Brat Pack, de Rick Veitch (Monstro do Pântano) é HQ nascida do rancor - e por isso mesmo, é também uma execelente mostra de quadrinhos underground americanos.
Quando um contexto específico em que uma história é criada se torna mais importante do que a própria história, ela perde o valor?
Essa é a grande questão que parece se abater sobre Brat Pack, obra-provavelmente-máxima de Rick Veitch, o mero mortal a quem foi confiada a espinhosa tarefa de substituir Alan Moore na revista do Monstro do Pântano - fase tão importante e seminal (esse termo é horrível, mas no contexto não há outro), que acabou gerando o selo Vertigo, e, em última análise, os quadrinhos mainstream americanos como os conhecemos hoje.
Ufa.
Após esse desnecessariamente extenso e complicado preâmbulo, voltemos ao objeto da análise. Brat Pack surgiu da indignação de Veitch quando a DC censurou sumariamente uma edição sua do Monstro, onde o protagonista se encontrava com Jesus Cristo em pessoa e (supostamente) batia um papinho filosófico com Ele.
Irado, Veitch deve ter raciocinado: "Puta que pariu, eles publicam histórias com crianças vestindo roupas colantes sendo expostas a supostos pedófilos, criminosos e psicopatas há décadas - e minha história onde um personagem encontra Jesus é que é considerada ofensiva? Capitalistas filhos da puta!"
Toda essa raiva o fez criar o próprio selo independente (King Hell), e por ele lançar Brat Pack, onde juntou todos os podres que conhecia da indústria - deduziu mais alguns e se lembrou de outros - e largou lá, sem retoques, sem metáforas, com a sutileza de um Hulk numa loja de cristais.
Você já leu essa HQ antes: versões-paródia (ou "realistas", diria o cínico) de heróis icônicos são colocadas nas situações mais extremas e absurdas. Authority e Esquadrão Supremo são só os exemplos mais recentes e em evidência que vêm à mente sem qualquer esforço.
A principal referência parece mesmo o episódio da morte do Robin Jason Todd, que foi brutalmente assassinado pelo Coringa após uma votação por telefone entre os leitores, proposta pelos editores da DC, em 1988.
(Nota: como nos quadrinhos de super-heróis que é morto sempre aparece, Todd já voltou a aparecer nas histórias atuais do Batman. Não me perguntem. Não li - nem pretendo ler - este material).
Essa historinha editorial sórdida serve de ponto de partida para Veitch desancar a indústria dos quadrinhos americana de alto a baixo em uma HQ ainda mais sórdida, ainda que muito bem narrada.
A verdade é que Veitch cometeu uma bela e ácida peça de HQ underground americana, coisa de deixar um Robert Crumb orgulhoso.
Tudo começa quando um locutor de rádio propõe uma votação por telefone para saber se o público preferia que o Bando de Pirralhos (Brat Pack), jovens assistentes dos heróis de Slumburg (Favelópolis?) estivesse vivo ou morto.
Óbvio que o polegar das multidões sempre vira para baixo. É facilmente previsível, pois o povão sempre vai querer ver sangue, é da natureza fodida do ser humano. O ouvinte que propôs que eles deveriam estar mortos, na verdade, o vilão Doutor Blasfêmia, responde que o desejo da população será atendido - e os executa automaticamente.
Como existem contratos de licenciamento para serem cumpridos - e muita grana a ser ganha - com a imagem dos sidekicks, aparições em público etc, Doninha Noturna (Batman), Senhora da Lua (Mulher-Maravilha), Juiz Júri (Juiz Dread?) e Rei Rad (Arqueiro Verde) pressionam um padre para que este lhe indique novas vítimas, digo, candidatos para os cargos vagos de Chippy, Luna, Kid Vício e Selvagem, os jovens parceiros dos heróis, respectivamente.
O que se segue uma jornada de degradação, violência, vício e loucura das mais caprichadas já vistas em uma HQ.
É importante frisar que o estágio do desenhista com Alan Moore influenciou bastante seu storytelling (sorry, periferia), cheio de artifícios formais como narrativas múltiplas, enquadramentos intrincados e simétricos, além de uma tal consistência na caracterização dos personagens que é impossível não ler Brat Pack com um prazer característico, quase sádico.
Pois sabemos o tempo todo que o destino dos personagens será cruel. O tom de Veitch é moralista demais, irado demais para que não fosse diferente.
Mas Brat Pack também é um chute no saco da indústria, como todo bom quadrinho underground deve ser. Essa qualidade ninguém lhe tira.
A pergunta do primeiro parágrafo tem aqui sua resposta: não. Pelo menos, não quando se tem um aluno tão aplicado de Alan Moore na autoria da obra em questão.
BRAT PACK
HQ Maniacs / King Hell
R$ 29,90 - Edição especial
Formato americano - 184 páginas
Blog (que, nos seus primórdios, entre 2004-05, foi de um programa de rádio) sobre rock e cultura pop. Hoje é o blog de Chico Castro Jr., jornalista formado pela Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia. Atualmente, é repórter do Caderno 2+ do jornal A Tarde, no qual algumas das matérias vistas aqui foram anteriormente publicadas. Assina a coluna Coletânea, dedicada à música independente baiana. Nossa base é Salvador, Bahia, a cidade do axé, a cidade do terror.
7 comentários:
Nada de "I said no, no, no" dessa vez, Amy. Vai se tratar, minha filha...
http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u366768.shtml
Yes, yes, yes.
chicvs, se não viu ainda, vc PRECISA ver isso aqui. Estou chorando de rir até agora (isso é pra todos verem tb, é fantastic!):
http://mais.uol.com.br/video/tenacious-d-trailer-0402D88903C6
Agora é oficial. Chegaram os CDs da Theatro de Séraphin. Estaremos nos próximos dias definindo onde podem ser retirados os CDs para aqueles que fizeram a compra antecipada e não querem aguardar a festa de lançamento. Da mesma forma estaremos fechando as definições de data, local e convidados para o lançamento. Obrigado a todos pela paciência e pelo crédito.
Aproveito para avisar que a Theatro de Séraphin vai estar na palco 5 (Cia da Pizza) do Rio Vermelho no dia 01 (Carnaval/Iemanja') fechando a noite do palco do rock, ao lado de Retrofoguetes, Cascadura e Mar Revolto.
Chico, continua valendo o 'primeira mão', ok?
Tranquilo, Marcão.
Depois vou te ligar para a gente ver essa matéria.
Aproveitando, recado chegado por email:
"E aee blz...Parabéns pelo blog. Eu acabei de fazer um e tô engatinhando ainda, mas um dia chego lá.. Eu montei uma banda que faz covers só de The Doors e aos poucos espero viajar por algumas cidades pois acredito que ficou muito boa. Se puder colocar no blog agradeço. Abço
http://gugadelimma.blogspot.com/2008/01/doors-floripa.html"
Led Zeppelin está pronto para uma turnê mundial
http://br.noticias.yahoo.com/s/afp/jap__o_gb_m__sica_gente
Say no more...
Indie-cação >>
http://rocksellout.com/
Baixa lá Panda Riot e a nova do Gnarls Barkley.
Depois não digam que eu não avisei...
"Assume the position, creep!"
http://www.2000adonline.com/?zone=download&page=music
É o rock do Juiz Dread (I am the law).
Meda!
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