usava seus elaborados delírios espaciais como metáforas para desancar os nacional-socialistas alemães e outras aberrações com grande arte.
Ao lado de obras como as já citadas de Bradbury, Heinlein, Clarke e alguns outros, a Fundação foi um dos livros responsáveis por angariar credibilidade e respeito para a ficção científica nos meios literários.
O maior mérito de Asimov é conseguir conjugar toda essa grandiosidade literária com uma narrativa fluida, cativante o bastante para que o leitor siga adiante nas mais de 700 páginas dos três livros reunidos.
Esta fluidez se deve em grande parte ao fato de Asimov nunca ter subestimado o poder da chamada baixa literatura: os pulps policiais e de faroeste, sempre recheados de ação e intrigas, tiveram enorme influência na sua obra, tornando a leitura de catataus como Fundação uma experiência prazerosa e muito divertida.
Outro aspecto interessante é que esta edição da Aleph é a revista por Asimov na década de 80, na qual ele uniformizou os universo no qual toda a sua obra se passa. Fundação, portanto, se passa no mesmo universo ficcional de outras obras clássicas de sua lavra, como Eu, robô e Sonhos de robô.
Fundação
Isaac Asimov
Aleph
240 p. | R$ 39
Fundação e império
Isaac Asimov
Aleph
248 p. | R$ 39
Segunda Fundação
Isaac Asimov
Aleph
240 p. | R$ 39 (Box: R$ 117)
www.editoraaleph.com.br
Há controvérsias, mas na literatura de ficção científica do século XX pelo menos um quarteto fantástico sobressai acima de todos os outros: Ray Bradbury (Crônicas marcianas), Arthur C. Clarke (2001: Uma odisseia no espaço), Robert A. Heinlein (Estranho numa terra estranha) e Isaac Asimov. Este último, o romancista dos robôs por excelência, acaba de ter uma de suas obras mais representativas lançada no Brasil: Fundação.
Concebida ao longo de uma década (entre 1942 e 1953), Fundação é uma complexa trilogia que cristalizou o estilo que se convencionou chamar de space opera: grandes épicos ambientados em cenários grandiosos – majoritariamente no espaço e em planetas diversos, envolvendo muitos personagens e com desenvolvimento narrativo perpassando séculos, milênios.
São três volumes que devem ser lidos na seguinte ordem: Fundação, Fundação e império e Segunda Fundação.
No primeiro, o leitor conhece o personagem central da trama, o cientista Hari Seldon, criador de uma nova ciência: a psico-história, uma espécie de sociologia absoluta, que transforma o estudo do comportamento das massas em equações matemáticas.
Seldon, através da psico-história, prevê que o império galáctico, erigido na Via Láctea pelos terráqueos após milênios, está em processo de decadência e entrará em colapso total dentro de 300 anos, aniquilando toda a civilização e a história da humanidade.
Para evitar isso, ele cria um plano denominado Fundação para, dentro de um milênio, não só evitar a derrocada da civilização, como também alavancar uma nova era dourada de prosperidade e conhecimento.
Asimov baseou seu ultra-épico espacial na história dos grandes impérios da história, especialmente no monumental livro A História do Declínio e Queda do Império Romano (1778), do historiador inglês Edward Gibbon (1737-1794).
Temperou ainda com referências a diversas doutrinas políticas, como o Nazismo e o Destino Manifesto americano (a crença de que o expansionismo ianque é divino, já que os americanos seriam o povo escolhido por Deus).
Alta literatura – Asimov, que era judeu russo naturalizado americano e odiava os nazistas, usava seus elaborados delírios espaciais como metáforas para desancar os nacional-socialistas alemães e outras aberrações com grande arte.
Ao lado de obras como as já citadas de Bradbury, Heinlein, Clarke e alguns outros, a Fundação foi um dos livros responsáveis por angariar credibilidade e respeito para a ficção científica nos meios literários.
O maior mérito de Asimov é conseguir conjugar toda essa grandiosidade literária com uma narrativa fluida, cativante o bastante para que o leitor siga adiante nas mais de 700 páginas dos três livros reunidos.
Esta fluidez se deve em grande parte ao fato de Asimov nunca ter subestimado o poder da chamada baixa literatura: os pulps policiais e de faroeste, sempre recheados de ação e intrigas, tiveram enorme influência na sua obra, tornando a leitura de catataus como Fundação uma experiência prazerosa e muito divertida.
Outro aspecto interessante é que esta edição da Aleph é a revista por Asimov na década de 80, na qual ele uniformizou os universo no qual toda a sua obra se passa. Fundação, portanto, se passa no mesmo universo ficcional de outras obras clássicas de sua lavra, como Eu, robô e Sonhos de robô.
Fundação
Isaac Asimov
Aleph
240 p. | R$ 39
Fundação e império
Isaac Asimov
Aleph
248 p. | R$ 39
Segunda Fundação
Isaac Asimov
Aleph
240 p. | R$ 39 (Box: R$ 117)
www.editoraaleph.com.br
quinta-feira, agosto 13, 2009
ERUDITOS E INUSITADOS
Compositores botam instrumentos populares ou eruditos para dialogar com orquestra em peças inéditas para download gratuito no Icba, hoje
Cinco compositores de Salvador encampam um ousado projeto que cruza música erudita com conteúdo digital: é o Conserte-se!, um conjunto de cinco peças para orquestra e instrumentos inusitados que terá lançamento hoje no Icba, e estará disponível para download gratuito em um site próprio.
O grupo de cinco músicos, formado em 2006 por Alex Pochat, Joélio Santos, Paulo Costa Lima, Paulo Rios Filho e Túlio Augusto é denominado OCA (Oficina de Composição Agora), visto acima, em foto de João Meirelles.
Para viabilizar o projeto, o grupo conseguiu vencer o Edital de Criação de Conteúdo Digital em Música 2008, da Fundação Cultural do Estado da Bahia.
No evento de hoje será possível ouvir as cinco peças criadas pelo grupo, com ou sem as intervenções do mestre de cerimônias da ocasião, o DJ Mauro Telefunksoul.
“Será uma audição do álbum virtual que estará diponível para download no site www.ocaocaoca.com. Não vai ter a orquestra tocando“, avisa Alex Pochat.
“Mauro será o Mestre de Cerimônias. Então, além de tocar as músicas, ele também vai fazer uma gracinhas em tempo real“, acrescenta. Para quem quiser conferir as peças na sua forma pura terá a disposição diversos pontos com headphones.
As peças são músicas com média de oito a nove minutos para instrumento solista e orquestra.
O interessante do projeto será conferir a sonoridade que os instrumentos solistas, inusitados do ponto de vista erudito, ganharam junto à orquestra – de quase trinta músicos, sendo seis convidados de outros estados (como São Paulo e Goiás), com a regência do Maestro Paulo Novais.
Quem levar seu MP3 player para o Icba hoje, já volta para casa com as peças carregadas no aparelho. São elas: Concerto para Sitar nº 1, de Alex Pochat; A Árvore que Chora, de Joélio Santos (sax-barítono); Cantem, Meus Amores, Cantem!, de Paulo Rios Filho (bateria); Lugarnenhumregionalfolkmusic, de Túlio Augusto (gaita) e Yêlelá Twendê, de Paulo Costa Lima (duas sopranos, percussão e baixo elétrico).
“Os instrumentos que escolhemos são incomuns e a plataforma é totalmente interativa“, nota Pochat.
Conserte-se!
Lançamento do site com cinco peças de música erudita contemporânea
Hoje, 20 horas | Pátio do ICBA/Goethe Institut (3337-0120)
Av. Sete de Setembro, 1809, Corredor da Vitória
Grátis
Cinco compositores de Salvador encampam um ousado projeto que cruza música erudita com conteúdo digital: é o Conserte-se!, um conjunto de cinco peças para orquestra e instrumentos inusitados que terá lançamento hoje no Icba, e estará disponível para download gratuito em um site próprio.
O grupo de cinco músicos, formado em 2006 por Alex Pochat, Joélio Santos, Paulo Costa Lima, Paulo Rios Filho e Túlio Augusto é denominado OCA (Oficina de Composição Agora), visto acima, em foto de João Meirelles.
Para viabilizar o projeto, o grupo conseguiu vencer o Edital de Criação de Conteúdo Digital em Música 2008, da Fundação Cultural do Estado da Bahia.
No evento de hoje será possível ouvir as cinco peças criadas pelo grupo, com ou sem as intervenções do mestre de cerimônias da ocasião, o DJ Mauro Telefunksoul.
“Será uma audição do álbum virtual que estará diponível para download no site www.ocaocaoca.com. Não vai ter a orquestra tocando“, avisa Alex Pochat.
“Mauro será o Mestre de Cerimônias. Então, além de tocar as músicas, ele também vai fazer uma gracinhas em tempo real“, acrescenta. Para quem quiser conferir as peças na sua forma pura terá a disposição diversos pontos com headphones.
As peças são músicas com média de oito a nove minutos para instrumento solista e orquestra.
O interessante do projeto será conferir a sonoridade que os instrumentos solistas, inusitados do ponto de vista erudito, ganharam junto à orquestra – de quase trinta músicos, sendo seis convidados de outros estados (como São Paulo e Goiás), com a regência do Maestro Paulo Novais.
Quem levar seu MP3 player para o Icba hoje, já volta para casa com as peças carregadas no aparelho. São elas: Concerto para Sitar nº 1, de Alex Pochat; A Árvore que Chora, de Joélio Santos (sax-barítono); Cantem, Meus Amores, Cantem!, de Paulo Rios Filho (bateria); Lugarnenhumregionalfolkmusic, de Túlio Augusto (gaita) e Yêlelá Twendê, de Paulo Costa Lima (duas sopranos, percussão e baixo elétrico).
“Os instrumentos que escolhemos são incomuns e a plataforma é totalmente interativa“, nota Pochat.
Conserte-se!
Lançamento do site com cinco peças de música erudita contemporânea
Hoje, 20 horas | Pátio do ICBA/Goethe Institut (3337-0120)
Av. Sete de Setembro, 1809, Corredor da Vitória
Grátis
quarta-feira, agosto 12, 2009
CINEMA EM ALTA, MÚSICA EM BAIXA
Realizado ontem, o Seminário Exportação de Serviços: Internacionalização da Música e Audiovisual reuniu em Salvador especialistas em levar ao exterior os sons e as imagens do Brasil
“O negócio da música está definitivamente em baixa. Não há dinheiro”. Quem garante é o inglês David Peter McLoughlin, do Brasil Música & Artes, um dos presentes ao primeiro Seminário Exportação de Serviços: Internacionalização da Música e Audiovisual, realizado ontem na Federação das Indústrias da Bahia (Fieb).
Um termômetro desse momento ruim, segundo David, é a decadência das feiras de música ao redor do mundo, onde as gravadoras costumavam fechar grandes negócios. O grande potencial de exportação da música e do audiovisual baianos – bem como os caminhos para levar esses produtos ao público externo – foram os assuntos dominantes durante o evento.
O seminário é um acontecimento de certa forma importante, pois marca a primeira vez em que a Secult se articula em parceria com outro órgão do governo estadual de suma importância quando se trata de comércio exterior: o PromoBahia – Centro Internacional de Negócios, da Secretaria de Indústria, Comércio e Mineração do Estado.
“O fruto principal (deste evento) é uma coisa muito simbólica: a parceria Secult-Promo. Essa aproximação com quem sempre exportou, e agora vê que a cultura também é um produto passível de exportação, é um grande avanço”, define Gilberto Monte, diretor de música da Fundação Cultural do Estado, órgão ligado à Secult.
Remake para Estômago – Entre os palestrantes estavam nomes como Claudia da Natividade (produtora de Estômago, coprodução Brasil-Itália e filme brasileiro mais premiado de 2008), David Peter McLoughlin (Brasil Música & Artes – BM&A, associação privada de difusão internacional de música), Gabriel Valois (do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição – ECAD) e Fabiano Gullane (Gullane Entretenimento, produtora dos filmes Carandiru e Bicho de Sete Cabeças).
A primeira a falar foi Claudia, que contou em detalhes a jornada de parceria com o produtor italiano Alesandro Mascheroni, de Milão, que resultou no filme Estômago, um grande sucesso de crítica – e bastante razoável de público. Graças ao bom desempenho nos festivais internacionais, a produtora já vendeu os direitos de refilmagem de Estômago para Hollywood em 2010.
“Estamos na fase de fechamento do cast internacional agora, que não posso abrir por questões de contrato. Mas posso garantir que são estrelas de grande porte”, declarou.
MÚSICA – “Hoje não se compra mais música, mas conteúdo. Hoje, se eu chegar no Midem (mais famosa feira da indústria fonográfica mundial) e disser que tenho dez faixas inéditas de Roberto Carlos, isso com certeza não atrairia tantos compradores quanto se eu dissesse que tenho 50 mil faixas de artistas independentes”, compara McLoughlin em sua palestra sobre música.
“A indústria fonográfica talvez morra mesmo, ainda não se sabe. Mas o negócio do mercado de CDs deve acabar com certeza, tornando-se um nicho muito especializado, como a Biscoito Fino, que produz CDs belíssimos em digipack, mas tendo em vista um público reduzido”, acrescenta David.
“Se você tem uma banda de pop rock, esqueça. Ninguém vai comprar seu disco. É você quem tem que pensar em formas de comercializar sua música”, garante David.
Seria a venda de downloads um caminho viável, então? “O mercado digital também não compensa ainda. Melhorou bastante, mas ainda não é grande indústria. Até por que a molecada baixa tudo sem pagar um centavo”, constata.
Sites como MySpace e similares também estão longe de serem solução. Pelo contrário: “Os donos desses sites ganham milhões e o artista só fica com o gosto de estar sendo ‘democrático’. Esses sites estão roubando os artistas“, denuncia.
No século XIX os operários aprenderam a se organizar e lutar pelos seus direitos. Está na hora de os artistas fazerem o mesmo”, exorta.
“O negócio da música está definitivamente em baixa. Não há dinheiro”. Quem garante é o inglês David Peter McLoughlin, do Brasil Música & Artes, um dos presentes ao primeiro Seminário Exportação de Serviços: Internacionalização da Música e Audiovisual, realizado ontem na Federação das Indústrias da Bahia (Fieb).
Um termômetro desse momento ruim, segundo David, é a decadência das feiras de música ao redor do mundo, onde as gravadoras costumavam fechar grandes negócios. O grande potencial de exportação da música e do audiovisual baianos – bem como os caminhos para levar esses produtos ao público externo – foram os assuntos dominantes durante o evento.
O seminário é um acontecimento de certa forma importante, pois marca a primeira vez em que a Secult se articula em parceria com outro órgão do governo estadual de suma importância quando se trata de comércio exterior: o PromoBahia – Centro Internacional de Negócios, da Secretaria de Indústria, Comércio e Mineração do Estado.
“O fruto principal (deste evento) é uma coisa muito simbólica: a parceria Secult-Promo. Essa aproximação com quem sempre exportou, e agora vê que a cultura também é um produto passível de exportação, é um grande avanço”, define Gilberto Monte, diretor de música da Fundação Cultural do Estado, órgão ligado à Secult.
Remake para Estômago – Entre os palestrantes estavam nomes como Claudia da Natividade (produtora de Estômago, coprodução Brasil-Itália e filme brasileiro mais premiado de 2008), David Peter McLoughlin (Brasil Música & Artes – BM&A, associação privada de difusão internacional de música), Gabriel Valois (do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição – ECAD) e Fabiano Gullane (Gullane Entretenimento, produtora dos filmes Carandiru e Bicho de Sete Cabeças).
A primeira a falar foi Claudia, que contou em detalhes a jornada de parceria com o produtor italiano Alesandro Mascheroni, de Milão, que resultou no filme Estômago, um grande sucesso de crítica – e bastante razoável de público. Graças ao bom desempenho nos festivais internacionais, a produtora já vendeu os direitos de refilmagem de Estômago para Hollywood em 2010.
“Estamos na fase de fechamento do cast internacional agora, que não posso abrir por questões de contrato. Mas posso garantir que são estrelas de grande porte”, declarou.
MÚSICA – “Hoje não se compra mais música, mas conteúdo. Hoje, se eu chegar no Midem (mais famosa feira da indústria fonográfica mundial) e disser que tenho dez faixas inéditas de Roberto Carlos, isso com certeza não atrairia tantos compradores quanto se eu dissesse que tenho 50 mil faixas de artistas independentes”, compara McLoughlin em sua palestra sobre música.
“A indústria fonográfica talvez morra mesmo, ainda não se sabe. Mas o negócio do mercado de CDs deve acabar com certeza, tornando-se um nicho muito especializado, como a Biscoito Fino, que produz CDs belíssimos em digipack, mas tendo em vista um público reduzido”, acrescenta David.
“Se você tem uma banda de pop rock, esqueça. Ninguém vai comprar seu disco. É você quem tem que pensar em formas de comercializar sua música”, garante David.
Seria a venda de downloads um caminho viável, então? “O mercado digital também não compensa ainda. Melhorou bastante, mas ainda não é grande indústria. Até por que a molecada baixa tudo sem pagar um centavo”, constata.
Sites como MySpace e similares também estão longe de serem solução. Pelo contrário: “Os donos desses sites ganham milhões e o artista só fica com o gosto de estar sendo ‘democrático’. Esses sites estão roubando os artistas“, denuncia.
No século XIX os operários aprenderam a se organizar e lutar pelos seus direitos. Está na hora de os artistas fazerem o mesmo”, exorta.
segunda-feira, agosto 10, 2009
ENTREVISTÃO MARCELO NOVA - TEXTO INTEGRAL
Senta, que lá vem história...
Na infância:
Eu era muito tímido e concentrava todos os meus desejos através da música. Tudo para mim vinha através da música. Eu me lembro de tardes inteiras sozinho no meu quarto ouvindo música, sem fazer mais absolutamente nada. Mas ouvindo música no sentido mais amplo da palavra: atento, ouvidno o baixo, ouvindo a guitarra, o pratro. Tirava um disco, colocava outro. Eu não ficava divagando sobre outros temas. Eu ouvia tudo com a maior atenção, como se estivesse aprendendo alguma coisa. Mas na verdade, era mais um estímulo para a sensibilidade, mesmo. Aquilo me possúía de uma maneira... Hoje eu acho impressionante. Na época era tão natural, tá entendendo? Era tão natural gostar daquilo, eu me sentia excitado com aquilo, eu queria fazer parte daquilo no meu mundo imaginário. Era assim, muita música o tempo todo. Enquanto que os moleques gostavam de jogar bola, ir para a quadra... Eu tinha um amigo aqui em Salvador que nunca mais eu vi, chamadao Mário Mílton, eu não lembro o sobrenome dele. Nós estudávamos no Colégio Antônio Vieira, e no recreio - ele era um ano mais adiantado que eu - a molecada toda ia jogar bola, quem não tava jogando esparava a de fora. Eu me lembro que ficávamos no cantinho da quadra, dizendo: "Você viu o cabelo de Brian Jones, bicho"? "Eu viiii. Eu queria botar o meu por cima da orelha, mas meu pai disse que era coisa de veado. Aí mandou eu cortar o cabelo".
Eu morava na Graça, na Rua Horácio Urpia. Passei ontem pela porta, graças ao Osvaldo (Silveira) Júnior (Bramis), que me levou pelos caminhos do tempo".
Osvaldo (Bramis): "Ele era vizinho do pai de Pedro "Bó" Rocha (ex-baixista da banda Sangria, tocou com Marcelo no show do Groove Bar), Mário e Lula, irmão dele".
Primeiro Contato com o Rock:
Me lembro perfeitamente do momento. É gozado, hoje quando você fala em rock 'n' roll, você tem tantos signos e referências, (naquela época) ninguém sabia o que era rock 'n' roll. 'Que porra é rock 'n' roll?' Eu tô falando de 1959. Rock 'n' roll era um negócio que acontecia nos Estados Unidos e tinha um tal de Elvis Presley que cantava uns negócios, mas ninguém sabia o que era aqui no Brasil. Era música americana, música da moda, qualquer coisa assim, o tratamento era assim. E como meus pais não tinham o costume de ouvir música e minha irmã só ouvia bossa nova, a chega daquilo através de um disco de Little Richard, chamado Aqui Little Richard (Here's Little Richard). Saiu assim, traduzido: 'AQUI, LITTLE RICHARD". E havia uma loja que ficava numa travessa da Rua Chile, chamada C. Sampaio. E eu passei por ali um dia com meu pai e ouvi esse Little Richard, que eu nunca nem tinha ouvido falar. Eu tinha oito ou nove anos de idade, 1959, 60. E eu pedi a ele para me dar o disco. Ele comprou, e pela primeira vez eu tive um disco musical. (Até então) Eu só tinha aqueles discos de Branca de Neve, Os Três Porquinhos, historinha. Aqui Little Richard. Quando eu cheguei em casa que eu botei aquilo na vitrola do meu pai, eu enlouqueci, bicho. Enlouqueci completamente. Era algo radicalmente diferente de tudo o que eu tinha ouvido. João Gilberto era um CHATO! Little Richard era um grito de liberdade total, cê tá entendendo? A ponto de eu pular no sofá de mola de minha mãe, que ela tinha comprado em Deraldo Móveis. Quando você pula no sofá que sua mãe comprou em Deraldo Móveis... isso é uma transgressão. Essa é a verdadeira transgressão. Quebrar a mola do sofá que sua mãe comprou em Deraldo Móveis".
Néctar, a loja de discos:
Tive antes de viajar para os Estados Unidos, entre 1975... Antes eu trabalhei com meu pai (Dr. Fernando Nova, fundador do Instituto Baiano de Reabilitação em 1956). Ele era médico e ele tinha uma clínica de fisioterapia e eu fui fazer palmilha para pé chato, tinha uma expressões. Era... genuraro e genuvalgo, pé que tinha muita curva, pé que tinha pouca curva... Eu fazia pedigrafia, que era um aparelho simples, era de madeira com uma camada de plástico, de borracha em cima, bem fininha, tinha uma tinta a pessoa pisava por cima do plástico e fazia a impressão do pé. Fiz isso duante um tempo com ele. Vendi seguro também, da Mombrás - Montepio dos Militares do Brasil (risos). E queria fazer um programa de rádio. Eu vivia nessa. A loja foi mais uma tentativa de me aproximar da música. Era uma lojinha, na verdade, na Rua Barão de Itapoan, na Barra. Durou dois, três anos, quase. Aí, em determinado momento eu passei o ponto da loja e com a grana que eu ganhei, fui passar três meses em Nova Iorque. Na verdade, fui passar um mês e fiquei três. Isso, em 1980. Foi a primeira viaem que fiz para fora do Brasil. Eu já era radialista, né? Em 1978, fui trabalhar na Rádio Aratu FM. Além (do programa) Rock Special, eu fazia a programação da rádio. Você ouvia Frank Sinatra cantando My Way e quando acabava, entrava Sid Vicious cantando My Way junto, colado. Principalmente para levar os donos da rádio e seus familiares a loucura completa. Por que (naquela época) FM não era esse bagulho completo que se tornou hoje, não. Era sinônimo de de sofisticação. Quem era povão ouvia AM. Quem tinha 'bom gosto' musical, ouvia a FM, que era uma programação selecionada, para pessoas que realmente conheciam música. Aí eu tocava Frank Sinatra cantando My Way e todos os donos da rádio em casa, tomando banho de piscina com seus amigos influentes, diziam: 'olha aí a minha rádio, o nível da programação da minha rádio'. Aí depois entrava Sid Vicious bêbado, vomitando e cuspindo e cantando My Way. 'Queeeem foi o filho da puta que botou isso pra tocar?' (Risos).
Osvaldo: "Uma coisa interessante aí, Marcelo, era como esses discos chegavam na sua mão. Até o Kid Vinil fala sobre isso no Botinada (documentário sobre a história do punk rock no Brasil, de Gastão Moreira, disponível em DVD). Vários desses discos chegavam lá nas gravadoras do Sul e ninguém sabia do que se tratava. Aí mandavam pro Marcelo Nova na Bahia.
Marcelo: (Na época) Ninguém sabia o que era o (The) Clash. Ninguém sabia. Ninguém tinha menor ideia. Sex Pistols? Era uma coisa que o cara tinha ouvido falar e só sabia que era uns caras se vestia toda rasgada (risos). Era uma banda que se vestia podre, uma banda rota.
Osvaldo: O interessante é que com a loja e o programa, ele acabou se tornando uma referência. Chegava um disco que ninguém sabia o que era? Mandavam pra Marcelo. Eu vivia peruando na Néctar e na época não tinha internet.
Marcelo: Mesmo durante a época da programação da rádio, os caras me levavam pro Rio, abriam um armário com 300 LPs que eles não sabiam literalmente o que fazer com os discos. Eu me lembro que eu peguei o cara da Polygram, que na época era Phonogram, e hoje é a Universal, eu fui falar pra ele o que era The Jam, Siouxsie and The Banshees... Ele não tinha a menor ideia. A menor ideia. 'Marcelo, vem cá, você conhece isso aqui? Dá pra vender?'. (Risos) Muito bom! Os caras da indústria, cara! Muito bom!
Osvaldo: Uma coisa que impressionava a gente é que, como ninguém sabia o que era aquilo, não tinha internet, nada, era você que tinha que captar o espírito daquela porra sem ter informação. 'O que significa isso'?. Ninguém tinha, ninguém sabia. E ele (Marcelo) era um dos caras que conseguiam pegar – não se sabe como, morando na Bahia – ele conseguiu entender aquela porra e traduzir pra gente. Ninguém sabia o que era aquilo. Nem ele sabia. Era instintivo. Isso era foda! Eu me lembro do disco do Radio Birdman...
Marcelo (interrompe): Você lembra do Radio Birdman (clássica banda do punk rock australiano)? Radio's Appear! (LP de 1977). (Risos)
Osvaldo: A gente ficava coçando a cabeça: QUE PORRA É ESTA? (Risos) E ele ficava lá, 'não por que isso é uma banda australiana assim assado', ele criava uma interpretação ali na hora. Era criação.
Marcelo: Eu sabia que a banda era australiana. Aí eu ouvia, entendia uma boa parte do que eles tavam falando outra parte não entendia mesmo e fazia uma interpretação em cima disso. Do que era, qual era a intenção, pra onde a coisa musicalmente ia... Era...
Osvaldo: A gente comprava a Melody Maker (revista inglesa de rock, já extinta), que chegava (na banca) A Revista, na (Rua) Afonso Celso (na Barra), com quatro, cinco meses de atraso, quando chegava. E mesmo eles naquela época não tinham a menor ideia do que estava acontecendo.
Em NY:
Foi importante, por que vi vários shows lá. É o que eu falei dos Panteras: o contato visual é importantíssimo. Eu já imaginava fazer parte de uma banda, integrar uma banda. Mas onde é que eu ia arranjar um guitarrista tão bom quanto Jimi Page? Ou um baterista tão bom quanto Ian Paice? Não tinha isso. O rock, naquele momento ali, era uma coisa que estava muito distante, concentrada no virtuosismo de cada integrante da banda. E o punk, de uma certa forma ou de todas as formas, veio e derrubou isso. Desmistificou isso. E isso eu vi. Os caras com quem eu saía em Nova York, eles trabalhavam em loja de disco de manhã e de tarde. Quando era de noite, eles pegavam um amplificadorzinho, uma guitarra Telecaster velha e iam pro CBGB's ou outra casinha tocar. Aí eu pensei: 'ora, isso eu também sei fazer'. (Risos) Aí comecei a arquitetar a ideia de que, quando voltasse pro Brasil, eu ia fazer uma banda nesses moldes, né? 'Faça você mesmo'. Como eu não sabia tocar instrumento nenhum, mas eu conhecia música, eu ouvia muito, eu percebi que eu poderia escrever, que era o que eu gostava mesmo de fazer. Eu gostava de contar histórias, eu gostava de escrever. E de ler. Eu gostava de ler, portanto gostava de contar histórias, portanto achei que poderia escrever textos de canções. E foi isso. Eu comecei a escrever primeiro em cima de músicas que eu ouvia do The Jam ou do próprio Clash... Mas até quando eu escrevia era diferente, né? Você pegar uma música como Complete Control, do Clash, que fala de uma outra coisa e eu fiz uma música chamada Controle Total (Fermata, 1981, primeiro compacto do Camisa de Vênus). Ou seja: como eu não sabia compor, eu escrevi um texto falando sobre a Bahia, a cena cultural e musical baiana. Mas aí, como eu não sabia compor, eu adaptava esse texto para uma música do Clash. Que não tinha nada a ver com aquilo que eu tava falando. Mas que caía como uma luva!
Bete Morreu:
Era uma matéria de jornal, falando sobre a menina que tinha sido violentada e um chofer de caminhão tinha encontrado o corpo e tal. Basicamente foi isso.
Pára a entrevista, atende o pessoal do programa de rádio Roda Baiana e fala ao vivo:
"Vc sabe que Os Panteras foram meus Beatles, né? Eu molequinho, eu tinha meu contato auditivo com música, com o rock espcificamente, mas eu nunca tinha visto. A primeira vez que eu vi uma banda na minha vida, a dois metros de distância foi Raulzito & Os Panteras. Então tem muita gente que gostaria de ter visto os Beatles. Eu não só vi, como hoje toco com os 'meus Beatles'. (...) Rapaz, olhe, eu não entrei por que vc mandou. Eu não faço nada que ninguém me manda, entedeu? Se vc tivesse sugerido essa possibilidade, talvez eu ainda lhe atendesse, mas apesar de velho, vc sabe que ainda tem um certo antro de radicalismo dentro de si que vc não consegue se desvencilhar. Mas vc pode ter certeza (risos) de uma coisa: dia 6 de outubro a gente vai tá aí, velho (no Música Falada, no TCA). (...) Na verdade, é isso mesmo, é tocar pra molecada, meu filho Drake vai tocar comigo também. Chega de velho, né? De velho já basta eu. Aquela má vontade desgraçada pra ligar o amplificador, aí reclama de tudo, da comida, do avião, da aeromoça... Negócio de velho mesmo. Então agora eu tô me divertindo tocando pra molecada. 'Marcelão é o cara e tal', beleza! 'É isso mermo, meu filho, vamo lá, vamo tocar'. Sim, venham mesmo, vocês são bem-vindos. (Muito naturalmente): Prometo que no Música Falada eu vou destruir numa noite tudo o que vocês construiram em anos. Pode deixar comigo. (Pausa. Começa a rir). Não, queisso, 'magina! Obrigado a vocês. Abraço! (Desliga o telefone, volta a conversar na mesa). 'Você entrou no site do Música Falada que eu mandei?' 'Meu amigo, eu não faço nada etc'. (Ri desbragadamente). Osvaldo, ninguém, ninguém (bate no peito) me manda fazer nada, velho! Nada!
Relação com a Bahia:
Desde muito cedo (comecei a perceber que não me identificava com a Bahia). Muito até por causa dessa história mesmo do rock. Era uma cena... por exemplo: depois daquela coisa anos 60 do Raulzito & Os Panteras e outras bandas que tinham aqui em Salvador, isso desapareceu completamente e acho que depois tinha o quê... Mar Revolto, eu acho, que foi a banda dos anos 70 que tinha uma relação próxima com o rock 'n' roll. E eu ia muito pra São Paulo, por que minha mãe tinha uma irmã lá. Então eu passava as férias de junho e julho na casa dessa minha tia em São Paulo. E eu sempre me senti atraído pela cidade grande, aquela série de outras possibilidades, por uma coisa mais... mais... mais urbana mesmo. E toda vez que eu ia pra São Paulo eu comprava uma porrada de discos... Era o meu 'parquinho mesmo. Então, quando finalmente surgiu a possibilidade de sair de Salvador, através do Camisa de Vênus para tentar uma carreira nacional, até porque nós não tínhamos mais nada para fazer aqui, o que tinha pra fazer, já tínhamos feito, eu passei sete, oito meses morando no Rio de Janeiro. Mas também não consegui me identificar nem me relacionar com a cidade, com o ambiente sócio-cultural do Rio.. Eu percebi que era São Paulo mesmo a cidade que eu tinha de ir. Nós do Camisa ainda tivemos um encanto muito grande por Porto Alegre, por que nós saímos de Salvador, íamos pro Rio, SP, mas os primeiros grandes públicos que nós tivemos foram em Porto Alegre. E as gaúchas eram muito atraentes do ponto de vista físico e elas nos perseguiam no meio da rua, como se fôssemos John, Paul, George e Ringo, entendeu? Então isso era muito interessante. Os baianinhos, queimadinhos do sol, com aquelas loiras de olho cinza, azul, aquelas alemãs, italianas de um metro e oitenta. Ali era uma espécie de colônia de férias do rock. Uma Disneylândia no bom sentido. A Disneylândia que Michael Jackson com certeza não gostaria. (Risos). Mas pra ficar, pra trabalhar, pra ter uma base mesmo, organizar uma banda, um centro de onde você pudesse partir pra viajar pelo país, o lugar mais adequado era São Paulo mesmo.
Incidente com Clemente e os punks:
Na verdade, não foi no Madame Satã. Foi no Carbono 14. Eu me envolvi numa discussão com um cara, e esse cara tava com mais cinco ou seis caras, e quando a coisa... Eu era um menino de temperamento quente. Quando a coisa esquentou, ele puxou um punhal pra mim, com uma lâmina enorme e veio pra cima. Clemente simplesmente pulou na frente dele, virou pra mim e falou: 'saia fora que eu resolvo'. E foi exatamente o que eu fiz. Só que, como eu era um moleque da cabeça muito quente, eu fui pra casa e peguei um 32 que meu pai tinha deixado pra mim quando morreu. Peguei e voltei. 'Ah, é punk? Então agora eu vou mostrar como se pode ser punk, mesmo'. Só que, quando eu cheguei lá, o cara já tinha ido embora. Clemente veio falar comigo: 'oi, eu sou o Clemente, eu sei quem você é, você o cara do Camisa de Vênus', Aí eu agradeci a ele, por que se não fosse ele, eu provavelmente teria virado churrasquinho, por que eram seis caras e armados, né? Aí ficamos conversando e até hoje eu digo pra ele: 'Clemente, eu sou um sujeito tão imerecedor da luz divina, mas tão imerecedor que todo mundo tem um anjo da guarda lourão de asas longas. O meu anjo da guarda é preto!". (Risos) E Clemente até hoje é um grande amigo meu. Outro dia tocamos juntos e ele falou pra mim: 'É, se eu soubesse que tu ia dar nisso, tinha deixado tu morrer lá na faca!'. (Risos) Ficamos amigos a partir desse dia, lá no meio dos anos 80.
Rock Special:
As pessoas paravam mesmo pra ouvir! O curioso é que era um programa de rock 'n' roll absolutamente radical, por que só tocava rock 'n' roll mesmo e 70%, 80% do que tocava não era lançado no Brasil, não eram coisas que as pessoas pudessem encontrar nas lojas, e isso começou a chamar a atenção das gravadoras que ficavam no Rio e São Paulo. 'Pô, tem um cara maluco lá na Bahia que toca um programa de rock'. E começaram a me mandar discos, e me convidar pra ir pro Rio e abrir as prrateleiras com 300 discos que eles não tinham a menor ideia do que era e achavam que, de alguma maneira, eu pudesse ajudar a divulgar aquilo. O que muito me agradava, por que pegava vários discos de boas bandas que eu achava que tinham a ver com o programa e colocava no ar. Foi o meu Autorama. Na verdade, o Camisa de Vênus é que foi o meu Autorama. De vez em quando eu gosto de montar o Autorama, dou duas voltinhas. Depois enjoa. Foi o meu Autorama, o Camisa de Vênus.
As três únicas bandas que importavam nos anos 80, segundo Marcelo:
A reação (ao Camisa de Vênus) sempre houve. A minha incompatibilidade com o cenário baiano depois se estendeu pro rock brasileiro também! Eu continuei fazendo lá o que eu fazia aqui! Só que ao invés de discutir e me incompatibilizar com o - na época não se chamava ainda de axé, eram os telúricos - passei a me incompatibilizar com os tais dos caras do rock brasileiro. E nem era com ninguém especificamente. Era aberto, era franco. Era uma distândcia que havia muito grande a forma de... Primeiro, uma coisa: naquela coisa toda dos anos 80, só tinham três bandas. Três. O resto era tudo segunda divisão. Era Ultraje a Rigor, que era uma banda que tinha um texto que pendia para um certo humor irônico. Você tinha o Legião Urbana, que tinha aquela coisa messiânica de Renato Russo, que era um cara que sabia falar pra molecada, aquelas questões de brigas com pai, com mãe, as angústias adolescentes, ele traduzia isso muito bem. E tinha o Camisa de Vênus, que era uma banda absolutamente anárquica, corrosiva e que não se enquadrava em nenhuma categoria. Por que não era punk, não era pop, não era metal, mas era tudo isso misturado de alguma maneira. O resto era tudo segunda divisão. Essas eram as três bandas de rock que importavam. Hoje todo mundo fala dos anos 80, fulano, sicrano... Quem tava lá sabe: o Led Zeppelin, o Black Sabbath e o Deep Purple (do rock Brasil) não necessariamente nessa ordem eram o Camisa, o Ultraje e o Legião. Ponto.
Por que montar uma banda de rock:
Eu montei uma banda de rock, primeiro para saciar um desejo que eu tinha de conviver com a música que sempre me acompanhava do ponto de vista da audição. Eu queria incorporá-la ao meu dia a dia e fazê-la. Eu queria fazer meus poemas, minhas canções e eu precisava da música pra isso. Em segundo lugar, por que eu queria esculhambar com a Bahia. (Risos) E eu consegui fazer as duas coisas. E as pessoas me pagavam pra isso! Então eu achava isso muito interessante. Eu era pago pra esculhambar. Eu entrava nas rádios e as pessoas falavam: 'E aí, Marcelo? E num-sei-quem?' E falavam de um músico baiano. 'E fulano?' O que eu achava que ia ser uma ofensa, digamos assim, acabou se tornando um lugar comum. O Camisa, quando lançou o terceiro disco (Correndo o risco, 1986), Só o Fim, quando saiu o single dessa música, ela saiu junto com uma música da Madonna (Papa Don't Preach). Estamos falando de 1986, quando Madonna era, disparada, a figura mais destacada do universo pop e um sucesso retumbante de execução em rádios. Só o Fim foi a música mais tocada da Warner naquele ano, superando inclusive Madonna. Ou seja: o Camisa saiu do grito de 'Bota Pra Fuder' na Casa de Festejos para se tornar a banda mais executada em 1986. Só o Fim foi um hit que tocou sete meses na rádios sem parar! Sem parar! E eu percebi que eu estava correndo o risco de virar uma caricatura de mim mesmo. Eu tinha alguns exemplos recentes aqui mesmo na música baiana. Eu disse: 'não vou padecer desse mal'. Quando o Camisa estava naquilo que se chama de 'auge da popularidade', da vendagem de discos, das turnês, eu estava profundamente insatisfeito com aquilo. Eu já tinha visto aquele filme antes e aquilo pra mim era tudo deja vu. Daí a sua pergunta. Eu não frequentava festinhas, eu não cheirava cocaína, eu não achava graça em tiete. Eu já tinha feito tudo isso! Eu não queria me perpetuar nessa coisa do glamour, da fama, da celebridade, por que eu nunca persegui isso! A minha maior perseguição, primeiro eu queria esculhambar com a Bahia. E depois com o rock brasileiro, que depois eu descobri que era ainda mais divertido do que esculhambar a Bahia, até por que a maioria dos músicos baianos são semi-analfabetos. A maioria deles não sabe articular uma frase com sujeito e predicado. Então não adianta você bater num cavalo morto. Não tem graça. O rock brasileiro, como era povoado por meninos de classe-média, havia ainda uma certa pretensão intelectual, ou certas referências intelectuais, então aí era bom de bater. Eu me diverti muito batendo em muita gente no ringue. Eu gosto de estar no ringue. Pra mim, seu bato ou se eu apanho, pra mim é indiferente. Eu gosto é de estar no ringue, velho! Estar no ringue é sensacional. A luta em si. O resultado da luta varia. Tem dia que você ganha, tem dia que você toma uma no queixo e cai. Faz parte da luta. Eu gosto da luta. Hoje, não. Hoje eu tô mais pra um treinador. Como era o nome daquele cara que treinava Mike Tyson? Aquele cara gordinho de cabeça branca? Hoje eu tô aqui, ó: esse é o meu lutador (aponta para o filho Drake). Eu tô cuidando da carreira dele no bom sentido. Não da carreira profissional. Mas da carreira existencial dele. Me considero responsável por apontar-lhe um caminho. E tenho cuidado disso, por que essa vida de rock star, cara, do rock 'n' roll, shows, mulheres, turnês, se você começar a acreditar realmente nisso - e as tentações são inúmeras - você tende a menosprezar o que tem realmente de concreto e de real (bate no peito). Você tá entendendo? Eu, aos 34, mandei tudo isso embora. Saí do Camisa na época, em 87. Àquela altura, o Camisa pra mim não fazia mais sentido. E foi a realização do meu sonho, cara. O Camisa foi a minha primeira banda. Nós, e aí eu incluo Karl (Franz Hümmel), Robério (Machado), Gustavo (Müllen), nós percorremos uma trajetória como totais alienígenas. O Camisa de Vênus realmente não sabia tocar! As pessoas diziam isso e eu respondia: 'mas quem precisa saber tocar é músico. As pessoas não vêm pra ver a gente tocar. As pessoas vêm nos ver. As pessoas vêm ver a performance do Camisa. Nós somos tão bons e tão interessantes, que nossa música é uma outra coisa! Nós não precisamos saber tocar! Saber tocar é pra gente medíocre, que precisa disso!' (Risos) Aí vinha: 'Como ele ousa falar isso', aí era uma delícia, aí eu deitava e rolava. Era uma delícia por que eles são muito ingênuos, né? Então as provocações eram um espetáculo a parte. Tem crítico musical que até hoje fala mal de mim. Ele não fala mal da minha música. Ele não fala mal do que eu escrevo. Ele fala mal de mim! Por causa das ironias que eu perpetrei há 20, 30 anos atras. Eles nunca me perdoam por isso. Outro dia, um menino, que já não é tão menino, ele me confidenciou: 'porra, cara, eu fiquei puto com você por que você disse que crítico musical era igual a eunuco numa suruba. Ele vê fazer, ele sabe como fazer, mas ele não pode fazer. (Risos) Ele escrevia num jornal em Porto Alegre. Aí nego publicava, né? 'Marcelo diz que críticos são eunucos'. Isso, uma frase dessas, que era mais ou menos como você estar correndo no campo, e o ponta-direita cruza, você mete o pé e a bola vai no ângulo, foi muito mais um acaso, bate-pronto do que propriamente uma coisa articulada, isso adquiria uma importância por que partia de mim. E como eu não dava margem pra nego me pegar no contrapé, por que eu nunca fiz reggae, eu nunca fiz pop song, eu nunca fiz funk, nem música eletrônica, eu nunca fui MU-derno. Pelo contrário. O que eu faço vem da tradição. Tudo o que faço vem da tradição. Tudo o que eu faço é por que alguém fez antes de mim e se eu tenho algum mérito nisso é de ter conseguido borrar minha impressão digital no que eu faço. Por que quando eu abro a boca e canto, todo mundo sabe que sou eu. Ninguém pergunta 'quem é esse cara?' Todo mundo sabe que sou eu. Não é como a maioria das bandas dessa nova geração que você não sabe quem é quem? E não tem nenhum critério de valor de ficar dizendo que é bom ou ruim, nem parto desse ponto de vista. É despersonalizado. As bandas de hoje estão todas despersonalizadas. As bandas todas seguem uma tendência, todas seguem um estilo e até tem todas o mesmo produtor! Ou os mesmos produtores, né? Que já trabalham dentro daquela mesma sonoridade pra poder ir tocar nas principais rádios pra poder reverter e... aquela história toda. Então essa história de 'criar algo novo', isso é tolice! Tolice! Quer criar um som novo? Enfia um berimbau no cu e sai arrastando ele no asfalto. Vai sair algum som novo daí? Talvez saia. Mas e daí, isso tem algum valor? Isso tem alguma importância, alguma relevância? Essa coisa do culto do novo pelo novo é profundamente ridícula.
A missão de Marcelo: esculhambar a Bahia
Era uma coisa juvenil e que remetia a um certo heroísmo: um contra todos. Totalmente quixotesco! Eu me insurgi contra o poder da música baiana de uma forma totalmente radical! Aberta, franca! E eu tinha uns asseclas que compraram a história, que eram caras que não tinham uma... uma direção na vida. Estavam perdidos em Salvador. Perdidos, completamente. Nos insurgimos contra o mito da Bahia, 'a Terra de Io-iô e Ia-iá'.
Osvaldo: É aquela coisa da Bahia mítica de de Ary Barroso, que não existe. É o Valhalla brasileiro. E eu desconfio que Ary Barroso nunca pisou na Bahia. Não tenho certeza. Mas Carmen Miranda nunca botou os pés aqui. Isso não é crítica nem nada, é uma constatação. É o mito da Terra de Felicidade, onde todo mundo é feliz. Nego não ganha dinheiro, mas é legal, a Bahia é bonita, tem sol. Realmente, essa parte é muito bonita, diga-se de passagem, mas... é um mito. Pra quem mora aqui, vive aqui, se fode... Você sabe disso tanto quanto eu.
Marcelo: Eu fiz até uma piada na época: 'Já foi a Bahia, nego? Então, Valhalla!" (Risos)
Se a Bahia estivesse pegando fogo, vai queimar tudo, o que você salvava da Bahia?
Porra! (Risos. Pára e pensa.) Veja bem, eu acho que a distância que eu estou da Bahia é tão grande, que a minha mangueira não ia chegar até lá. Entendeu? (Risos).
Relação com gravadoras:
Praticamente não havia relacionamento por que eles pretendiam algo que eu não era capaz de oferecer. Eu tinha uma visão muito clara do que eu queria. Não vou nem dizer que era certo ou errado. Mas eu sabia o que eu queria. Por onde eu queria percorrer.
Eles acharam que tinham contratado a próxima Blitz mas pegaram foi um Sex Pistols pela frente.
Marcelo: Exatamente! Eu não queria ser mais uma banda do pop rock brasileiro, do rock de bermudas. Aliás, essa ironia do rock de brmudas, o que tem de músico carioca que até hoje nã me perdoa por tê-los caracterizado dessa maneira... Eles não entendiam, né? Mas eu tive uma relação muito boa com o presidente da RGE, o falecido Marcos Silva, por que ele confiou em mim. A RGE era uma gravadora de música sertaneja, de brega. Ele não tinha nenhuma intimidade com o tipo de música que eu fazia. Nenhuma. E quando eu fiz isso ele achou que aquilo tinha uma importância. Embora ele não entendesse aquilo, ele apostou na coisa. Ele disse: 'Porra, Marcelo, vá lá e faça'. Por que quando eu gravei o Viva (RGE, 1987), ainda havia Censura noi Brasil. E todo o disco foi censurado. E mesmo assim, Sílvia tocou no rádio pra caralho. Mas os palavrões não iam ao ar. Era o bipe que ia no lugar dos palavrões. Era bipe. Bip! mas apesar disso, ele apostou. Ele não entendia. Ele achava que o negócio do palavrão poderia vir a ser uma revolução. Quando na verdade, a única coisa que eu fiz, quando inseri aquela série de palavrões - por que, para o bem ou para o mal, historicamente, eu fui o artista que inseriu o palavrão na música popular brasileira, nunca houve isso antes de mim, independente de estilo, de gênero, nunca houve. O única palavrão foi 'bosta' (Geni & o zepelim, de Chico Barque). Quando o que queria mesmo com aquilo era tirar meu chapéu pra Plínio Marcos, a quem eu tinha visto no Teatro Castro Alves, com Dois Perdidos Numa Noite Suja, e a dramaturgia brasileira naquele momento do final dos anos 60, início dos 70, ela vivia de traduções de Brecht, de Pirandello. Não tinha um autor nacional. Plínio foi o primeiro cara a pegar e levar peças pelo Brasil com uma linguagem que incluía o nosso vocabulário cotidiano. 'Vá tomar no cu, seu filho da puta! Seu viado!' (Risos) Eu me lembro que metade do Teatro Castro Alves se levantou e foi embora! Isso no finalzinho dos anos 60. A pequena burguesia baiana foi toda embora chocada! Como é que alguém poderia dizer numa peça de teatro: 'vá tomar no cu, seu filho da puta'! (Risos) Escândalo total! O Camisa tinha um grito da plateia que me persegue até hoje, o 'bota pra fuder', tinha Sílvia, a versão de My Way. Inserir a linguagem do cotidiano, sabe? Eu achava que o Camisa era um veículo bom pra isso. A forma como a banda se apresentava, as coisas que a gente dizia, elas se prestavam a esse tipo de coisa. Como é que eu vou explicar pra ele (Marcos Silva) que aquilo era uma homenagem a Plínio Marcos? Ele nem sabia quem era Plínio Marcos! Mas ele apostou e disse: 'Tudo bem! Vá lá e faça. Eu sei que você é bom no que você faz'. Ele me bancou! E eu sou grato a ele até hoje. E já tem mais de dez anos que ele morreu. Mas ele me incentivou a ir fundo nisso. Depois eu trabalhei com um cara na Warner chamado Andre Midani que também fez a mesma coisa. Com a diferença que Andre é um cara inteligente, culto. Não que Marcos não fosse inteligente. Mas ele não tinha a cultura que Andre tinha. Andre é um homem que conhece o mundo inteiro. Sírio, ajudou - ajudou não - ele participou, acompanhou a criação do selo Atlantic com os irmãos Ertegun. Era um homem que tinha uma visão cosmopolita da cena. Ele bancou essa história do Camisa. Nós assinamos um contrato de três discos com ele, em 1986. Naquele momento, eu tava tão incomodado com tudo aquilo, aquela coisa de punk baiano. Naquele primeiro disco (pela Warner, Correndo o risco), tinha uma música chamada A Ferro e Fogo que eu gravei com 35 músicos. Uma orquestra sinfônica. 'Punk baiano, punk baiano'. Ah, é punk? Então eu vou mostrar quão punk eu sou. Falei com o meu amigo Peninha Schmidt, que era o produtor do disco: 'Eu quero uma orquestra.' 'O quê?'. 'Eu quero uma orquestra. Completa. Uma orquestra sinfônica, por que eu quero gravar uma música sem a banda. Eu fiz um texto chamado A Ferro e Fogo, que é uma odisseia épica e eu quero ilustrá-lo com nada de rock 'n' roll. Eu quero ilustrá-lo com uma orquestra sinfônica, eu quero fazer dessa música a trilha sonora para Os Dez Mandamentos, você entendeu? Vou tirar Cecil B. de Mille e vou botar Marcelo Nova fazendo a trilha sonora disso'. E ele disse: 'Porra! Vou atrás!'. Foi atrás, conseguimos encontrar o Maestro Ferrante, esqueci o primeiro nome dele. Um cara cabeludo, barbudo, que vibrava, que tinha essa visão de maestro de organizar tudo em forma de partitura, e separar os metais das cordas. Tanto que, quando eu fui cantar, gravar a música, eu vi 35 músicos. Húngaros de 70 anos de idade, era uma linguagem totalmente diferente. Tinha gente de São Paulo, do Japão, da Hungria, da Alemanha, todo mundo reunido ali, e aí entrou aquela coisa, eu disse: 'puta que pariu! É minha canção!'. E quando o disco ficou pronto e saiu, era uma coisa que destoava do resto do disco. Por que até então, eu tinha escrito algumas canções boas. Tinha escrito outras bobagens, mas quando eu escrevi A Ferro e Fogo... A Ferro e Fogo pra mim é a canção que me fez ver que eu poderia vir a ser bom no que eu estava fazendo. Quando eu terminei de escrever A Ferro e Fogo, eu li. E reli. E trabalhei em cima. E depois ensaiei. E depois gravei com a orquestra. E isso, meses e meses se passaram. Eu fui percebendo que era, pra mim, uma canção totalmente definitiva. O que eu escrevi antes de A Ferro e Fogo e o que eu passei a escrever depois dela. Ela me fez perceber que eu não ia passar o resto da minha vida escrevendo Eu Não Matei Joana D'Arc, Sílvia, Bete Morreu e outras canções. Eu tinha um caminho mais maduro, mais adulto, mais poético. Através dela eu descobri outros universos literários e sonoros para compor. Então o Camisa de Vênus deixou de me interessar naquele momento. A partir dali, foi ficando cada vez mais tênue a minha relação com o Camisa. Eu comecei a achar que aquilo era uma brincadeira de menino. É o que eu falei do Autorama agora há pouco em tom de brincadeira, agora se justifica o que eu disse. Eu tinha comprado o Autorama, eu tinha armado o Autorama, coloquei a pista do jeito que eu quis, dei inúmeras voltas com os carrinhos, adorei aquilo, ganhei as corridas, mas como todo brinquedo, uma hora ele já não era mais aquilo, não é? E até hoje, de uma certa forma, eu tenho que agradecer aos outros meninos da banda, por que quando eu saí, apesar do choque que eu provoquei com a minha saída, se por um lado eu dei o nome da banda pra eles. Eu disse: 'olha, vocês põem outro cantor no meu lugar, eu fico na banda até o outro vocalista estar definitivamente assentado, e você podem coninuar usando o nome da banda, mas eu tô saindo'. E eles disseram: 'não. Sem você não tem Camisa de Vênus'. Aí é a parte do agradecimento. Por que eu acho que o Camisa tinha marcas muito legíveis assim. Isso foi o início da minha carreira solo. Na sequencia, eu fui chamado por Andre Midani, que me disse: 'o que você está pensando em fazer?' O Andre foi muito cavalheiro comigo, por que quando eu decidi sair, eu ainda devia dois discos do Camisa pra Warner. Ele disse: 'Olha, se você quer sair da banda, quem sou eu pra dizer que você está errado ou certo?' Ele ouviu as minhas ponderações e embora eu tenho certeza que ele queria dizer 'olha, dá um tempo, vocês estão cansados, fazendo show em cima de show, pára um pouco, fiquem um ano se se ver'. O famoso apaziguador, né? Ele, não. Ele disse: 'Tudo bem'. Eu perguntei: 'Posso lhe pagar com um álbum duplo?' Ele disse: 'Pode'. Eu queria me livrar daquilo. E ele considerou o nosso álbum duplo, o Duplo Sentido (1987) como dois álbuns e eu paguei minha dívida para com a Warner. E aí, logo na sequencia, ele me pediu para uma das meninas que era diretora artística Warner me ligar: 'Olha, o André quer fazer um contrato da carreira solo com você e tal'. Foi quando eu assinei um contrato com a Warner prevendo três discos. O terceiro acabou não se concretizando. O primeiro foi o 'Marcelo Nova & A Envergadura Moral' (1988). O segundo foi 'A Panela do Diabo' (1989), que eu tive a bordo um outro cara (Raul Seixas) comigo (risos). E isso foi o início da minha carreira-solo. Claro que mal-acompanhado, né? (Risos).
Raul Seixas, o amigo, o escroto:
Cara, eu nunca desejei isso, eu nunca busquei isso (gravar um disco com Raul Seixas). Eu nunca nem sequer imaginei isso. Raul foi um cara que foi uma referência pra mim do ponto de vista de texto. Independentemente do valor estético-poético das canções brasileiras (pré-Raul), Raul foi o cara que instaurou a possibilidade de você, como ouvinte, se identificar com o que ele tava dizendo. Então eu acho que essa peculiaridade dele, essa característica dele é muito marcante. Quando eu ouvi Ouro de Tolo a primeira vez, eu não gostei nem um pouco da música. A música é aquele negócio (canta com voz anasalada): 'nana-nina-nina-nina', aquilo é chato. O arranjo é chato. Mas quando eu ouvi a letra, eu parei para ouvir a letra foi quase como se eu dissesse: 'porra, eu escrevi ese troço e esse cara tá cantando o que eu escrevi. Eu penso exatamente dessa forma'. Ele tinha essa capacidade. Os textos dele.. não era só uma coisa de apreciar a imagem a qual o texto remetia. Não! 'Porra, é isso aí! É isso aí o que eu quero dizer'. Então, gravar com ele, 25 anos depois de tê-lo visto com Os Panteras, foi uma experiência de vida mesmo, de estar no lugar certo na hora certa, de destino mesmo. Na verdade nós nos tornamos amigos primeiro. Nós só fomos compor e gravar um disco quatro anos depois de estarmos andando juntos direto. Se não houvesse amizade, jamais teríamos sido parceiros. Por que a gente saía pra beber, saía pra incomodar os outros, ele ia na minha casa, eu ia na casa dele, a gente ouvia muito Lightnin' Hopkins e Howlin' Wolf e enfim... Até chegar no Panela, foi uma trajetória de amizade. Nós ficamos de 83 até 87, quando gravamos nossa primeira música juntos (Muita Estrela pra Pouca Constelação, do dicso Duplo Sentido, 1987), nós ficamos andando junto. Por que ele apareceu um dia em show do Camisa no Circo Voador (Rio de Janeiro), e disse que queria assistir o Camisa por que era a única banda do rock brasileiro que prestava. Chamei ele pra subir no palco na maior cara de pau, por que nós não nos conhecíamos pessoalmente e cantamos Be-Bop-a-Lula, Whole Lotta Shakin' Goin' On. Quando acabou, ele deu uma declaração no JB dizendo que a única banda que prestava no rock brasileiro era o Camisa de Vênus. Aí ficamos uma semana sem falar com ninguém, né? (Tirando onda) 'Aaah, Raulzito que falou, porra! Aaahhhh!' (Risos) Mas Raul era um cara muito bem-humorado. Louco. Completamente doido, como é fácil de presumir e uma pessoa que - muito pouca gente sabe disso - era muito bem-humorado. E que não dava a mínima pra literalmente nada. Nada, nada. Nada. Eu acabava de ouvir um disco - a gente ouvia em vinil, né? - pegava o disco, botava dentro do envelope, pegava o envelope, botava dentro da caixa. Ele largava o disco no chão, ele pisava por cima do disco, ele não tava nem aí pra nada. Se você dissesse que estava com frio, ele pegava o casaco de couro que ele comprou em New Orleans, lhe dava, você ia embora e ele nunca ia lhe cobrar esse casaco. Ele era totalmente desapegado. Uma vez eu peguei na estante da casa dele um livro, uma biografia de Jerry Lee Lewis, chamado Hellfire. 'Porra, Raul, você me empresta pra eu ler esse troço?' Ele pegou o livro da minha mão, fez uma dedicatória pra mim e disse: 'Tome, leve, vá embora'. E ele não tinha outro daquele. Ele não tinha nenhum apego pela coisa material. Essa coisa normal que todos nós temos de querer guardar, cuidar das coisas, ele não tinha. Tanto não cuidava, que não cuidava nem de si próprio, né? Esse era Raulzito. O Raul que eu conheci. Não esse santinho que querem transformar, o Maluco Beleza bonitinho. Raul era um cara escroto! Fazia comentários avassaladores sobre todo mundo. Escroto no bom sentido, né? Ele não tinha pudores. Ele odiava o rock brasileiro dos anos 80. Odiava! Você como jornalista, se for procurar as declarações dele sobre as bandas dos anos 80, vai ver coisas hilárias. Hilárias! Ele era impiedoso. Esse era o Raulzito que eu conheci. Esse que inventaram depois, esse eu não sei. Eu sou que nem o Repórter Esso, eu sou testemunha ocular da história. Eu tava lá.
Rock baiano: uma contradição em termos?
Depois do Camisa surgiram quarenta bandas aqui. E é natural o rock baiano. Num lugar onde você tem tantos elementos antagônicos, é natural que você tenha um núcleo que se posicione contra. Isso é social, não é musical. É social.
O Galope do Tempo:
Eu, em 2005, lancei um álbum chamado O Galope do Tempo. Foi um álbum que eu levei 13 anos guardando, coletando canções. Toda vez que eu ia fazer alguma coisa, eu separava as canções do Galope do Tempo e fazia outras. Por que, aos 41 anos, a mãe dele (aponta para Drake), a mãe dele ficou grávida. Eu disse, caramba, eu vou ser pai aos 41 anos de idade. Eu não achava que ia estar vivo até os 30. E me descobri aos 40 para ser pai. De novo. E de um moleque. Por que eu tenho duas filhas. Então eu fui até o ginecologista e o cara disse pra mim: 'Marcelo, venha aqui no consultório, que você vai ver seu filho'. Poooorra, bicho! Entenda que era a pré-história do tal do ultra-som. Era a maior novidade da ciência! Era o ultra-som! Eu só soube que ia ser pai de duas filhas quando elas nasceram, não tinha menor ideia de nada. O cara vira pra mim e fala: 'Você vai ser pai de um homem'. E mais: 'Venha cá que você vai ver seu filho'. Eu vou! Botei meu melhor terno, fui todo charmoso pra ver meu filho. Chego lá e vejo uma tela preta e uma luzinha acendendo e apagando, com uma precisão matemática. O cara disse: 'É o coração'. Eu procurei, eu fui pra lá, na minha santa ignorância pra ver cabeça, tronco, membros - mais membro do que tudo, afinal de contas era meu filho. (Risos). Aí eu vou lá e veja essa luz acendendo e pagando. Eu fiquei - hoje parece uam declaração ingênua, mas na época, leigo como eu era, sendo convocado pelo médico da minha mulhere para ver meu filho em um aparelho misterioso chamado ultra-som e eu vejo aquela luz... Eu voltei pra casa completamente chapado. 'Será que eu gerei um alien? O que isso significa?' Eu entrei em casa -e isso foi automático - peguei um caderno e escrevi: 'Eu vi um ponto de luz / pulsando no escuro / sem nome / sem fome / aceso, sinalizando o futuro / Não possui um corpo como o nosso / disforme, desajeitado / Seu ritmo exato / é seu auto-retrato / tão intenso / seguro / Eu vi um ponto de luz / a pulsar no escuro'. Aí, dois dias depois, eu escrevi um poema chamado O Galope do Tempo pensando nisso, que eu já tava passado dos 40, cacete! Como é que o tempo passou nessa velocidade galopante? E ali, pela primeira vez eu percebi que eu tinha a oportunidade de fazer, diferentemente de tudo o que eu havia feito, eu tinha a possibilidade de fazer um disco com um só tema. Ao invés de fazer uma canção sobre isso e outra sobre aquilo, um disco que tratasse da minha trajetória através do tempo. E aí comecei a compor e a guardar. A compor e a guardar. E tem canções que remetem a minha infância, outras sobre a adolescência, tá rá rá, e termina com uma canção sobre a minha morte, por que durante esses treze anos eu perdi pessoas que eu amava, evidentemente e é um disco existecialista, que vai do útero ao caixão. É um disco que eu mesmo produzi, paguei estúdio, paguei os músicos... E isso me deu tempo para ficar dentro do estúdio dias inteiros, por que eu tenho restrições a alguns discos que eu fiz no que tange a sonoridade do disco. De alguns eu definitivamente não gosto. E eu queria acertar muito nisso. Então eu tive mais tempo do que quando você esta com uma gravadora atrás de você. O produtor fica dizendo 'porra, bicho, os caras tão ligando, que música vai blá blá blá'. Então eu fiquei muito tempo trabalhando que tipo de som eu queria pra guitarra, o órgão, o violoncelo... Depois do disco pronto, e agora eu posso dizer isso já que já tem quase cinco anos que ele saiu, é a obra onde eu cheguei mais próximo do que eu queria dizer em termos de linguagem e de qual é a minha função nessa história. Não vou dizer que é meu melhor disco, por que isso é muito subjetivo. Mas se eu tivesse que assinar em cima de algum, o primeiro seria ele.
O próximo disco:
É uma coisa que eu não costumo fazer - falar sobre o que eu ainda não fiz - mas estou trabalhando em um conjunto de canções e espero ter a chance de concretizar isso no início do próximo ano. Nunca mais eu vou fazer um álbum parecido com O Galope do Tempo, por que ele tem toda uma peculiaridade e uma longevidade de confecção, por que, imagina, eu nunca pensei que ia passar treze anos compondo, esperando o tempo passar, até por que se é um disco sobre o tempo, como é que eu poderia faze-lo sem dar tempo ao tempo? Não faria sentido fazê-lo em um ou dois anos. Mas agora eu tô fazendo um disco sobre o sexo feminino. São canções basicamente sobre mulheres e confusões com o sexo oposto. u espero lança-lo no primeiro semestre de 2010. Independente, claro. Eu não penso mais em gravadora. Eu não preciso disso. Lamento pela molecada que precisaria de ter alguém para quem mostrarsse, apostasse, trabalhasse. Quem gosta de rock no Brasil sabe quem eu sou. Ou gostam de mim ou me detestam. Eu tenho essa facilidade, né? As pessoas quando gostam de mim me adram. Quando não gostam, me detestam. Então eu não preciso nunca ficar em cima do muro, entendeu? Vou fazer meus discos cada vez mais a minha maneira. Não dá mais pra nem sequer pensar de uma outra forma, seria até tolice. Mas é isso. Aliás, você é o primeiro cara de imprensa para quem eu falo desse disco. Eu nunca antecipo as coisas. Mas acho que de alguma forma nós estamos tendo um papo tão informal aqui. Isso foi ideia de Osvaldo Júnior. Osvaldo Júnior é o Bill Graham, ele é maquiavélico! Ele escolhe os ambientespra deixar as pessoas a vontade, é um filho da puta rapaz, tô te dizendo! (Risos)
Uma possível volta do Camisa:
Ah, Autorama é assim, né? A qualquer hora eu tiro ele da prateleira. Mas falando assim parece que eu tô menosprezando a vontade dos outros meninos. Não é bem isso. O Camisa é a banda que eu tenho maior orgulho de ter montado, feito, participado, sabe? Foi a primeira concretização profissional da minha vida. O Camisa de Vênus é a minha banda, porra! (Bate no peito) Minha banda! Não dou direito a ninguém de falar mal, só quem pode falar mal sou eu, sabe como é que é? Mas o negócio é o seguinte: bandas de rock, cara, têm que acabar cedo. Por que eu tô dizendo isso? Por que banda de rock pressupõe juventude! Pressupõe união! Pressupõe aquele espírito um por todos, os mosqueteiros! Então, eu tô com 57 anos! Eu não posso estar mais com brothers do meu lado vestindo couro preto, xingando garçom, cê tá entendendo, mostrando o dedo pras pessoas na rua. Não cabe mais! Banda é o que eu digo: é o momento! Você vê por aí equívocos muito claros. Veja os Rolling Stones, que é uma banda sensacional, de uma trajetória incontestável, de um talento incontestável, de canções memoráveis, inúmeras delas e você vê os Stones hoje... é um cirquinho! Quer dizer: é um circão! Muito bem montado, muito bem produzido, mas é um teatro! Você vê Mick Jagger com aquela obsessão em parecer jovem, ele é obcecado com isso! Em mostrar a forma física, em demonstrar que está bem, que é capaz de correr o show inteiro. O risco que ele corre é o netinho olhar praquilo e dizer (fala com voz de criança): 'Ih, o vovô é bundão, ele fica mexendo aquele cu magro dele, que ridículo!'. Por que você rebolar aos 20, OK! Mas aos 60 e tantos? Francamente, é ridículo! Então, esses equívocos que você vê numa banda da dimensão dos Stones... Não, tem alguma coisa ali que não é exatamente isso. Então eu penso mesmo que banda... banda é pra ele (aponta para Drake), que está com 16 anos. Banda de rock! União! Tesão! Vontade de comer as menininhas todas! Todas! A plateia toda, camarim inteiro, virar tudo de cabeça pra baixo, fuder, fumar e botar pra quebrar! É coisa de moleque, de andar junto! Isso é que é banda de rock! Muita testosterona. Então, finalmente respondendo a sua pergunta, isso não quer dizer que você não sinta vontade de, ocasinalmente, brincar de trenzinho! Pegar o Autorama de dentro armário e dizer: 'Aaah, vamo fazer um racha aqui! Vamo fazer um racha!' Se o racha for do meu interesse e dos demais participantes da corrida, por que não? Por que não? Mas evidentemente que é isso que fizemos agora em 2007. Fizemos dez shows. Acabaram os dez shows, acabou. Cada um voltou para suas atividades. Não existe mais essa possibilidade de fazer uma carreira! Talvez um dia, quem sabe, a gente grave um disco. A troco do quê, não sei. Hoje, agora, nesse momento? nem pensar! Mas, afinal de contas, o Camisa já é uma banda que tem... cacete! Quase 30 anos. Em outubro de 2009 fazemos 29 anos de banda! São praticamente três décadas de banda. E nós ainda estamos aí! Agora, também não podemos demorar muito por que senão a próxima turnê, se tiver, vai ser todo mundo de cadeira de roda! E bengala. (Risos)
Na infância:
Eu era muito tímido e concentrava todos os meus desejos através da música. Tudo para mim vinha através da música. Eu me lembro de tardes inteiras sozinho no meu quarto ouvindo música, sem fazer mais absolutamente nada. Mas ouvindo música no sentido mais amplo da palavra: atento, ouvidno o baixo, ouvindo a guitarra, o pratro. Tirava um disco, colocava outro. Eu não ficava divagando sobre outros temas. Eu ouvia tudo com a maior atenção, como se estivesse aprendendo alguma coisa. Mas na verdade, era mais um estímulo para a sensibilidade, mesmo. Aquilo me possúía de uma maneira... Hoje eu acho impressionante. Na época era tão natural, tá entendendo? Era tão natural gostar daquilo, eu me sentia excitado com aquilo, eu queria fazer parte daquilo no meu mundo imaginário. Era assim, muita música o tempo todo. Enquanto que os moleques gostavam de jogar bola, ir para a quadra... Eu tinha um amigo aqui em Salvador que nunca mais eu vi, chamadao Mário Mílton, eu não lembro o sobrenome dele. Nós estudávamos no Colégio Antônio Vieira, e no recreio - ele era um ano mais adiantado que eu - a molecada toda ia jogar bola, quem não tava jogando esparava a de fora. Eu me lembro que ficávamos no cantinho da quadra, dizendo: "Você viu o cabelo de Brian Jones, bicho"? "Eu viiii. Eu queria botar o meu por cima da orelha, mas meu pai disse que era coisa de veado. Aí mandou eu cortar o cabelo".
Eu morava na Graça, na Rua Horácio Urpia. Passei ontem pela porta, graças ao Osvaldo (Silveira) Júnior (Bramis), que me levou pelos caminhos do tempo".
Osvaldo (Bramis): "Ele era vizinho do pai de Pedro "Bó" Rocha (ex-baixista da banda Sangria, tocou com Marcelo no show do Groove Bar), Mário e Lula, irmão dele".
Primeiro Contato com o Rock:
Me lembro perfeitamente do momento. É gozado, hoje quando você fala em rock 'n' roll, você tem tantos signos e referências, (naquela época) ninguém sabia o que era rock 'n' roll. 'Que porra é rock 'n' roll?' Eu tô falando de 1959. Rock 'n' roll era um negócio que acontecia nos Estados Unidos e tinha um tal de Elvis Presley que cantava uns negócios, mas ninguém sabia o que era aqui no Brasil. Era música americana, música da moda, qualquer coisa assim, o tratamento era assim. E como meus pais não tinham o costume de ouvir música e minha irmã só ouvia bossa nova, a chega daquilo através de um disco de Little Richard, chamado Aqui Little Richard (Here's Little Richard). Saiu assim, traduzido: 'AQUI, LITTLE RICHARD". E havia uma loja que ficava numa travessa da Rua Chile, chamada C. Sampaio. E eu passei por ali um dia com meu pai e ouvi esse Little Richard, que eu nunca nem tinha ouvido falar. Eu tinha oito ou nove anos de idade, 1959, 60. E eu pedi a ele para me dar o disco. Ele comprou, e pela primeira vez eu tive um disco musical. (Até então) Eu só tinha aqueles discos de Branca de Neve, Os Três Porquinhos, historinha. Aqui Little Richard. Quando eu cheguei em casa que eu botei aquilo na vitrola do meu pai, eu enlouqueci, bicho. Enlouqueci completamente. Era algo radicalmente diferente de tudo o que eu tinha ouvido. João Gilberto era um CHATO! Little Richard era um grito de liberdade total, cê tá entendendo? A ponto de eu pular no sofá de mola de minha mãe, que ela tinha comprado em Deraldo Móveis. Quando você pula no sofá que sua mãe comprou em Deraldo Móveis... isso é uma transgressão. Essa é a verdadeira transgressão. Quebrar a mola do sofá que sua mãe comprou em Deraldo Móveis".
Néctar, a loja de discos:
Tive antes de viajar para os Estados Unidos, entre 1975... Antes eu trabalhei com meu pai (Dr. Fernando Nova, fundador do Instituto Baiano de Reabilitação em 1956). Ele era médico e ele tinha uma clínica de fisioterapia e eu fui fazer palmilha para pé chato, tinha uma expressões. Era... genuraro e genuvalgo, pé que tinha muita curva, pé que tinha pouca curva... Eu fazia pedigrafia, que era um aparelho simples, era de madeira com uma camada de plástico, de borracha em cima, bem fininha, tinha uma tinta a pessoa pisava por cima do plástico e fazia a impressão do pé. Fiz isso duante um tempo com ele. Vendi seguro também, da Mombrás - Montepio dos Militares do Brasil (risos). E queria fazer um programa de rádio. Eu vivia nessa. A loja foi mais uma tentativa de me aproximar da música. Era uma lojinha, na verdade, na Rua Barão de Itapoan, na Barra. Durou dois, três anos, quase. Aí, em determinado momento eu passei o ponto da loja e com a grana que eu ganhei, fui passar três meses em Nova Iorque. Na verdade, fui passar um mês e fiquei três. Isso, em 1980. Foi a primeira viaem que fiz para fora do Brasil. Eu já era radialista, né? Em 1978, fui trabalhar na Rádio Aratu FM. Além (do programa) Rock Special, eu fazia a programação da rádio. Você ouvia Frank Sinatra cantando My Way e quando acabava, entrava Sid Vicious cantando My Way junto, colado. Principalmente para levar os donos da rádio e seus familiares a loucura completa. Por que (naquela época) FM não era esse bagulho completo que se tornou hoje, não. Era sinônimo de de sofisticação. Quem era povão ouvia AM. Quem tinha 'bom gosto' musical, ouvia a FM, que era uma programação selecionada, para pessoas que realmente conheciam música. Aí eu tocava Frank Sinatra cantando My Way e todos os donos da rádio em casa, tomando banho de piscina com seus amigos influentes, diziam: 'olha aí a minha rádio, o nível da programação da minha rádio'. Aí depois entrava Sid Vicious bêbado, vomitando e cuspindo e cantando My Way. 'Queeeem foi o filho da puta que botou isso pra tocar?' (Risos).
Osvaldo: "Uma coisa interessante aí, Marcelo, era como esses discos chegavam na sua mão. Até o Kid Vinil fala sobre isso no Botinada (documentário sobre a história do punk rock no Brasil, de Gastão Moreira, disponível em DVD). Vários desses discos chegavam lá nas gravadoras do Sul e ninguém sabia do que se tratava. Aí mandavam pro Marcelo Nova na Bahia.
Marcelo: (Na época) Ninguém sabia o que era o (The) Clash. Ninguém sabia. Ninguém tinha menor ideia. Sex Pistols? Era uma coisa que o cara tinha ouvido falar e só sabia que era uns caras se vestia toda rasgada (risos). Era uma banda que se vestia podre, uma banda rota.
Osvaldo: O interessante é que com a loja e o programa, ele acabou se tornando uma referência. Chegava um disco que ninguém sabia o que era? Mandavam pra Marcelo. Eu vivia peruando na Néctar e na época não tinha internet.
Marcelo: Mesmo durante a época da programação da rádio, os caras me levavam pro Rio, abriam um armário com 300 LPs que eles não sabiam literalmente o que fazer com os discos. Eu me lembro que eu peguei o cara da Polygram, que na época era Phonogram, e hoje é a Universal, eu fui falar pra ele o que era The Jam, Siouxsie and The Banshees... Ele não tinha a menor ideia. A menor ideia. 'Marcelo, vem cá, você conhece isso aqui? Dá pra vender?'. (Risos) Muito bom! Os caras da indústria, cara! Muito bom!
Osvaldo: Uma coisa que impressionava a gente é que, como ninguém sabia o que era aquilo, não tinha internet, nada, era você que tinha que captar o espírito daquela porra sem ter informação. 'O que significa isso'?. Ninguém tinha, ninguém sabia. E ele (Marcelo) era um dos caras que conseguiam pegar – não se sabe como, morando na Bahia – ele conseguiu entender aquela porra e traduzir pra gente. Ninguém sabia o que era aquilo. Nem ele sabia. Era instintivo. Isso era foda! Eu me lembro do disco do Radio Birdman...
Marcelo (interrompe): Você lembra do Radio Birdman (clássica banda do punk rock australiano)? Radio's Appear! (LP de 1977). (Risos)
Osvaldo: A gente ficava coçando a cabeça: QUE PORRA É ESTA? (Risos) E ele ficava lá, 'não por que isso é uma banda australiana assim assado', ele criava uma interpretação ali na hora. Era criação.
Marcelo: Eu sabia que a banda era australiana. Aí eu ouvia, entendia uma boa parte do que eles tavam falando outra parte não entendia mesmo e fazia uma interpretação em cima disso. Do que era, qual era a intenção, pra onde a coisa musicalmente ia... Era...
Osvaldo: A gente comprava a Melody Maker (revista inglesa de rock, já extinta), que chegava (na banca) A Revista, na (Rua) Afonso Celso (na Barra), com quatro, cinco meses de atraso, quando chegava. E mesmo eles naquela época não tinham a menor ideia do que estava acontecendo.
Em NY:
Foi importante, por que vi vários shows lá. É o que eu falei dos Panteras: o contato visual é importantíssimo. Eu já imaginava fazer parte de uma banda, integrar uma banda. Mas onde é que eu ia arranjar um guitarrista tão bom quanto Jimi Page? Ou um baterista tão bom quanto Ian Paice? Não tinha isso. O rock, naquele momento ali, era uma coisa que estava muito distante, concentrada no virtuosismo de cada integrante da banda. E o punk, de uma certa forma ou de todas as formas, veio e derrubou isso. Desmistificou isso. E isso eu vi. Os caras com quem eu saía em Nova York, eles trabalhavam em loja de disco de manhã e de tarde. Quando era de noite, eles pegavam um amplificadorzinho, uma guitarra Telecaster velha e iam pro CBGB's ou outra casinha tocar. Aí eu pensei: 'ora, isso eu também sei fazer'. (Risos) Aí comecei a arquitetar a ideia de que, quando voltasse pro Brasil, eu ia fazer uma banda nesses moldes, né? 'Faça você mesmo'. Como eu não sabia tocar instrumento nenhum, mas eu conhecia música, eu ouvia muito, eu percebi que eu poderia escrever, que era o que eu gostava mesmo de fazer. Eu gostava de contar histórias, eu gostava de escrever. E de ler. Eu gostava de ler, portanto gostava de contar histórias, portanto achei que poderia escrever textos de canções. E foi isso. Eu comecei a escrever primeiro em cima de músicas que eu ouvia do The Jam ou do próprio Clash... Mas até quando eu escrevia era diferente, né? Você pegar uma música como Complete Control, do Clash, que fala de uma outra coisa e eu fiz uma música chamada Controle Total (Fermata, 1981, primeiro compacto do Camisa de Vênus). Ou seja: como eu não sabia compor, eu escrevi um texto falando sobre a Bahia, a cena cultural e musical baiana. Mas aí, como eu não sabia compor, eu adaptava esse texto para uma música do Clash. Que não tinha nada a ver com aquilo que eu tava falando. Mas que caía como uma luva!
Bete Morreu:
Era uma matéria de jornal, falando sobre a menina que tinha sido violentada e um chofer de caminhão tinha encontrado o corpo e tal. Basicamente foi isso.
Pára a entrevista, atende o pessoal do programa de rádio Roda Baiana e fala ao vivo:
"Vc sabe que Os Panteras foram meus Beatles, né? Eu molequinho, eu tinha meu contato auditivo com música, com o rock espcificamente, mas eu nunca tinha visto. A primeira vez que eu vi uma banda na minha vida, a dois metros de distância foi Raulzito & Os Panteras. Então tem muita gente que gostaria de ter visto os Beatles. Eu não só vi, como hoje toco com os 'meus Beatles'. (...) Rapaz, olhe, eu não entrei por que vc mandou. Eu não faço nada que ninguém me manda, entedeu? Se vc tivesse sugerido essa possibilidade, talvez eu ainda lhe atendesse, mas apesar de velho, vc sabe que ainda tem um certo antro de radicalismo dentro de si que vc não consegue se desvencilhar. Mas vc pode ter certeza (risos) de uma coisa: dia 6 de outubro a gente vai tá aí, velho (no Música Falada, no TCA). (...) Na verdade, é isso mesmo, é tocar pra molecada, meu filho Drake vai tocar comigo também. Chega de velho, né? De velho já basta eu. Aquela má vontade desgraçada pra ligar o amplificador, aí reclama de tudo, da comida, do avião, da aeromoça... Negócio de velho mesmo. Então agora eu tô me divertindo tocando pra molecada. 'Marcelão é o cara e tal', beleza! 'É isso mermo, meu filho, vamo lá, vamo tocar'. Sim, venham mesmo, vocês são bem-vindos. (Muito naturalmente): Prometo que no Música Falada eu vou destruir numa noite tudo o que vocês construiram em anos. Pode deixar comigo. (Pausa. Começa a rir). Não, queisso, 'magina! Obrigado a vocês. Abraço! (Desliga o telefone, volta a conversar na mesa). 'Você entrou no site do Música Falada que eu mandei?' 'Meu amigo, eu não faço nada etc'. (Ri desbragadamente). Osvaldo, ninguém, ninguém (bate no peito) me manda fazer nada, velho! Nada!
Relação com a Bahia:
Desde muito cedo (comecei a perceber que não me identificava com a Bahia). Muito até por causa dessa história mesmo do rock. Era uma cena... por exemplo: depois daquela coisa anos 60 do Raulzito & Os Panteras e outras bandas que tinham aqui em Salvador, isso desapareceu completamente e acho que depois tinha o quê... Mar Revolto, eu acho, que foi a banda dos anos 70 que tinha uma relação próxima com o rock 'n' roll. E eu ia muito pra São Paulo, por que minha mãe tinha uma irmã lá. Então eu passava as férias de junho e julho na casa dessa minha tia em São Paulo. E eu sempre me senti atraído pela cidade grande, aquela série de outras possibilidades, por uma coisa mais... mais... mais urbana mesmo. E toda vez que eu ia pra São Paulo eu comprava uma porrada de discos... Era o meu 'parquinho mesmo. Então, quando finalmente surgiu a possibilidade de sair de Salvador, através do Camisa de Vênus para tentar uma carreira nacional, até porque nós não tínhamos mais nada para fazer aqui, o que tinha pra fazer, já tínhamos feito, eu passei sete, oito meses morando no Rio de Janeiro. Mas também não consegui me identificar nem me relacionar com a cidade, com o ambiente sócio-cultural do Rio.. Eu percebi que era São Paulo mesmo a cidade que eu tinha de ir. Nós do Camisa ainda tivemos um encanto muito grande por Porto Alegre, por que nós saímos de Salvador, íamos pro Rio, SP, mas os primeiros grandes públicos que nós tivemos foram em Porto Alegre. E as gaúchas eram muito atraentes do ponto de vista físico e elas nos perseguiam no meio da rua, como se fôssemos John, Paul, George e Ringo, entendeu? Então isso era muito interessante. Os baianinhos, queimadinhos do sol, com aquelas loiras de olho cinza, azul, aquelas alemãs, italianas de um metro e oitenta. Ali era uma espécie de colônia de férias do rock. Uma Disneylândia no bom sentido. A Disneylândia que Michael Jackson com certeza não gostaria. (Risos). Mas pra ficar, pra trabalhar, pra ter uma base mesmo, organizar uma banda, um centro de onde você pudesse partir pra viajar pelo país, o lugar mais adequado era São Paulo mesmo.
Incidente com Clemente e os punks:
Na verdade, não foi no Madame Satã. Foi no Carbono 14. Eu me envolvi numa discussão com um cara, e esse cara tava com mais cinco ou seis caras, e quando a coisa... Eu era um menino de temperamento quente. Quando a coisa esquentou, ele puxou um punhal pra mim, com uma lâmina enorme e veio pra cima. Clemente simplesmente pulou na frente dele, virou pra mim e falou: 'saia fora que eu resolvo'. E foi exatamente o que eu fiz. Só que, como eu era um moleque da cabeça muito quente, eu fui pra casa e peguei um 32 que meu pai tinha deixado pra mim quando morreu. Peguei e voltei. 'Ah, é punk? Então agora eu vou mostrar como se pode ser punk, mesmo'. Só que, quando eu cheguei lá, o cara já tinha ido embora. Clemente veio falar comigo: 'oi, eu sou o Clemente, eu sei quem você é, você o cara do Camisa de Vênus', Aí eu agradeci a ele, por que se não fosse ele, eu provavelmente teria virado churrasquinho, por que eram seis caras e armados, né? Aí ficamos conversando e até hoje eu digo pra ele: 'Clemente, eu sou um sujeito tão imerecedor da luz divina, mas tão imerecedor que todo mundo tem um anjo da guarda lourão de asas longas. O meu anjo da guarda é preto!". (Risos) E Clemente até hoje é um grande amigo meu. Outro dia tocamos juntos e ele falou pra mim: 'É, se eu soubesse que tu ia dar nisso, tinha deixado tu morrer lá na faca!'. (Risos) Ficamos amigos a partir desse dia, lá no meio dos anos 80.
Rock Special:
As pessoas paravam mesmo pra ouvir! O curioso é que era um programa de rock 'n' roll absolutamente radical, por que só tocava rock 'n' roll mesmo e 70%, 80% do que tocava não era lançado no Brasil, não eram coisas que as pessoas pudessem encontrar nas lojas, e isso começou a chamar a atenção das gravadoras que ficavam no Rio e São Paulo. 'Pô, tem um cara maluco lá na Bahia que toca um programa de rock'. E começaram a me mandar discos, e me convidar pra ir pro Rio e abrir as prrateleiras com 300 discos que eles não tinham a menor ideia do que era e achavam que, de alguma maneira, eu pudesse ajudar a divulgar aquilo. O que muito me agradava, por que pegava vários discos de boas bandas que eu achava que tinham a ver com o programa e colocava no ar. Foi o meu Autorama. Na verdade, o Camisa de Vênus é que foi o meu Autorama. De vez em quando eu gosto de montar o Autorama, dou duas voltinhas. Depois enjoa. Foi o meu Autorama, o Camisa de Vênus.
As três únicas bandas que importavam nos anos 80, segundo Marcelo:
A reação (ao Camisa de Vênus) sempre houve. A minha incompatibilidade com o cenário baiano depois se estendeu pro rock brasileiro também! Eu continuei fazendo lá o que eu fazia aqui! Só que ao invés de discutir e me incompatibilizar com o - na época não se chamava ainda de axé, eram os telúricos - passei a me incompatibilizar com os tais dos caras do rock brasileiro. E nem era com ninguém especificamente. Era aberto, era franco. Era uma distândcia que havia muito grande a forma de... Primeiro, uma coisa: naquela coisa toda dos anos 80, só tinham três bandas. Três. O resto era tudo segunda divisão. Era Ultraje a Rigor, que era uma banda que tinha um texto que pendia para um certo humor irônico. Você tinha o Legião Urbana, que tinha aquela coisa messiânica de Renato Russo, que era um cara que sabia falar pra molecada, aquelas questões de brigas com pai, com mãe, as angústias adolescentes, ele traduzia isso muito bem. E tinha o Camisa de Vênus, que era uma banda absolutamente anárquica, corrosiva e que não se enquadrava em nenhuma categoria. Por que não era punk, não era pop, não era metal, mas era tudo isso misturado de alguma maneira. O resto era tudo segunda divisão. Essas eram as três bandas de rock que importavam. Hoje todo mundo fala dos anos 80, fulano, sicrano... Quem tava lá sabe: o Led Zeppelin, o Black Sabbath e o Deep Purple (do rock Brasil) não necessariamente nessa ordem eram o Camisa, o Ultraje e o Legião. Ponto.
Por que montar uma banda de rock:
Eu montei uma banda de rock, primeiro para saciar um desejo que eu tinha de conviver com a música que sempre me acompanhava do ponto de vista da audição. Eu queria incorporá-la ao meu dia a dia e fazê-la. Eu queria fazer meus poemas, minhas canções e eu precisava da música pra isso. Em segundo lugar, por que eu queria esculhambar com a Bahia. (Risos) E eu consegui fazer as duas coisas. E as pessoas me pagavam pra isso! Então eu achava isso muito interessante. Eu era pago pra esculhambar. Eu entrava nas rádios e as pessoas falavam: 'E aí, Marcelo? E num-sei-quem?' E falavam de um músico baiano. 'E fulano?' O que eu achava que ia ser uma ofensa, digamos assim, acabou se tornando um lugar comum. O Camisa, quando lançou o terceiro disco (Correndo o risco, 1986), Só o Fim, quando saiu o single dessa música, ela saiu junto com uma música da Madonna (Papa Don't Preach). Estamos falando de 1986, quando Madonna era, disparada, a figura mais destacada do universo pop e um sucesso retumbante de execução em rádios. Só o Fim foi a música mais tocada da Warner naquele ano, superando inclusive Madonna. Ou seja: o Camisa saiu do grito de 'Bota Pra Fuder' na Casa de Festejos para se tornar a banda mais executada em 1986. Só o Fim foi um hit que tocou sete meses na rádios sem parar! Sem parar! E eu percebi que eu estava correndo o risco de virar uma caricatura de mim mesmo. Eu tinha alguns exemplos recentes aqui mesmo na música baiana. Eu disse: 'não vou padecer desse mal'. Quando o Camisa estava naquilo que se chama de 'auge da popularidade', da vendagem de discos, das turnês, eu estava profundamente insatisfeito com aquilo. Eu já tinha visto aquele filme antes e aquilo pra mim era tudo deja vu. Daí a sua pergunta. Eu não frequentava festinhas, eu não cheirava cocaína, eu não achava graça em tiete. Eu já tinha feito tudo isso! Eu não queria me perpetuar nessa coisa do glamour, da fama, da celebridade, por que eu nunca persegui isso! A minha maior perseguição, primeiro eu queria esculhambar com a Bahia. E depois com o rock brasileiro, que depois eu descobri que era ainda mais divertido do que esculhambar a Bahia, até por que a maioria dos músicos baianos são semi-analfabetos. A maioria deles não sabe articular uma frase com sujeito e predicado. Então não adianta você bater num cavalo morto. Não tem graça. O rock brasileiro, como era povoado por meninos de classe-média, havia ainda uma certa pretensão intelectual, ou certas referências intelectuais, então aí era bom de bater. Eu me diverti muito batendo em muita gente no ringue. Eu gosto de estar no ringue. Pra mim, seu bato ou se eu apanho, pra mim é indiferente. Eu gosto é de estar no ringue, velho! Estar no ringue é sensacional. A luta em si. O resultado da luta varia. Tem dia que você ganha, tem dia que você toma uma no queixo e cai. Faz parte da luta. Eu gosto da luta. Hoje, não. Hoje eu tô mais pra um treinador. Como era o nome daquele cara que treinava Mike Tyson? Aquele cara gordinho de cabeça branca? Hoje eu tô aqui, ó: esse é o meu lutador (aponta para o filho Drake). Eu tô cuidando da carreira dele no bom sentido. Não da carreira profissional. Mas da carreira existencial dele. Me considero responsável por apontar-lhe um caminho. E tenho cuidado disso, por que essa vida de rock star, cara, do rock 'n' roll, shows, mulheres, turnês, se você começar a acreditar realmente nisso - e as tentações são inúmeras - você tende a menosprezar o que tem realmente de concreto e de real (bate no peito). Você tá entendendo? Eu, aos 34, mandei tudo isso embora. Saí do Camisa na época, em 87. Àquela altura, o Camisa pra mim não fazia mais sentido. E foi a realização do meu sonho, cara. O Camisa foi a minha primeira banda. Nós, e aí eu incluo Karl (Franz Hümmel), Robério (Machado), Gustavo (Müllen), nós percorremos uma trajetória como totais alienígenas. O Camisa de Vênus realmente não sabia tocar! As pessoas diziam isso e eu respondia: 'mas quem precisa saber tocar é músico. As pessoas não vêm pra ver a gente tocar. As pessoas vêm nos ver. As pessoas vêm ver a performance do Camisa. Nós somos tão bons e tão interessantes, que nossa música é uma outra coisa! Nós não precisamos saber tocar! Saber tocar é pra gente medíocre, que precisa disso!' (Risos) Aí vinha: 'Como ele ousa falar isso', aí era uma delícia, aí eu deitava e rolava. Era uma delícia por que eles são muito ingênuos, né? Então as provocações eram um espetáculo a parte. Tem crítico musical que até hoje fala mal de mim. Ele não fala mal da minha música. Ele não fala mal do que eu escrevo. Ele fala mal de mim! Por causa das ironias que eu perpetrei há 20, 30 anos atras. Eles nunca me perdoam por isso. Outro dia, um menino, que já não é tão menino, ele me confidenciou: 'porra, cara, eu fiquei puto com você por que você disse que crítico musical era igual a eunuco numa suruba. Ele vê fazer, ele sabe como fazer, mas ele não pode fazer. (Risos) Ele escrevia num jornal em Porto Alegre. Aí nego publicava, né? 'Marcelo diz que críticos são eunucos'. Isso, uma frase dessas, que era mais ou menos como você estar correndo no campo, e o ponta-direita cruza, você mete o pé e a bola vai no ângulo, foi muito mais um acaso, bate-pronto do que propriamente uma coisa articulada, isso adquiria uma importância por que partia de mim. E como eu não dava margem pra nego me pegar no contrapé, por que eu nunca fiz reggae, eu nunca fiz pop song, eu nunca fiz funk, nem música eletrônica, eu nunca fui MU-derno. Pelo contrário. O que eu faço vem da tradição. Tudo o que faço vem da tradição. Tudo o que eu faço é por que alguém fez antes de mim e se eu tenho algum mérito nisso é de ter conseguido borrar minha impressão digital no que eu faço. Por que quando eu abro a boca e canto, todo mundo sabe que sou eu. Ninguém pergunta 'quem é esse cara?' Todo mundo sabe que sou eu. Não é como a maioria das bandas dessa nova geração que você não sabe quem é quem? E não tem nenhum critério de valor de ficar dizendo que é bom ou ruim, nem parto desse ponto de vista. É despersonalizado. As bandas de hoje estão todas despersonalizadas. As bandas todas seguem uma tendência, todas seguem um estilo e até tem todas o mesmo produtor! Ou os mesmos produtores, né? Que já trabalham dentro daquela mesma sonoridade pra poder ir tocar nas principais rádios pra poder reverter e... aquela história toda. Então essa história de 'criar algo novo', isso é tolice! Tolice! Quer criar um som novo? Enfia um berimbau no cu e sai arrastando ele no asfalto. Vai sair algum som novo daí? Talvez saia. Mas e daí, isso tem algum valor? Isso tem alguma importância, alguma relevância? Essa coisa do culto do novo pelo novo é profundamente ridícula.
A missão de Marcelo: esculhambar a Bahia
Era uma coisa juvenil e que remetia a um certo heroísmo: um contra todos. Totalmente quixotesco! Eu me insurgi contra o poder da música baiana de uma forma totalmente radical! Aberta, franca! E eu tinha uns asseclas que compraram a história, que eram caras que não tinham uma... uma direção na vida. Estavam perdidos em Salvador. Perdidos, completamente. Nos insurgimos contra o mito da Bahia, 'a Terra de Io-iô e Ia-iá'.
Osvaldo: É aquela coisa da Bahia mítica de de Ary Barroso, que não existe. É o Valhalla brasileiro. E eu desconfio que Ary Barroso nunca pisou na Bahia. Não tenho certeza. Mas Carmen Miranda nunca botou os pés aqui. Isso não é crítica nem nada, é uma constatação. É o mito da Terra de Felicidade, onde todo mundo é feliz. Nego não ganha dinheiro, mas é legal, a Bahia é bonita, tem sol. Realmente, essa parte é muito bonita, diga-se de passagem, mas... é um mito. Pra quem mora aqui, vive aqui, se fode... Você sabe disso tanto quanto eu.
Marcelo: Eu fiz até uma piada na época: 'Já foi a Bahia, nego? Então, Valhalla!" (Risos)
Se a Bahia estivesse pegando fogo, vai queimar tudo, o que você salvava da Bahia?
Porra! (Risos. Pára e pensa.) Veja bem, eu acho que a distância que eu estou da Bahia é tão grande, que a minha mangueira não ia chegar até lá. Entendeu? (Risos).
Relação com gravadoras:
Praticamente não havia relacionamento por que eles pretendiam algo que eu não era capaz de oferecer. Eu tinha uma visão muito clara do que eu queria. Não vou nem dizer que era certo ou errado. Mas eu sabia o que eu queria. Por onde eu queria percorrer.
Eles acharam que tinham contratado a próxima Blitz mas pegaram foi um Sex Pistols pela frente.
Marcelo: Exatamente! Eu não queria ser mais uma banda do pop rock brasileiro, do rock de bermudas. Aliás, essa ironia do rock de brmudas, o que tem de músico carioca que até hoje nã me perdoa por tê-los caracterizado dessa maneira... Eles não entendiam, né? Mas eu tive uma relação muito boa com o presidente da RGE, o falecido Marcos Silva, por que ele confiou em mim. A RGE era uma gravadora de música sertaneja, de brega. Ele não tinha nenhuma intimidade com o tipo de música que eu fazia. Nenhuma. E quando eu fiz isso ele achou que aquilo tinha uma importância. Embora ele não entendesse aquilo, ele apostou na coisa. Ele disse: 'Porra, Marcelo, vá lá e faça'. Por que quando eu gravei o Viva (RGE, 1987), ainda havia Censura noi Brasil. E todo o disco foi censurado. E mesmo assim, Sílvia tocou no rádio pra caralho. Mas os palavrões não iam ao ar. Era o bipe que ia no lugar dos palavrões. Era bipe. Bip! mas apesar disso, ele apostou. Ele não entendia. Ele achava que o negócio do palavrão poderia vir a ser uma revolução. Quando na verdade, a única coisa que eu fiz, quando inseri aquela série de palavrões - por que, para o bem ou para o mal, historicamente, eu fui o artista que inseriu o palavrão na música popular brasileira, nunca houve isso antes de mim, independente de estilo, de gênero, nunca houve. O única palavrão foi 'bosta' (Geni & o zepelim, de Chico Barque). Quando o que queria mesmo com aquilo era tirar meu chapéu pra Plínio Marcos, a quem eu tinha visto no Teatro Castro Alves, com Dois Perdidos Numa Noite Suja, e a dramaturgia brasileira naquele momento do final dos anos 60, início dos 70, ela vivia de traduções de Brecht, de Pirandello. Não tinha um autor nacional. Plínio foi o primeiro cara a pegar e levar peças pelo Brasil com uma linguagem que incluía o nosso vocabulário cotidiano. 'Vá tomar no cu, seu filho da puta! Seu viado!' (Risos) Eu me lembro que metade do Teatro Castro Alves se levantou e foi embora! Isso no finalzinho dos anos 60. A pequena burguesia baiana foi toda embora chocada! Como é que alguém poderia dizer numa peça de teatro: 'vá tomar no cu, seu filho da puta'! (Risos) Escândalo total! O Camisa tinha um grito da plateia que me persegue até hoje, o 'bota pra fuder', tinha Sílvia, a versão de My Way. Inserir a linguagem do cotidiano, sabe? Eu achava que o Camisa era um veículo bom pra isso. A forma como a banda se apresentava, as coisas que a gente dizia, elas se prestavam a esse tipo de coisa. Como é que eu vou explicar pra ele (Marcos Silva) que aquilo era uma homenagem a Plínio Marcos? Ele nem sabia quem era Plínio Marcos! Mas ele apostou e disse: 'Tudo bem! Vá lá e faça. Eu sei que você é bom no que você faz'. Ele me bancou! E eu sou grato a ele até hoje. E já tem mais de dez anos que ele morreu. Mas ele me incentivou a ir fundo nisso. Depois eu trabalhei com um cara na Warner chamado Andre Midani que também fez a mesma coisa. Com a diferença que Andre é um cara inteligente, culto. Não que Marcos não fosse inteligente. Mas ele não tinha a cultura que Andre tinha. Andre é um homem que conhece o mundo inteiro. Sírio, ajudou - ajudou não - ele participou, acompanhou a criação do selo Atlantic com os irmãos Ertegun. Era um homem que tinha uma visão cosmopolita da cena. Ele bancou essa história do Camisa. Nós assinamos um contrato de três discos com ele, em 1986. Naquele momento, eu tava tão incomodado com tudo aquilo, aquela coisa de punk baiano. Naquele primeiro disco (pela Warner, Correndo o risco), tinha uma música chamada A Ferro e Fogo que eu gravei com 35 músicos. Uma orquestra sinfônica. 'Punk baiano, punk baiano'. Ah, é punk? Então eu vou mostrar quão punk eu sou. Falei com o meu amigo Peninha Schmidt, que era o produtor do disco: 'Eu quero uma orquestra.' 'O quê?'. 'Eu quero uma orquestra. Completa. Uma orquestra sinfônica, por que eu quero gravar uma música sem a banda. Eu fiz um texto chamado A Ferro e Fogo, que é uma odisseia épica e eu quero ilustrá-lo com nada de rock 'n' roll. Eu quero ilustrá-lo com uma orquestra sinfônica, eu quero fazer dessa música a trilha sonora para Os Dez Mandamentos, você entendeu? Vou tirar Cecil B. de Mille e vou botar Marcelo Nova fazendo a trilha sonora disso'. E ele disse: 'Porra! Vou atrás!'. Foi atrás, conseguimos encontrar o Maestro Ferrante, esqueci o primeiro nome dele. Um cara cabeludo, barbudo, que vibrava, que tinha essa visão de maestro de organizar tudo em forma de partitura, e separar os metais das cordas. Tanto que, quando eu fui cantar, gravar a música, eu vi 35 músicos. Húngaros de 70 anos de idade, era uma linguagem totalmente diferente. Tinha gente de São Paulo, do Japão, da Hungria, da Alemanha, todo mundo reunido ali, e aí entrou aquela coisa, eu disse: 'puta que pariu! É minha canção!'. E quando o disco ficou pronto e saiu, era uma coisa que destoava do resto do disco. Por que até então, eu tinha escrito algumas canções boas. Tinha escrito outras bobagens, mas quando eu escrevi A Ferro e Fogo... A Ferro e Fogo pra mim é a canção que me fez ver que eu poderia vir a ser bom no que eu estava fazendo. Quando eu terminei de escrever A Ferro e Fogo, eu li. E reli. E trabalhei em cima. E depois ensaiei. E depois gravei com a orquestra. E isso, meses e meses se passaram. Eu fui percebendo que era, pra mim, uma canção totalmente definitiva. O que eu escrevi antes de A Ferro e Fogo e o que eu passei a escrever depois dela. Ela me fez perceber que eu não ia passar o resto da minha vida escrevendo Eu Não Matei Joana D'Arc, Sílvia, Bete Morreu e outras canções. Eu tinha um caminho mais maduro, mais adulto, mais poético. Através dela eu descobri outros universos literários e sonoros para compor. Então o Camisa de Vênus deixou de me interessar naquele momento. A partir dali, foi ficando cada vez mais tênue a minha relação com o Camisa. Eu comecei a achar que aquilo era uma brincadeira de menino. É o que eu falei do Autorama agora há pouco em tom de brincadeira, agora se justifica o que eu disse. Eu tinha comprado o Autorama, eu tinha armado o Autorama, coloquei a pista do jeito que eu quis, dei inúmeras voltas com os carrinhos, adorei aquilo, ganhei as corridas, mas como todo brinquedo, uma hora ele já não era mais aquilo, não é? E até hoje, de uma certa forma, eu tenho que agradecer aos outros meninos da banda, por que quando eu saí, apesar do choque que eu provoquei com a minha saída, se por um lado eu dei o nome da banda pra eles. Eu disse: 'olha, vocês põem outro cantor no meu lugar, eu fico na banda até o outro vocalista estar definitivamente assentado, e você podem coninuar usando o nome da banda, mas eu tô saindo'. E eles disseram: 'não. Sem você não tem Camisa de Vênus'. Aí é a parte do agradecimento. Por que eu acho que o Camisa tinha marcas muito legíveis assim. Isso foi o início da minha carreira solo. Na sequencia, eu fui chamado por Andre Midani, que me disse: 'o que você está pensando em fazer?' O Andre foi muito cavalheiro comigo, por que quando eu decidi sair, eu ainda devia dois discos do Camisa pra Warner. Ele disse: 'Olha, se você quer sair da banda, quem sou eu pra dizer que você está errado ou certo?' Ele ouviu as minhas ponderações e embora eu tenho certeza que ele queria dizer 'olha, dá um tempo, vocês estão cansados, fazendo show em cima de show, pára um pouco, fiquem um ano se se ver'. O famoso apaziguador, né? Ele, não. Ele disse: 'Tudo bem'. Eu perguntei: 'Posso lhe pagar com um álbum duplo?' Ele disse: 'Pode'. Eu queria me livrar daquilo. E ele considerou o nosso álbum duplo, o Duplo Sentido (1987) como dois álbuns e eu paguei minha dívida para com a Warner. E aí, logo na sequencia, ele me pediu para uma das meninas que era diretora artística Warner me ligar: 'Olha, o André quer fazer um contrato da carreira solo com você e tal'. Foi quando eu assinei um contrato com a Warner prevendo três discos. O terceiro acabou não se concretizando. O primeiro foi o 'Marcelo Nova & A Envergadura Moral' (1988). O segundo foi 'A Panela do Diabo' (1989), que eu tive a bordo um outro cara (Raul Seixas) comigo (risos). E isso foi o início da minha carreira-solo. Claro que mal-acompanhado, né? (Risos).
Raul Seixas, o amigo, o escroto:
Cara, eu nunca desejei isso, eu nunca busquei isso (gravar um disco com Raul Seixas). Eu nunca nem sequer imaginei isso. Raul foi um cara que foi uma referência pra mim do ponto de vista de texto. Independentemente do valor estético-poético das canções brasileiras (pré-Raul), Raul foi o cara que instaurou a possibilidade de você, como ouvinte, se identificar com o que ele tava dizendo. Então eu acho que essa peculiaridade dele, essa característica dele é muito marcante. Quando eu ouvi Ouro de Tolo a primeira vez, eu não gostei nem um pouco da música. A música é aquele negócio (canta com voz anasalada): 'nana-nina-nina-nina', aquilo é chato. O arranjo é chato. Mas quando eu ouvi a letra, eu parei para ouvir a letra foi quase como se eu dissesse: 'porra, eu escrevi ese troço e esse cara tá cantando o que eu escrevi. Eu penso exatamente dessa forma'. Ele tinha essa capacidade. Os textos dele.. não era só uma coisa de apreciar a imagem a qual o texto remetia. Não! 'Porra, é isso aí! É isso aí o que eu quero dizer'. Então, gravar com ele, 25 anos depois de tê-lo visto com Os Panteras, foi uma experiência de vida mesmo, de estar no lugar certo na hora certa, de destino mesmo. Na verdade nós nos tornamos amigos primeiro. Nós só fomos compor e gravar um disco quatro anos depois de estarmos andando juntos direto. Se não houvesse amizade, jamais teríamos sido parceiros. Por que a gente saía pra beber, saía pra incomodar os outros, ele ia na minha casa, eu ia na casa dele, a gente ouvia muito Lightnin' Hopkins e Howlin' Wolf e enfim... Até chegar no Panela, foi uma trajetória de amizade. Nós ficamos de 83 até 87, quando gravamos nossa primeira música juntos (Muita Estrela pra Pouca Constelação, do dicso Duplo Sentido, 1987), nós ficamos andando junto. Por que ele apareceu um dia em show do Camisa no Circo Voador (Rio de Janeiro), e disse que queria assistir o Camisa por que era a única banda do rock brasileiro que prestava. Chamei ele pra subir no palco na maior cara de pau, por que nós não nos conhecíamos pessoalmente e cantamos Be-Bop-a-Lula, Whole Lotta Shakin' Goin' On. Quando acabou, ele deu uma declaração no JB dizendo que a única banda que prestava no rock brasileiro era o Camisa de Vênus. Aí ficamos uma semana sem falar com ninguém, né? (Tirando onda) 'Aaah, Raulzito que falou, porra! Aaahhhh!' (Risos) Mas Raul era um cara muito bem-humorado. Louco. Completamente doido, como é fácil de presumir e uma pessoa que - muito pouca gente sabe disso - era muito bem-humorado. E que não dava a mínima pra literalmente nada. Nada, nada. Nada. Eu acabava de ouvir um disco - a gente ouvia em vinil, né? - pegava o disco, botava dentro do envelope, pegava o envelope, botava dentro da caixa. Ele largava o disco no chão, ele pisava por cima do disco, ele não tava nem aí pra nada. Se você dissesse que estava com frio, ele pegava o casaco de couro que ele comprou em New Orleans, lhe dava, você ia embora e ele nunca ia lhe cobrar esse casaco. Ele era totalmente desapegado. Uma vez eu peguei na estante da casa dele um livro, uma biografia de Jerry Lee Lewis, chamado Hellfire. 'Porra, Raul, você me empresta pra eu ler esse troço?' Ele pegou o livro da minha mão, fez uma dedicatória pra mim e disse: 'Tome, leve, vá embora'. E ele não tinha outro daquele. Ele não tinha nenhum apego pela coisa material. Essa coisa normal que todos nós temos de querer guardar, cuidar das coisas, ele não tinha. Tanto não cuidava, que não cuidava nem de si próprio, né? Esse era Raulzito. O Raul que eu conheci. Não esse santinho que querem transformar, o Maluco Beleza bonitinho. Raul era um cara escroto! Fazia comentários avassaladores sobre todo mundo. Escroto no bom sentido, né? Ele não tinha pudores. Ele odiava o rock brasileiro dos anos 80. Odiava! Você como jornalista, se for procurar as declarações dele sobre as bandas dos anos 80, vai ver coisas hilárias. Hilárias! Ele era impiedoso. Esse era o Raulzito que eu conheci. Esse que inventaram depois, esse eu não sei. Eu sou que nem o Repórter Esso, eu sou testemunha ocular da história. Eu tava lá.
Rock baiano: uma contradição em termos?
Depois do Camisa surgiram quarenta bandas aqui. E é natural o rock baiano. Num lugar onde você tem tantos elementos antagônicos, é natural que você tenha um núcleo que se posicione contra. Isso é social, não é musical. É social.
O Galope do Tempo:
Eu, em 2005, lancei um álbum chamado O Galope do Tempo. Foi um álbum que eu levei 13 anos guardando, coletando canções. Toda vez que eu ia fazer alguma coisa, eu separava as canções do Galope do Tempo e fazia outras. Por que, aos 41 anos, a mãe dele (aponta para Drake), a mãe dele ficou grávida. Eu disse, caramba, eu vou ser pai aos 41 anos de idade. Eu não achava que ia estar vivo até os 30. E me descobri aos 40 para ser pai. De novo. E de um moleque. Por que eu tenho duas filhas. Então eu fui até o ginecologista e o cara disse pra mim: 'Marcelo, venha aqui no consultório, que você vai ver seu filho'. Poooorra, bicho! Entenda que era a pré-história do tal do ultra-som. Era a maior novidade da ciência! Era o ultra-som! Eu só soube que ia ser pai de duas filhas quando elas nasceram, não tinha menor ideia de nada. O cara vira pra mim e fala: 'Você vai ser pai de um homem'. E mais: 'Venha cá que você vai ver seu filho'. Eu vou! Botei meu melhor terno, fui todo charmoso pra ver meu filho. Chego lá e vejo uma tela preta e uma luzinha acendendo e apagando, com uma precisão matemática. O cara disse: 'É o coração'. Eu procurei, eu fui pra lá, na minha santa ignorância pra ver cabeça, tronco, membros - mais membro do que tudo, afinal de contas era meu filho. (Risos). Aí eu vou lá e veja essa luz acendendo e pagando. Eu fiquei - hoje parece uam declaração ingênua, mas na época, leigo como eu era, sendo convocado pelo médico da minha mulhere para ver meu filho em um aparelho misterioso chamado ultra-som e eu vejo aquela luz... Eu voltei pra casa completamente chapado. 'Será que eu gerei um alien? O que isso significa?' Eu entrei em casa -e isso foi automático - peguei um caderno e escrevi: 'Eu vi um ponto de luz / pulsando no escuro / sem nome / sem fome / aceso, sinalizando o futuro / Não possui um corpo como o nosso / disforme, desajeitado / Seu ritmo exato / é seu auto-retrato / tão intenso / seguro / Eu vi um ponto de luz / a pulsar no escuro'. Aí, dois dias depois, eu escrevi um poema chamado O Galope do Tempo pensando nisso, que eu já tava passado dos 40, cacete! Como é que o tempo passou nessa velocidade galopante? E ali, pela primeira vez eu percebi que eu tinha a oportunidade de fazer, diferentemente de tudo o que eu havia feito, eu tinha a possibilidade de fazer um disco com um só tema. Ao invés de fazer uma canção sobre isso e outra sobre aquilo, um disco que tratasse da minha trajetória através do tempo. E aí comecei a compor e a guardar. A compor e a guardar. E tem canções que remetem a minha infância, outras sobre a adolescência, tá rá rá, e termina com uma canção sobre a minha morte, por que durante esses treze anos eu perdi pessoas que eu amava, evidentemente e é um disco existecialista, que vai do útero ao caixão. É um disco que eu mesmo produzi, paguei estúdio, paguei os músicos... E isso me deu tempo para ficar dentro do estúdio dias inteiros, por que eu tenho restrições a alguns discos que eu fiz no que tange a sonoridade do disco. De alguns eu definitivamente não gosto. E eu queria acertar muito nisso. Então eu tive mais tempo do que quando você esta com uma gravadora atrás de você. O produtor fica dizendo 'porra, bicho, os caras tão ligando, que música vai blá blá blá'. Então eu fiquei muito tempo trabalhando que tipo de som eu queria pra guitarra, o órgão, o violoncelo... Depois do disco pronto, e agora eu posso dizer isso já que já tem quase cinco anos que ele saiu, é a obra onde eu cheguei mais próximo do que eu queria dizer em termos de linguagem e de qual é a minha função nessa história. Não vou dizer que é meu melhor disco, por que isso é muito subjetivo. Mas se eu tivesse que assinar em cima de algum, o primeiro seria ele.
O próximo disco:
É uma coisa que eu não costumo fazer - falar sobre o que eu ainda não fiz - mas estou trabalhando em um conjunto de canções e espero ter a chance de concretizar isso no início do próximo ano. Nunca mais eu vou fazer um álbum parecido com O Galope do Tempo, por que ele tem toda uma peculiaridade e uma longevidade de confecção, por que, imagina, eu nunca pensei que ia passar treze anos compondo, esperando o tempo passar, até por que se é um disco sobre o tempo, como é que eu poderia faze-lo sem dar tempo ao tempo? Não faria sentido fazê-lo em um ou dois anos. Mas agora eu tô fazendo um disco sobre o sexo feminino. São canções basicamente sobre mulheres e confusões com o sexo oposto. u espero lança-lo no primeiro semestre de 2010. Independente, claro. Eu não penso mais em gravadora. Eu não preciso disso. Lamento pela molecada que precisaria de ter alguém para quem mostrarsse, apostasse, trabalhasse. Quem gosta de rock no Brasil sabe quem eu sou. Ou gostam de mim ou me detestam. Eu tenho essa facilidade, né? As pessoas quando gostam de mim me adram. Quando não gostam, me detestam. Então eu não preciso nunca ficar em cima do muro, entendeu? Vou fazer meus discos cada vez mais a minha maneira. Não dá mais pra nem sequer pensar de uma outra forma, seria até tolice. Mas é isso. Aliás, você é o primeiro cara de imprensa para quem eu falo desse disco. Eu nunca antecipo as coisas. Mas acho que de alguma forma nós estamos tendo um papo tão informal aqui. Isso foi ideia de Osvaldo Júnior. Osvaldo Júnior é o Bill Graham, ele é maquiavélico! Ele escolhe os ambientespra deixar as pessoas a vontade, é um filho da puta rapaz, tô te dizendo! (Risos)
Uma possível volta do Camisa:
Ah, Autorama é assim, né? A qualquer hora eu tiro ele da prateleira. Mas falando assim parece que eu tô menosprezando a vontade dos outros meninos. Não é bem isso. O Camisa é a banda que eu tenho maior orgulho de ter montado, feito, participado, sabe? Foi a primeira concretização profissional da minha vida. O Camisa de Vênus é a minha banda, porra! (Bate no peito) Minha banda! Não dou direito a ninguém de falar mal, só quem pode falar mal sou eu, sabe como é que é? Mas o negócio é o seguinte: bandas de rock, cara, têm que acabar cedo. Por que eu tô dizendo isso? Por que banda de rock pressupõe juventude! Pressupõe união! Pressupõe aquele espírito um por todos, os mosqueteiros! Então, eu tô com 57 anos! Eu não posso estar mais com brothers do meu lado vestindo couro preto, xingando garçom, cê tá entendendo, mostrando o dedo pras pessoas na rua. Não cabe mais! Banda é o que eu digo: é o momento! Você vê por aí equívocos muito claros. Veja os Rolling Stones, que é uma banda sensacional, de uma trajetória incontestável, de um talento incontestável, de canções memoráveis, inúmeras delas e você vê os Stones hoje... é um cirquinho! Quer dizer: é um circão! Muito bem montado, muito bem produzido, mas é um teatro! Você vê Mick Jagger com aquela obsessão em parecer jovem, ele é obcecado com isso! Em mostrar a forma física, em demonstrar que está bem, que é capaz de correr o show inteiro. O risco que ele corre é o netinho olhar praquilo e dizer (fala com voz de criança): 'Ih, o vovô é bundão, ele fica mexendo aquele cu magro dele, que ridículo!'. Por que você rebolar aos 20, OK! Mas aos 60 e tantos? Francamente, é ridículo! Então, esses equívocos que você vê numa banda da dimensão dos Stones... Não, tem alguma coisa ali que não é exatamente isso. Então eu penso mesmo que banda... banda é pra ele (aponta para Drake), que está com 16 anos. Banda de rock! União! Tesão! Vontade de comer as menininhas todas! Todas! A plateia toda, camarim inteiro, virar tudo de cabeça pra baixo, fuder, fumar e botar pra quebrar! É coisa de moleque, de andar junto! Isso é que é banda de rock! Muita testosterona. Então, finalmente respondendo a sua pergunta, isso não quer dizer que você não sinta vontade de, ocasinalmente, brincar de trenzinho! Pegar o Autorama de dentro armário e dizer: 'Aaah, vamo fazer um racha aqui! Vamo fazer um racha!' Se o racha for do meu interesse e dos demais participantes da corrida, por que não? Por que não? Mas evidentemente que é isso que fizemos agora em 2007. Fizemos dez shows. Acabaram os dez shows, acabou. Cada um voltou para suas atividades. Não existe mais essa possibilidade de fazer uma carreira! Talvez um dia, quem sabe, a gente grave um disco. A troco do quê, não sei. Hoje, agora, nesse momento? nem pensar! Mas, afinal de contas, o Camisa já é uma banda que tem... cacete! Quase 30 anos. Em outubro de 2009 fazemos 29 anos de banda! São praticamente três décadas de banda. E nós ainda estamos aí! Agora, também não podemos demorar muito por que senão a próxima turnê, se tiver, vai ser todo mundo de cadeira de roda! E bengala. (Risos)
sexta-feira, agosto 07, 2009
quarta-feira, agosto 05, 2009
NOVAS MEMÓRIAS IMPLACÁVEIS
Livros continuam a desovar a incrível produção do Pasquim, lar de gigantes do humor e jornalismo
A terceira Lei de Newton (“para cada ação, há uma reação“), nunca foi tão bem aplicada quanto em junho de 1969. Naquele mês, em desaforada resposta ao infame Ato Institucional nº 5, que cassou os direitos constitucionais do povo brasileiro, surgiu nas bancas do Rio de Janeiro um novo veículo de comunicação: O Pasquim, semanário que mudou a cara do jornalismo pátrio e que recentemente ganhou mais duas antologias comemorativas.
O Pasquim Antologia Volume III (1973-1974) e O Pasquim Edição Comemorativa 40 Anos são os dois novos livros que vêm dando continuidade ao trabalho da editora carioca Desiderata de resgatar o que de melhor foi produzido pela turma do Jaguar, Millôr Fernandes, Henfil, Ziraldo, Sérgio Augusto, Paulo Francis, Ivan Lessa e tantas outras feras do jornalismo e do humor que fizeram a fama do hebdomadário, inspirando tantos outros nas décadas seguintes.
Uma ressalva deve ser feita a essas edições, no entanto. O Volume III da antologia, um calhamaço de 376 páginas em formato álbum, entupido de conteúdo (de altíssima qualidade, claro), sai na loja por R$ 79,90. Não é barato, mas a vastidão de textos, cartuns, fotonovelas e outras ousadias editorais da trupe do Pasquim faz valer o investimento.
Já a Edição Comemorativa - 40 Anos, com apenas 40 páginas e uma seleção das melhores capas d‘O Pasquim foi para as livrarias ao preço de R$ 40.
É só fazer as contas: enquanto o primeiro livro traz 375 páginas e custa R$ 79,90, o segundo traz exíguas 40 páginas custando a metade do preço da Antologia. E com um conteúdo que se lê em dez minutos. No mínimo, uma incoerência editorial.
Dito isto, o que interessa mesmo é que, para quem acompanhou O Pasquim na época ou mesmo para os mais jovens, os livros – especialmente a Antologia, claro – oferecem um painel completo do espírito que movia os profissionais do jornal e da produção extraordinária que ele trazia a cada semana.
Nata da crítica – Na época abordada pelo terceiro volume da Antologia, entre os anos de 1973 e 74, escritório do Pasquim se mudou do bairro do Jardim Botânico para Ipanema.
Na redação, Millôr e Henfil comandavam editorialmente, enquanto Ziraldo e Jaguar cuidavam das partes gráfica e da arte. Ivan Lessa e Sérgio Augusto respondiam pelo texto final. Paulo Francis enviava seus textos, vejam só, pelo malote da Varig, um email jurássico.
Esse núcleo – extraordinário por si só – ainda foi agregando em seu torno veteranos e focas, todos atraídos pelo desafio de se insurgir contra as ditaduras que cresciam e se espalhavam pela América Latina como uma sombra maligna, uma verdadeira ave de rapina.
Numa folheada rápida pelas páginas da Antologia, essa indignação salta das páginas, fosse contra os militares que derrubavam governos mundo afora como em um jogo de War ou fosse contra a eterna estultice da classe-média.
Os eventos importantes da época também não passavam em branco, como o escândalo de Watergate que derrubou Richard Nixon, esmiuçado por Francis e Newton Carlos ou o golpe que derrubou Salvador Allende no Chile, a Guerra do Yom Kippur no Oriente Médio e o boom da espculação imobiliária do Rio de Janeiro. Nada escapava à pena – e ao traço – ferinos do pessoal d‘O Pasquim. E o melhor: tudo sempre com muito humor e inteligência.
As entrevistas são um espetáculo à parte. Regadas a muita birita e realizadas coletivamente, eram verdadeiras sabatinas informais. No Volume III da Antologia, entrevistas históricas e hilárias com Costinha, Raul Seixas, Gerado Mello Mourão (poeta, integralista, suposto espião dos nazistas no Brasil), Lúcio Rangel (crítico musical), Moreira da Silva, Luís Sérgio Person (cineasta), Austregésilo de Athayde (o mais famoso presidente da Academia Brasileira de Letras), Lupiscínio Rodrigues e muitas outras personalidades da época. Há até mesmo uma “entrevista póstuma“ com Noel Rosa, psicografada por Sérgio Augusto.
Este último, aliás, tem uma das críticas mais curiosas do livro, sobre Encurralado (Duel, 1971), primeiro filme de Spielberg. Escreve Augusto: “A inteligência não é o forte de Steven Spielberg, o jovem (24 anos) diretor de Encurralado, filme de TV que chegou ao cinema como mais um ovo de Colombo da sociologia midcult“, começou, para em seguida destrinchar o filme com a classe de um mosqueteiro. Outros tempos.
O Pasquim Antologia Vol. III
Vários autores
Desiderata
376 p. R$ 79,90
www.editoradesiderata.com.br
O Pasquim 40 Anos
Vários autores
Desiderata
40 p. R$ 39,90
www.editoradesiderata.com.br
A terceira Lei de Newton (“para cada ação, há uma reação“), nunca foi tão bem aplicada quanto em junho de 1969. Naquele mês, em desaforada resposta ao infame Ato Institucional nº 5, que cassou os direitos constitucionais do povo brasileiro, surgiu nas bancas do Rio de Janeiro um novo veículo de comunicação: O Pasquim, semanário que mudou a cara do jornalismo pátrio e que recentemente ganhou mais duas antologias comemorativas.
O Pasquim Antologia Volume III (1973-1974) e O Pasquim Edição Comemorativa 40 Anos são os dois novos livros que vêm dando continuidade ao trabalho da editora carioca Desiderata de resgatar o que de melhor foi produzido pela turma do Jaguar, Millôr Fernandes, Henfil, Ziraldo, Sérgio Augusto, Paulo Francis, Ivan Lessa e tantas outras feras do jornalismo e do humor que fizeram a fama do hebdomadário, inspirando tantos outros nas décadas seguintes.
Uma ressalva deve ser feita a essas edições, no entanto. O Volume III da antologia, um calhamaço de 376 páginas em formato álbum, entupido de conteúdo (de altíssima qualidade, claro), sai na loja por R$ 79,90. Não é barato, mas a vastidão de textos, cartuns, fotonovelas e outras ousadias editorais da trupe do Pasquim faz valer o investimento.
Já a Edição Comemorativa - 40 Anos, com apenas 40 páginas e uma seleção das melhores capas d‘O Pasquim foi para as livrarias ao preço de R$ 40.
É só fazer as contas: enquanto o primeiro livro traz 375 páginas e custa R$ 79,90, o segundo traz exíguas 40 páginas custando a metade do preço da Antologia. E com um conteúdo que se lê em dez minutos. No mínimo, uma incoerência editorial.
Dito isto, o que interessa mesmo é que, para quem acompanhou O Pasquim na época ou mesmo para os mais jovens, os livros – especialmente a Antologia, claro – oferecem um painel completo do espírito que movia os profissionais do jornal e da produção extraordinária que ele trazia a cada semana.
Nata da crítica – Na época abordada pelo terceiro volume da Antologia, entre os anos de 1973 e 74, escritório do Pasquim se mudou do bairro do Jardim Botânico para Ipanema.
Na redação, Millôr e Henfil comandavam editorialmente, enquanto Ziraldo e Jaguar cuidavam das partes gráfica e da arte. Ivan Lessa e Sérgio Augusto respondiam pelo texto final. Paulo Francis enviava seus textos, vejam só, pelo malote da Varig, um email jurássico.
Esse núcleo – extraordinário por si só – ainda foi agregando em seu torno veteranos e focas, todos atraídos pelo desafio de se insurgir contra as ditaduras que cresciam e se espalhavam pela América Latina como uma sombra maligna, uma verdadeira ave de rapina.
Numa folheada rápida pelas páginas da Antologia, essa indignação salta das páginas, fosse contra os militares que derrubavam governos mundo afora como em um jogo de War ou fosse contra a eterna estultice da classe-média.
Os eventos importantes da época também não passavam em branco, como o escândalo de Watergate que derrubou Richard Nixon, esmiuçado por Francis e Newton Carlos ou o golpe que derrubou Salvador Allende no Chile, a Guerra do Yom Kippur no Oriente Médio e o boom da espculação imobiliária do Rio de Janeiro. Nada escapava à pena – e ao traço – ferinos do pessoal d‘O Pasquim. E o melhor: tudo sempre com muito humor e inteligência.
As entrevistas são um espetáculo à parte. Regadas a muita birita e realizadas coletivamente, eram verdadeiras sabatinas informais. No Volume III da Antologia, entrevistas históricas e hilárias com Costinha, Raul Seixas, Gerado Mello Mourão (poeta, integralista, suposto espião dos nazistas no Brasil), Lúcio Rangel (crítico musical), Moreira da Silva, Luís Sérgio Person (cineasta), Austregésilo de Athayde (o mais famoso presidente da Academia Brasileira de Letras), Lupiscínio Rodrigues e muitas outras personalidades da época. Há até mesmo uma “entrevista póstuma“ com Noel Rosa, psicografada por Sérgio Augusto.
Este último, aliás, tem uma das críticas mais curiosas do livro, sobre Encurralado (Duel, 1971), primeiro filme de Spielberg. Escreve Augusto: “A inteligência não é o forte de Steven Spielberg, o jovem (24 anos) diretor de Encurralado, filme de TV que chegou ao cinema como mais um ovo de Colombo da sociologia midcult“, começou, para em seguida destrinchar o filme com a classe de um mosqueteiro. Outros tempos.
O Pasquim Antologia Vol. III
Vários autores
Desiderata
376 p. R$ 79,90
www.editoradesiderata.com.br
O Pasquim 40 Anos
Vários autores
Desiderata
40 p. R$ 39,90
www.editoradesiderata.com.br